Uma distância, em linha reta, de 4.722 quilômetros separa Caxias do Sul da capital da Venezuela, Caracas. Um caminho enfrentado por 754 crianças e adolescentes que, ao lado de suas famílias, optaram por viver no maior município da serra gaúcha e hoje frequentam a rede municipal de ensino. Destes, 64 deles lidam com as diversas dificuldades de morar longe do seu país na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Abramo Pezzi, instituição de ensino com mais estrangeiros matriculados, em geral, na comunidade escolar caxiense.
Segundo a diretora da instituição de ensino, Raquel Ferreira da Rosa, o primeiro aluno do país vizinho foi matriculado em 2018. Para ela, a Abramo Pezzi é bastante procurada, pois há uma considerável comunidade de venezuelanos reunida no bairro São Cristóvão, onde também fica a instituição. Para atender e compreender essa demanda, está sendo desenvolvido um projeto interdisciplinar chamado Diversidade, para trabalhar a temática na escola.
— Temos (venezuelanos) em todas as turmas praticamente, desde a Educação Infantil até o nono ano. A gente acredita que essa concentração aqui na região seja muito em função disso, muitos vieram para cá, foram chamando outros, falando das condições da comunidade e trazendo mais pessoas — avalia a diretora, referindo que do ano passado para cá a quantidade de estudantes mais do que dobrou passando de 30 para 64.
Raquel analisa que a questão linguística é a maior barreira a ser enfrentada dentro da escola, que já tem em sua cultura o acolhimento enquanto que o preconceito passa longe.
Como alunos, os professores são só elogios, principalmente, quando se trata da união. Pelo número expressivo de venezuelanos na comunidade escolar, os mais antigos auxiliam os novatos. Ajudam na tradução, tanto para o educador quanto para o estudante, fazem trabalho em grupos e partilham o horário do recreio.
— É um desafio diário, mas a gente se entende, eles são muito queridos, eles aprendem conosco na escola, mas também eles nos trazem um pouco da cultura deles. Eu me pergunto se eles estão me compreendendo e é uma preocupação que eu carrego — desabafa a professora de Língua Portuguesa, Sandra Lazarotto.
Para ajudar na adaptação à nova língua, a escola tem uma avaliação diferente, permitindo que uma mistura de português com espanhol, desde que a resposta esteja dentro do solicitado. E é nessas avaliações que os professores têm contato com o passado dos alunos.
"Me considero um deles, me considero brasileiro"
Quem escuta o estudante José Daniel Salazar Marcono, 15 anos, falar português não imagina que o jovem está apenas há três anos no Brasil. Durante a entrevista, só teve dificuldade em expressar "ponto de chegada". Ele diz que a vinda para o país não foi fácil. Antes de chegar em Caxias, passou por Roraima e Manaus.
— Para voltar, só quando o país (Venezuela) ficar melhor, penso em ficar no Brasil, pelo menos até a ditadura (referindo-se ao governo de Nicolás Maduro) acabar. Eles me acolheram, não tiveram preconceito, me considero um deles, me considero brasileiro — destaca Marcono.
A preocupação atual do jovem não é sobre qual curso superior fazer, mas sim de quando poderá trabalhar. A nítida autocobrança vem de uma realidade difícil ao lado da mãe, responsável pela renda familiar, sem salário fixo e o pai longe, por ter permanecido no país de origem.
Também há três anos no Brasil, a estudante Mariangel Antonela Hernandez Vina, 13, compartilha sua história. Já instalados em Caxias, familiares que já haviam chegado anteriormente, contribuíram com a adaptação.
— Quando eu cheguei aqui só tinha meu primo "emprestado", que me ajudou muito no português, até estarmos em turmas diferentes, foi complicado, mas depois consegui ir para a mesma. Eles me acolheram, não tinha nenhum tipo de preconceito — relata Mariangel, que gosta muito da cultura brasileira.
Amigos da família da aluna Flavia Noemi Fernandez Soto, 11, também foram guias para que viessem morar no Brasil, há quatro anos. Hoje, ela comemora "saber coisas que não sabia".
Presença em Caxias
A Secretaria Municipal da Educação (Smed) aponta que, com o número de alunos vindos da Venezuela — 754 até a segunda-feira (17) — representa que os venezuelanos são a maioria dos imigrantes nas escolas municipais. Em segundo lugar, aparecem os haitianos e, na sequência, os paraguaios. Depois da Abramo Pezzi, a segunda Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) com mais venezuelanos é a Rosário de São Francisco, com 53 alunos, no loteamento Charqueadas.
Já em relação a possíveis dificuldades que as famílias passem no município, a prefeitura orienta que imigrantes individuais ou famílias procurem assistência social de forma espontânea, com demandas relacionadas à alimentação, a vestuário, a móveis, a empregos e acessos a programas sociais. Conforme a Fundação de Assistência Social (FAS), existe uma média nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de 85 núcleos familiares atendidos por mês. A maioria dos venezuelanos mora na região do Desvio Rizzo, de acordo com a prefeitura.
Além da FAS, apoios também podem ser prestados pelo Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) - que não tem o número de venezuelanos atendidos atualmente - e pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS), dependendo do caso. A Smed informa que, em relação aos alunos, a escola pode, por meio da Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipave) ou da assessoria de território, solicitar ajuda e contribuições para adaptações e flexibilizações curriculares, além de projeto de acolhida.
A Smed também destaca que o serviço de psicólogo e assistente social que não estejam voltados à educação, às vezes necessário em casos de migração, não está previsto em legislação, pois a verba é da saúde. Nestes casos, o ideal é que o atendimento seja procurado em unidades básicas de saúde (UBSs).