Há 25 anos, a Pastoral de Apoio ao Toxicômano Nova Aurora (Patna) abria oficialmente as portas em Caxias do Sul para abraçar uma causa vista por muitos como insuperável. Ao acolher e encaminhar exatos 6.271 dependentes químicos para tratamento, a instituição conquistou a admiração de diversos setores. Acrescente na conta o triplo de familiares atendidos por meio de palestras e orientações. Apesar do respaldo, a Patna ainda luta para manter a própria saúde financeira.
A caminhada de dificuldades e vitórias vem sendo lembrada ao longo dos últimos meses de acordo com o DNA da instituição: com campanhas, ações beneficentes e sensibilização na comunidade. Na ata da assembleia que fundou o serviço, consta que a Patna nasceu no dia 7 de dezembro de 1993, por isso este sábado é o dia de soprar velas. A instituição só conseguiu alavancar oficialmente no ano seguinte, o que faz a direção considerar o efetivo trabalho a partir de 1994, o que corresponde a um quarto de século ininterrupto de atividades.
Essa trajetória tem muitos pais e mães, mas algumas mulheres foram essenciais para o surgimento e manutenção da Patna, caso das voluntárias Sandra Gazzola, Maria de Lurdes Fontana Grison, a Lurdinha, e Lóris Magalhães. O interesse do trio e de outras senhoras, muitas de famílias abastadas, deu a importância devida a uma difícil tarefa de resgatar e prevenir. O grupo principal permanece até hoje ligado à iniciativa.
Sandra, Lurdinha e Lóris começaram a prevenção das drogas e álcool entre a população no final dos anos 1980. Terezinha Pretto Serafini organizou um bingo beneficente e direcionou o dinheiro arrecadado para o projeto Nova Aurora, verba que serviu para alugar uma sala na Rua Sinimbu, onde foi implantada a Cruz Vermelha, tempo em que maconha, cocaína e drogas sintéticas reinavam na cidade.
Uma ação desenvolvida pela então Pastoral de Auxílio Comunitário ao Toxicômano (Pacto), em Porto Alegre, inspirou as caxienses a implantar uma filosofia semelhante na cidade e mudar os rumos. Na época, a Pacto utilizava os princípios do Amor Exigente, algo inovador na abordagem às drogas. Trata-se de um método de auto e mútua ajuda que tem como regra 12 princípios básicos, 12 princípios éticos, espiritualidade pluralista e responsabilidade social.
— Queríamos um trabalho com espiritualidade porque somos católicas. A Pacto nos deu essa abertura, e a Cruz Vermelha tem princípios laicos. Daí recomeçamos do zero — lembra Lurdinha.
No caminho, o grupo encontrou a professora Nadyr Zatta, hoje com 86 anos, e que enfrentava problemas por causa de um filho dependente químico. Nadyr foi responsável pela implantação de um grupo do Amor Exigente em Caxias do Sul e esse detalhe aproximou ela das demais voluntárias. Ela ainda é uma das palestrantes da Patna.
— Eu dizia: sou trabalhadora, boa mãe, por que aconteceu comigo? Me disseram que eu precisava mudar. Quando a droga entra na família e a família não participa, com certeza não vai conseguir vencer. A Patna fundiu-se com o Amor Exigente — lembra a professora, que hoje sente-se feliz por ver o filho longe das drogas.
Discriminação e o advento do crack
A primeira sede da Patna foi uma sala cedida na frente do Colégio São Carlos. Tempos depois, o grupo alugou uma casa na Rua Cremona e, por fim, conquistou o prédio atual na Rua Pinheiro Machado, ao lado da Casa Madre Teresa. O espaço foi cedido pela Diocese de Caxias do Sul, que havia recebido o local por meio de uma doação de Leontina Salton Backendorf. O atendimento foi crescendo e a direção percebeu que não bastava apenas realizar encontros, era necessário tratar os dependentes químicos. Assim surgiu a Comunidade Terapêutica em área doada pela família Rizzo no Travessão Santa Tereza, interior de Caxias, que se somaria a outras comunidades mantidas por instituições como o Centro Vita e o Desafio Jovem na guerra contra as drogas.
Embora a participação da sociedade tenha sido forte na história da Patna, a instituição enfrentou discriminação por oferecer um tratamento ainda hoje visto com desconfiança por outros segmentos de prevenção ao uso de entorpecentes. Ao trilhar o caminho do Amor Exigente, que une espiritualidade, mas não prega a religião, os voluntários recebem questionamentos.
— Uma pessoa sem espiritualidade está sempre na corda bamba. Nós usamos ciência e fé. A ciência foi dada por Deus para nos ajudar. O (Albert) Einstein já dizia que "a ciência sem a religião é paralítica, a religião sem a ciência é cega." Espiritualidade não é uma religião, é dar um sentido para a vida, é amar a si mesmo — pondera Lurdinha.
Outro desafio surgiu na forma de pedras feitas de resto de cocaína e produtos químicos no final da década de 1990. Até então, a recuperação de usuários de drogas chegava a 60%. Com a explosão do crack, tudo mudou. O resgate gira em torno de 20% ou 30% dos dependentes que buscam tratamento.
— Entendemos que a vida deve ser assim: os pais de joelho e os filhos de pé. Quando os familiares desistem, não há saída. Os pais deveriam vir aqui para prevenir. Não somos culpados, mas somos responsáveis — diz Lurdinha.
Atualmente, a Patna é presidida pelo empresário Euclides Sirena, que assumiu o cargo neste mês. Na sede do centro, ocorrem os encontros dos grupos de dependentes químicos e familiares, sempre nas manhãs e noite de terça-feira e tarde e noites de quinta-feira. O tratamento na comunidade terapêutica é realizado mediante encaminhamento médico.
AJUDE A PATNA
:: Assim como nos primórdios, a Patna trava uma luta diária para manter as finanças e os atendimentos. O orçamento necessário para manter a estrutura no Centro e no interior custa cerca de R$ 35 mil, desde que não ocorram imprevistos. A instituição tem cinco monitores, um assistente social e uma psicóloga na folha de pagamento, além de seis estagiários. Boa parte das atividades é desenvolvida por cerca de 40 voluntários.
:: A instituição também precisa de um poço artesiano novo na fazenda e dependerá do esforço de voluntários e doadores para viabilizar a obra. As doações são imprescindíveis.
Como apoiar
:: Você pode ser um voluntário ou doar dinheiro.
:: Para ser voluntário, preencha um cadastro no site patna.com.br e aguarde retorno.
:: Para doar qualquer valor, faça depósito em conta no Banrisul, agência 0606, conta 06.001303.3-7 e coloque como favorecido o CNPJ 00065945/0001-91. É possível fazer doação por meio do site da Patna.
"Foi onde criei o amor pela causa"
Dizem que um dependente químico não encontra a cura, apenas a recuperação. E muitas histórias de descida ao inferno e de sobrevivência foram contadas ao longo dos 25 anos da Patna. Três homens que vivenciaram o terrível vício em crack e outras substâncias são testemunhas de como a acolhida, a autocrítica e a espiritualidade são inseparáveis. Hoje, usam a triste experiência do passado para resgatar outras pessoas. Em comum, eles começaram a jornada na infância entre goles de bebida e tragadas de cigarro, erro fatal ainda estimulado por adultos.
Fábio Medeiros Redede, 42 anos, trabalha como monitor na comunidade terapêutica da Patna e decidiu sair do pesado em 2004 _ o primeiro contato com a bebida aconteceu aos sete anos, quando teve um coma alcoólico. A sensação de invisibilidade diante da família, provocada pelo uso do crack, foi um dos fatores da mudança.
— Passava por meus familiares, dava bom dia e não recebia retorno justamente pelo o que acontecia naquela época. Resolvi vir até a Patna pedir ajuda. No início, não me adaptei. Mas como vi um irmão recuperado, decidir ter aquela vida para mim. Abracei a causa de viver em recuperação. Em fevereiro, serão 16 anos sem usar. Essa vigilância é constante. Me sinto muito diferente porque não faz mais parte de mim o uso da droga — reflete Redede.
Luís Henrique dos Santos, 36, educador na Casa São Francisco, teve a primeira oportunidade de mudar aos 14 anos, mas desistiu. Temos depois, em outra cidade, disse ter despertado para uma vida nova. Retornou para a Patna, concluiu os estudos e fortaleceu a espiritualidade.
— Sou dependente químico para a vida toda, mas não é uma forma de vitimização, é no sentido de não esquecer de onde vim. A dificuldade para retomar tua vida é muito grande, tem que ser homem, porque é complicado. Tu tem de nascer novamente, reaprender e querer, mas nem todos estão dispostos a isso. Talvez estivesse morto, preso. Foi Deus que realizou milagre na minha vida, nem eu acreditava.
Para Cleiton Santin Roos, 26, monitor na Patna, a derrota do passado foi transformada em vitória.
— Foi na Patna onde criei o amor pela recuperação, pela causa, para ajudar da maneira com que foi ajudado. Foi um divisor de águas, era um guri, fiz tratamento com 18 anos, quando cheguei com uma vida desregrada e achava que ia dar certo do meu jeito. A Patna me ensinou a ter responsabilidade, a ser um profissional, ser um homem — frisa Roos.