Com 5.229 notificações registradas pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Serra (Cerest/Serra), Caxias do Sul é o município gaúcho com mais acidentes de trabalho no interior do Rio Grande do Sul. Uma pesquisa realizada com base em dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, em parceria com o Ministério Público e o Escritório da Organização Internacional aponta que a cidade da Serra fica atrás apenas de Porto Alegre, com 9,4 mil notificações.
Apesar de o número assustar, a enfermeira do Cerest/Serra, Danusa Brandão defende que o alto registro significa que as empresas adotaram a consciência de notificar agravos, acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Ainda assim, em número menor do que o real.
— Nosso nó crítico está na subnotificação das doenças relacionadas ao trabalho. Muitas situações não são registradas quando trata-se de doença — comenta Danusa.
Já o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) atende situações de acidentes graves e com perda da vida. A média, nos últimos cinco anos, é de mais de 17 acidentes fatais no município. O ano com maior registro de mortes desse tipo, de 2018 até 2022, foi em 2021, com 22 acidentes, seguido de 2019, com 20, e de 2022 que vêm em terceiro lugar, com 18; 2018 com 15; e 2020 com 13.
— Esses números envolvem empregados registrados ou não, mas todos trabalhadores remunerados. Em outras palavras, não estão computados acidentes ocorridos em atividades executadas em benefício do próprio acidentado, tipo o agricultor que faleceu em decorrência do capotamento de trator, na sua própria propriedade — explica o gerente regional do MTE, Vanius Corte.
Conforme o MTE, as atividades com maior ocorrência de acidentes de trabalho, em 2022, são indústria de transformação, comércio, reparação de veículos, construção e agricultura. A maioria das vítimas são homens (93%), enquanto mulheres representam 7%. Ainda no ano passado, a faixa etária predominante das vítimas foi de 40 a 49 (30%), seguido por até 29 anos (20%).
A dor que fica
Michel Scopel Bittencourt, 16 anos, era jovem aprendiz em uma empresa. Seu primeiro emprego. Completando três meses empregado, ele estava carregando peças de automóvel por meio de um elevador, que estava com o motor desativado. Ele usava uma corda para erguer essas peças, e foi nela que ele teria se enroscado e morrido em março de 2023. A mãe do adolescente, Élen Scopel, não esquece do momento em que a empresa foi buscá-la.
— Até chegar lá, achei que ele só tinha se machucado. Fiquei sabendo que tinha morrido quando cheguei na empresa. Foi um baque, uma coisa inesperada. Naquele dia, ele tinha pedido para eu comprar material (escolar) do Ju, era juventudista doente. Eu tinha deixado tudo em cima da cama — conta Élen.
A mãe, que também é professora, se agarrou na fé e na luta para enfrentar as dificuldades do luto. Hoje, aguarda o relatório da Polícia Civil, enquanto se compromete a ir atrás de maior segurança aos jovens que estão no primeiro emprego.
— Estou procurando forças para seguir e conseguir justiça. Embora eu não tenha raiva do pessoal da empresa, eu quero que seja resolvido dentro da Justiça para que não ocorra com outros adolescentes. A lei em si ela está corretíssima, no sentido do emprego, o jovem aprendiz ou primeiro estágio precisa estar acompanhado. Isso não estava acontecendo com o Michel — lamenta Élen.
Três casos em investigação na Polícia Civil
De acordo com o delegado titular da 1ª Delegacia de Polícia (DP) de Caxias, Vitor Carnaúba, responsável pelos casos de acidente de trabalho com morte na cidade, os três registrados em 2023 estão em fase de investigação. Carnaúba diz que o prazo de apuração é de, no mínimo, seis meses.
— Todo acidente de trabalho com morte, a gente tem um trabalho com o MTE e a perícia técnica. Depois do acidente, a gente recebe todos os dados do acidente, as regras em que aquele trabalho deveria ser feito e o laudo do IML (Instituto Médico Legal). A partir daí a gente começa a investigar o responsável de cada setor, não temos que responsabilizar a empresa, mas sim pessoa física — comenta o delegado.
Encarregado destes casos desde 2011, o titular da 1ª DP nota uma diminuição no número de acidentes com morte, mas destaca que o início de 2023 chama a atenção.
— Já fazia anos que não tinha um número elevado desses em pouco tempo.
Seminário no Dia Mundial da Segurança e da Saúde no Trabalho
O dia 28 de abril é marcado pelo Dia Mundial da Segurança e da Saúde no Trabalho há 20 anos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) instituiu a data, em 2003, em memória às vítimas de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Além disso, o mês também é de conscientização, chamado de "abril verde". Nesse dia, em Caxias, será realizado o 8º Seminário Saúde do Trabalho, no plenário da Câmara de Vereadores. O evento, realizado pelo Cerest/Serra em parceria com a Comissão de Saúde e Meio Ambiente do Legislativo, ocorre das 8h30min ao meio-dia.
O tema deste ano é "Um ambiente de trabalho seguro e saudável é um direito fundamental" e tem como público-alvo trabalhadores em geral, Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas), Serviços Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho (Sesmt) e vigilâncias em saúde do trabalhador. Inscrições podem ser feitas pelo e-mail cerestserra@caxias.rs.gov.br.
— É muito importante que trabalhadores em geral, estudantes e profissionais da área de saúde e segurança ocupacional e empresários participem de eventos como esse, pois estar atualizado sobre esses assuntos é uma forma de prevenção —, destaca o coordenador do Cerest/Serra, Jairo Luis Zanella.