Detentora do título de cozinheira de mão cheia, as massas dos bolos que costumava fazer causavam disputas entre netos e bisnetos pelas bacias que misturavam os ingredientes. Comemorando 105 anos nesta sexta-feira (2), os desenhos formados pelas rugas nas mãos e no rosto de Celina Lea Dal Pra Zengerling guardam lembranças que foram vividas pela centenária e proporcionadas para a família desde junho de 1918, em Caxias do Sul.
Fã de uma boa bagunça, a receita de longevidade da “Nona”, como é chamada, está no trabalho em equipe feito por cada integrante da família. Depois de sair da casa em que vivia em Galópolis e morar com o neto Italo Franzoi Junior, 47 anos, atualmente o amor e carinho que rejuvenescem dona Celina são recebidos com frequência na clínica Origgem, onde mora há três anos para receber os cuidados que precisa e local onde celebrou o 105º aniversário.
— Brinco com ela o tempo inteiro, faço cócegas e incomodo mesmo. Ela sempre fala para pegar a aliança dela, mas eu digo que só vou pegar quando o dedo dela estiver frio — conta o neto.
Quando mais nova, costumava contar para as duas filhas e, depois para os netos, a história sobre a época em que Sanguanel, personagem do folclore gaúcho, ia até a casa em que morava para fazer tranças e nós nos rabos dos cavalos. De seis irmãos, Nona é a única ainda viva e teve um irmão, conhecido entre a família como Rui, que morreu com 100 anos e oito meses.
Crocheteira, passou boa parte da vida usando as técnicas que conhecia para fazer peças que vestiam familiares e conhecidos. O talento com as mãos era comumente usado também para fazer massas de agnolini, tortéi, bolinho de chuva, nhoque e os mais variados tipos de molhos para acompanhar as receitas.
— Ela também fazia cerveja caseira sem álcool e as crianças desciam para fazer piquenique no quintal de casa. Era uma festa, uma alegria — conta a filha Joanete Zengerling Facchin, 68 anos.
Ao longo dos anos, conforme a idade avançava, a Celina que um dia se escondeu do pai do outro lado de um salão de festas porque não queria ir embora, foi deixando a emoção assumir alguns momentos de encontros com a família. Com lágrimas nos olhos em uma das visitas, mencionou para o neto sobre a saudade que vai sentir de cada um quando chegar a hora de se despedir.
A centenária e torcedora roxa do Juventude, presenciou a troca do lampião pela lâmpada, o mundo da comunicação por cartas e a chegada dos aparelhos eletrônicos. Em um momento de abraço entre o século passado e o atual, Nona recebe o carinho de uma das bisnetas, que sussurra com a voz doce dos 10 anos de idade, que o aparelho na frente dela está tirando uma foto para registrar o aniversário.
— Para mim é como se ela fosse minha avó, porque não tenho avó e nem avô por parte de mãe e nem de pai, então a bisa é como se fosse minha avó. Às vezes, quando vamos passear, ela vai junto, mas nem sempre ela pode pela dificuldade para caminhar. Mas é um orgulho ter a nossa avó. Às vezes ela faz palhaçada, brinca, mas o que eu mais gosto mesmo é dos beijos que ela me dá — diz a bisneta Georgia David Franzoi.
Na hora da surpresa do aniversário, preparada e dividida com todos os idosos da clínica Origgem, a cadeira de rodas de dona Celina recebeu um empurrãozinho da filha para a frente da mesa farta de bolo, salgados e doces. Enquanto os aplausos ritmados cantavam os parabéns, os olhos de azul intenso e observadores de Nona abriram espaço para as lágrimas.
Para a filha Joanete, que viu a própria mãe rir do nome que o pai deu para ela e a fez querer trocar ao longo da vida, celebrar o 105º aniversário da mãe é motivo de felicidade plena, mas principalmente, emoção.
— Hoje em dia só tem eu porque a minha irmã já faleceu. Então, comemorar o aniversário da mãe… Eu não consigo nem falar — finaliza Joanete, enquanto se afasta para não mostrar que está chorando.