Um pedido de ajuda em uma postagem no perfil do Hospital Geral (HG) no Instagram foi suficiente para reunir dezenas de voluntários dispostos a ensinar e a aprender a confeccionar polvos de crochê para bebês prematuros em Caxias do Sul. O bichinho é acomodado nas incubadoras dos recém-nascidos que estão internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal do HG. O resultado é um efeito positivo para quem luta pela sobrevivência desde os primeiros dias de vida.
A solicitação surgiu porque o estoque do acessório está baixo e depende da ajuda de voluntários para continuar sendo entregue aos pequenos. O movimento que ganhou força a partir da postagem do hospital partiu do padre Elton Bussolotto, que lidera a Paróquia Sagrada Família. Sabendo da necessidade da instituição de saúde em arrecadar mais polvos de crochê, ele decidiu criar o projeto Polvo Amigo. As portas da igreja foram abertas para sediar oficinas que ensinam o passo a passo da confeccção do acessório, com o objetivo de doar para os pequenos do HG e de outros hospitais da região.
Para ter sucesso, a iniciativa dependia também de encontrar artesãos dispostos a ensinar voluntariamente outras pessoas. Foi nesse momento que Bussolotto conheceu a artesã Angélica Viganó, que produz os polvos há pelo menos seis anos. Ela aceitou compartilhar o conhecimento com dezenas de outras pessoas interessadas na confecção do material.
A união dos dois resultou em uma oficina, marcada para os dias 25 e 26 de julho, com as 30 vagas disponíveis preenchidas em menos de dois dias. A fila de espera que surgiu vai ser atendida com outras turmas, previstas para os dias 10 e 24 de agosto. As produções de julho serão entregues ao HG e as demais, em agosto, para outras instituições.
— É um primeiro passo para criar algo muito maior. Vamos organizar uma ONG que facilite o aprendizado, a produção dos polvos e também possa centralizar o recebimento de doações de outras pessoas. A demanda existe, o interesse em ajudar também, e o que queremos é continuar ajudando — explica o padre.
"Eu prefiro doar o meu trabalho ensinando", conta voluntária
Artesã há mais de três décadas, Angélica conhece a dor e a preocupação das mães que acompanham seus bebês em uma UTI neonatal. O filho dela, Gabriel, hoje com 21 anos, ficou duas semanas internado após nascer aos sete meses.
— Dói sair do hospital e não poder levar o teu filho junto. Na época, não existiam os polvos. É uma iniciativa recente e agora todos os hospitais precisam dele. Vai muito além tu poder ensinar alguém a fazer porque a quantidade de polvinhos doados sempre vai ser muito maior do que eu simplesmente fazer alguns para doação. Eu prefiro doar o meu trabalho ensinando — conta.
Os polvos de crochê são feitos em fios 100% algodão (para que possam ser higienizados e não provoquem alergias), com oito tentáculos de 22 centímetros – muitas vezes, os bichinhos são maiores que as próprias crianças. Antes de serem colocados nas incubadoras, eles precisam ser esterilizados para evitar infecções.
As mãos habilidosas de Angélica permitem que ela leve cerca de três horas para confeccionar um único polvo. Além do fio, são utilizadas agulhas de crochê, de costura, tesoura, régua e uma fibra siliconada para o enchimento do polvo. O trabalho é feito com uma sequência de pontos altos, baixos e baixíssimos, conhecidos por quem conhece a arte do crochê.
— Cada pontinho é uma forma de dar carinho. Eu não faço pontos, eu faço carinho. Polvinhos existem de vários tamanhos, mas, para os bebês, precisa ser de um tamanho específico, uma delicadeza necessária.
As oficinas do padre Elton aceitam doações de fios e fibra e podem ser combinadas pelo telefone (54) 9 3229-3397. Também há vagas para as oficinas de agosto.
Em três anos, 1,3 mil polvos foram doados no Hospital Geral
Desde 2020, 1,3 mil polvos foram entregues para bebês prematuros no Hospital Geral. A adoção dessa técnica começou em 2018 com recém-nascidos com menos de 1,5kg, que são de alto risco. Ao longo dos anos, o projeto foi ampliado para os demais bebês.
A demanda é para 30 unidades todos os meses - os polvos não são compartilhados e a família leva o bichinho para casa após a alta hospitalar. O hospital depende de doações, que, após a postagem no Instagram, na semana passada, cresceram e vieram de diferentes cidades. Mesmo assim, o estoque ainda é baixo.
— A primeira experiência que a gente teve foi com a doação de dois polvos da mãe de uma funcionária. Após, a comunidade ficou sensibilizada, recebemos uma grande quantidade e ampliamos para todos os bebês dentro da UTI. A pandemia acabou impactando em menos doações, o que se mantem e por isso sentimos necessidade de alertar a comunidade que possa nos ajudar — explica a enfermeira Grasiela Furlan Zucco, da UTI neonatal do HG, responsável pelo cuidado dos polvos.
Além da fofura, que leva mais cor e carinho em um ambiente restrito e de cuidado redobrado, os polvos também geram efeito positivo no tratamento dos recém-nascidos, segundo a médica plantonista da UTI neonatal do HG, Tatiana Bianchi Guaresi.
— Os estudos mostram que o polvo remete à memória do bebê dentro do útero porque lembra o cordão umbilical, onde o bebê fica brincando com ele dentro dentro do útero materno. Se diminui o estresse desse bebê, o choro, melhora a imunidade. Com isso, temos melhora no ganho de peso e também no desenvolvimento. Fora que ele não arranca os dispositivos, fica menos agitado — explica.
Benefícios que chegam até a pequena Ana Vitória, de dois meses, que se recupera na UTI sob os cuidados da equipe do HG e da mãe, Jaíne de Sá.
— Não sabia o que era, mas achei muito bacana. Tem sido um cuidado muito importante — conta.
A UTI neonatal do Hospital Geral tem 20 leitos, todos custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e referência para 49 municípios da Serra.