Aprender sobre uma profissão, mudar de trabalho ou conseguir o primeiro emprego são desejos de quem não pode estudar, mas também de quem deseja ter uma renda extra. Essas oportunidades, muitas vezes, chegam por meio de cursos profissionalizantes. Mas como nem todos têm como investir em aulas para buscar um novo caminho ou mais conhecimento, se agarram na chance de fazer cursos sem custos, seja por meio de iniciativas do poder público ou de entidades de Caxias do Sul.
A merendeira Amanda de Souza Berlatto, 30 anos, é uma das alunas da Casa Anjos Voluntários, no bairro Charqueadas. Ela já trabalhou em restaurantes e faz doces em casa, mas a chance de cursar aulas de confeitaria na instituição, sem custo, a leva a sonhar mais alto:
— Estou sempre vendo receitas novas e faço um doce daqui, um ali, um bolo, e o curso me ajuda a ir além do que já sei. Estudar aumentou ainda mais a minha vontade de buscar conhecimento e de realizar um sonho antigo, que é abrir um negócio — afirma.
Amanda conta com o apoio do marido, Luan Luís Meira, 31, que frequenta aulas de panificação na Anjos Voluntários. As receitas feitas pelo casal são provadas e aprovadas pelos filhos, João Vítor, 11, Miguel Antônio, seis, e Laura, quatro.
— Eu não tinha condições de me inscrever num curso pago, então quando surgiu essa oportunidade, me joguei de cabeça, de corpo e alma. Estou adorando e meu esposo também. Juntos colocamos em prática o que temos aprendido — conta Amanda.
Essa empolgação também toma conta de Suelen Freitas Vargas, 34. Ela frequenta o curso de panificação, e vê ali um caminho para se aperfeiçoar e, quem sabe, se dedicar ao negócio próprio. Suelen trabalhou dois anos como auxiliar de padaria e agora está descobrindo o quanto ainda pode aprender sobre a arte de fazer pães. Mãe de Érica, 16, Rihanna, 14, João Vítor, 11, e Micaela, sete, ela é casada com Renato, 38. Feliz, Suelen agradece a chance de cursar as aulas gratuitamente:
— Se for um curso pago, eu não consigo porque temos que pagar aluguel, água, luz, comida e alimentos. Neste curso, me agarrei com muita alegria e vontade de aprender.
Chance de entrar no mercado
As adolescentes Mayara de Borba Makoski, 15, e Manuela Costa Turella de Brito, 14, participam do projeto Jovem Aprendiz. Os cursos profissionalizantes são ministrados pelo Centro de Formação Profissional Murialdo (CFPM). Aluna do 1° ano do ensino médio da Escola de Ensino Médio Dr. Assis Antônio Mariani, Mayara é cotista do Centro Superior de Tecnologia. Ela mora no bairro Jardim Iracema e frequenta o curso de assistente de gestão em vendas e atendimento.
— Nossos professores possuem uma bagagem de conhecimento e tentam ao máximo transmitir para nós. Aprendemos sobre assuntos que irão nos acompanhar na nossa trajetória de vida — conta a adolescente, que deseja ser cantora no futuro.
Manuela mora no bairro Santa Catarina e é bolsista da empresa Hyva do Brasil Hidráulica. Ela define o curso de assistente administrativo com competências para estoque, do programa Jovem Aprendiz, como a chance de trabalhar para ter uma carreira. A estudante cursa o 9° ano da Escola Estatual de Ensino Médio Evaristo de Antoni.
— Essa oportunidade significa muito pra mim pois vou ter a chance de ter uma carreira, um futuro melhor, uma vida que meus pais não conseguiram ter — conta a jovem que deseja cursar Direito assim que sair da escola.
A importância de ensinar
Formada em Gastronomia, Gleice Bueno Indicatti é responsável por compartilhar a arte de produzir todos os formatos de pão a quem cursa panificação na Anjos Voluntários. A intenção do curso, segundo ela, é que os alunos foquem em criar o próprio negócio e também invistam na produção de alimentos mais saudáveis e nutritivos.
— Eu sou muito apaixonada por pães desde criança e poder passar tudo isso para frente é maravilhoso. No curso eles desenvolvem habilidades e entendem técnicas, tendências e novos modelos do futuro e também incrementam o que já fazem em casa — afirma Gleice.
Mestra em Turismo e Hospitalidade, com MBA em sommelier e formada em Gastronomia, Vanessa Pacheco de Andrade também divide conhecimento com alunos na Anjos Voluntários:
— É algo novo para mim, me sinto desafiada. O perfil dos alunos é formado por pessoas humildes e simples. São pequenas coisas que damos em aula, um toque, uma receita, e elas ficam muito felizes. A gratidão é muito maior e traz uma reflexão e valoriza meu trabalho — destaca.
As entidades
A presidente da Anjos Voluntários, Isamar Damin Ordovás Sartori ressalta que a iniciativa de construir uma padaria na entidade surgiu após uma pesquisa que mostrava a falta de mão de obra nessa área na cidade. O projeto saiu do papel com recursos de uma emenda parlamentar do então deputado federal Pepe Vargas (PT). Desde então, começaram os cursos em parcerias com o poder público e com recursos provenientes de eventos. Em 2023, sem verba, a entidade fez um projeto que foi aprovado pelo banco Santander. O dinheiro é usado para pagamento dos profissionais e dos produtos usados nas aulas, que são voltadas para adultos. A Anjos também disponibiliza, nesse ano, aulas de administração, empreendedorismo e nutrição:
— Falta muita mão de obra e os salários são bons nessas áreas. Com isso tivemos a preocupação de capacitar mais gente e, felizmente, a iniciativa tem sido valorizada por quem está cursando. Todos estão animados com a ideia de empreender ou de encontrar trabalho, já que muitos locais estão só esperando o curso encerrar para absorver os alunos — afirma a presidente.
A Coordenadora do Centro de Formação Profissional Murialdo (CFPM) Cheila Maria da Silva ressalta que os cursos profissionalizantes têm um compromisso com a sociedade. Ela aponta que, além de contribuir para o desenvolvimento de competências necessárias para desempenhar atividades profissionais, contribuem para que os adolescentes estejam aptos a planejar, enfrentar e superar as adversidades impostas pela transição para a vida adulta.
A coordenadora acrescenta ainda que o programa proporciona aos adolescentes e jovens o registro em carteira de trabalho por tempo determinado e o recebimento de meio salário mínimo e vale transporte. A contrapartida do aprendiz é a obrigatoriedade de permanecer na escola regular e no curso de aprendizagem.
— Tenho a convicção de que o programa oferece a estes jovens uma nova perspectiva de vida. Iniciativas baseadas na educação permanente e significativa contribuem para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Para muitos destes jovens é o primeiro acesso a um curso de qualificação profissional, de adquirir novos hábitos e o primeiro passo para a construção uma nova história —ressalta Cheila.
Para participar do processo seletivo do CFPM é necessário ter renda de meio salário mínimo per capta, estar cursando no mínimo o 8° ano do ensino fundamental em escola da rede pública de ensino ou ser bolsista 100% em escola particular, com idade entre 15 a 17 anos.