Com o encerramento do convênio com o governo do Estado, em março, a Pastoral de Apoio ao Toxicômano Nova Aurora (Patna) de Caxias do Sul teme pela continuidade do atendimento prestado. No último dia 28, a entidade foi avisada por e-mail que "o Departamento de Saúde Mental, no momento, não vislumbra a abertura de novo edital para credenciamento de Comunidades Terapêuticas". Diante disso, a Patna busca alternativas para seguir atendendo na sede e na casa terapêutica no interior do município.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) comprava 15 vagas para o atendimento de dependentes químicos encaminhados de cidades da Serra para acompanhamento e recuperação na casa terapêutica. O Estado seguirá custeando o tratamento desses pacientes internados até que eles recebam alta, porém não irá renovar o convênio. Por meio de nota, a assessoria da SES afirma que o "contrato com a Patna, de Caxias do Sul, se encerrou em 23/03/23, tendo atingido o prazo máximo de contratualização de 60 meses, não havendo mais possibilidade legal de renovação." (íntegra abaixo).
— Nós encaminhamos toda a documentação para a renovação e recebemos resposta dizendo que não vão renovar mais. Temos hoje internados por conta do Estado 15. No momento em que um sair, não poderemos substituir — desabafa Maria de Lurdes Fontana Grison, a Lurdinha, uma das fundadoras e voluntária da Patna.
A entidade esperava a abertura de um novo edital ou de renovação, já que o serviço prestado é continuado. Além do encerramento do convênio, o repasse de R$ 1 mil para cada um dos 15 acolhidos está atrasado há dois meses, segundo a entidade. A informação é contestada pela SES, que afirma que "os pagamentos aos prestadores têm ocorrido de forma regular, sem atrasos." Conforme Lurdinha, a entidade recebeu o pagamento referente ao mês de janeiro somente no começo de março, sendo que os dois últimos meses não foram pagos. Ela ressalta ainda que desde que o contrato foi firmado, o valor foi sempre o mesmo, sem reajustes, sendo que o custo para manter um abrigo é superior a essa quantia.
O presidente da Patna, Darci Junior Nunes, demonstra preocupação com o encerramento do convênio. Ele ressalta que os repasses geralmente eram em atraso, mas antes a entidade tinha a perspectiva de continuidade do trabalho, porque esse valor iria chegar até a Patna.
— Isso compromete o nosso trabalho e vai repercutir na sociedade com mais violência, mais desestruturação familiar, porque nós não vamos ter condições de acolher e essa pessoa vai voltar para a rua, vai continuar usando droga, vai continuar desestruturando e manipulando, e fazendo a família sofrer. Essa é a realidade, porque o nosso trabalho não é somente o dependente químico — explica.
O orçamento necessário para manter a entidade é de cerca de R$ 45 mil a 50 mil por mês. Além da sede na Rua Pinheiro Machado, a Patna mantém a comunidade terapêutica no interior de Caxias. Chamada de Fazenda, a estrutura conta com casa de acolhimento, cozinha, casa administrativa, CT de adolescentes, CT de adultos, piscina, capela e um sacrário. Cinquenta pessoas estão envolvidas no trabalho de recuperação, sendo 15 remuneradas e, as demais, voluntárias. O serviço funciona 24 horas por dia, de domingo a domingo, e a entidade precisa de psicólogos, assistentes sociais e monitores, que trabalham diretamente na comunidade.
Lurdinha acrescenta que a Patna tem a modalidade de boletos para doações para quem quiser contribuir, mas ressalta que esse valor não chega a R$ 2 mil por mês. A entidade também tem um bazar na Rua Pinheiro Machado, na área central, que abre de segunda a quinta-feira, todas as tardes.
— Todos os meses fazemos eventos, rifas, almoços e jantares. Vendemos pé de moleque, pão, nos mobilizamos, não ficamos parados. Estamos sempre pedindo e atuando em todas as frentes, mas não é o suficiente. Caxias é um cidade solidária, mas há diversas entidades, e são essas entidades que fazem o trabalho que o poder público não faz e que também não ajuda a fazer — lamenta.
Governo federal também atrasa repasses
A Patna também tem convênio com o governo federal, que compra 21 vagas na casa terapêutica e repassa R$ 1,1 mil para cada abrigado. No entanto, esse repasse também está atrasado:
— Do governo federal estamos com atraso de três meses no repasse de recursos. Por hora, acreditamos que vai ser renovado, que deveria ser no mês que vem. Não recebemos nenhum comunicado que não seria renovado, mas até agora só recebemos o repasse de dezembro de 2022 — destaca Lurdinha.
A Patna procurou a prefeitura em 2022 para pedir ajuda. Não há repasses do município, que só auxilia na doação de alimentos que são arrecadados pelo Banco de Alimentos e doados pela comunidade.
— Fomos conversar e pedir se o município não poderia comprar ao menos cinco vagas e repassar esses recursos para auxiliar a manter a entidade. Até agora não tivemos resposta, nem positiva, nem negativa, mas não incluíram a Patna no orçamento para este ano. Somos uma entidade de mais de 40 anos e não podemos manter a casa terapêutica apenas com voluntários — explica ela.
A reportagem contatou a assessoria de imprensa do Ministério da Cidadania na manhã de terça-feira (4), mas até o momento não obteve retorno sobre o assunto.
Risco até de fechar as portas
A Fazenda tem capacidade para acolher até 42 homens, e em algumas ocasiões, a entidade já providenciou adaptações para abrigar mais pacientes. Como a Patna é uma entidade filantrópica, apenas as vagas compradas são pagas e, nos demais casos, o atendimento é gratuito. O custo com a folha de pagamento é de cerca de R$ 30 mil. Todos os meses, a Patna precisava realizar ações para arrecadar cerca de R$ 15 mil para fechar o orçamento. Com a decisão do Estado, agora seria preciso levantar de R$ 25 mil a 30 mil. Só com alimentação o custo gira em torno de R$ 12 mil, com três refeições diárias e mais lanches para os abrigados.
O presidente demonstra preocupação com a continuidade do trabalho e com a possibilidade de o governo federal não manter o convênio. Nunes ressalta que a entidade tem conversado com empresários e organizou, na última terça-feira (4), uma visita do presidente da Câmara de Vereadores, Zé Dambrós, até a fazenda para sensibilizar o poder público:
— A gente acolhe, mas nós precisamos que o poder público faça a parte dele, de nos direcionar recursos, porque não é só de boa vontade, não é só de querer ajudar ou da parte do acolhido, de precisar e aceitar a ajuda para reverter esse quadro. O acolhido precisa de arroz e feijão, de uma estrutura que o acolha e de condições dignas de moradia. A nossa prioridade é o ser humano, então estamos preocupados, estamos trazendo para a sociedade essa preocupação e contamos com o poder público e com a sociedade para que a gente continue prestando esse serviço que é feito com todo o coração.
Nunes explica que pena em alternativas para reduzir o impacto financeiro:
— Conseguimos nos manter com doações e campanhas com empresários locais e familiares, mas se não tiver um retorno do poder público e recursos a curto prazo vamos ter que diminuir o número de acolhidos.
Acolhidos e familiares destacam a importância do serviço prestado
"Essa casa me acolheu, eu não tive custo. A Patna em si é uma bênção para todos que têm problema com dependência química. Não tem o que pague o que eu ganhei aqui. Quando eu cheguei na rodoviária (de Caxias), a dona Lurdinha — nunca tinha me visto na vida, eu também não tinha visto ela, só sabia que eu tinha que procurar ela — disse 'sabe onde é?' e eu disse 'não' e ela respondeu 'pega um táxi a cobrar e vem' e me deu o endereço. Eu acredito que esse relato que estou dando agora prova o que que é a Patna, independente de gestão." — Ricardo Garcia
"Eles dividiram isso (a crise financeira) conosco desde que começou. Já vão fazer sete meses que a gente está vindo aqui na Patna, desde o dia 19 de julho de 2022. É um ambiente onde nós, familiares, praticamente não temos custo nenhum, todos os custos são com eles e tem uma série de famílias que se beneficiam. É uma luz no fim do túnel. Quando chega aqui e vê o trabalho deles, vê o quanto é importante para nós. Por isso, quando a gente ficou sabendo dessa dificuldade financeira, os próprios familiares se mobilizaram para fazer doação de alimentos. Se fecha uma instituição como essa, eu vou te dizer, é um buraco que se abre no meio da sociedade de Caxias, porque só quem está aqui dentro para entender a importância da Patna. Eu não consigo nem imaginar isso aqui fechado, porque eu sei da minha dor e das dores das pessoas que estão aqui e de quantos ainda vão vir para cá e precisar dessa ajuda." — Cristiano Lemos Teixeira
"Eles estão pedindo bastante doações e ajuda e nós estamos fazendo o que podemos. Eles passaram para nós a crise, sim, que não estão sendo repassados os valores e eles estão pedindo muita ajuda para nós. Eu trouxe meu filho aqui, já sabia que a Patna existia há muito tempo e, num momento muito difícil da nossa vida, fui muito bem acolhida, ele também foi muito bem acolhido, foi um momento muito difícil, ele tinha entrado até em surto, eles chamaram o resgate e eu não tenho palavras para agradecer. Acho de fundamental importância isso aqui. Tem muita gente que precisa daqui, não pode fechar de nenhum jeito. Se fechar, para onde a gente vai? Para quem a gente vai recorrer? É muito triste." — familiar que preferiu não se identificar
Contrapontos
O que diz, em nota, a Secretaria Estadual de Saúde:
"O contrato com a CT Patna, de Caxias do Sul, se encerrou em 23/03/23, tendo atingido o prazo máximo de contratualização de 60 meses, não havendo mais possibilidade legal de renovação. O Estado do RS mantém 500 vagas contratualizadas em outras instituições, além das cerca de 2.000 vagas contratualizadas via Senapred. Além das comunidades terapêuticas, da Rede de Atenção Psicossocial conta com outros dispositivos de atenção aos usuários de álcool e outras drogas, como os Centros de Atenção Psicossocial e as Unidades de Acolhimento. Os pagamentos aos prestadores têm ocorrido de forma regular, sem atrasos."
O que diz a Secretaria Municipal de Saúde de Caxias:
"A Secretaria Municipal da Saúde não tem gerência sobre a regulação nem sobre a aquisição de vagas em comunidades terapêuticas. Atualmente, a regulação das vagas é feita pelo Estado, no âmbito da Saúde, mas essas vagas estão migrando para a Política Nacional de Assistência Social. A participação da SMS se dá no encaminhamento de pacientes que manifestam interesse em ingressar nesses serviços. O Município não dispõe, no momento, de recursos financeiros próprios para investir na compra de vagas para comunidades terapêuticas, mas oferta atendimentos, via Rede de Atenção Psicossocial, em serviços substitutivos, por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)."
Como ajudar
:: Você pode ser um voluntário ou doar dinheiro.
:: Para ser voluntário, preencha um cadastro no site patna.com.br e aguarde retorno.
:: Para doar qualquer valor, faça um depósito no banco Banrisul, agência 0606, conta 06.001303.3-7 e coloque como favorecido o CNPJ 00065945/0001-91. É possível fazer doação por meio do site da Patna ou por Pix. O Pix é o CNPJ.