Após 10 anos apenas no papel, o Colégio Militar Tiradentes tornou-se uma realidade em Caxias do Sul no final de 2021, com as primeiras atividades com alunos do Ensino Médio em maio de 2022. Na retomada, que marca o segundo ano de funcionamento, a instituição da Brigada Militar (BM) traz outra boa notícia: o número de estudantes mais do que dobrou. São 141 jovens matriculados — no ano passado, eram 63.
O colégio atende adolescentes entre 14 e 16 anos, distribuídos em três turmas de 1º ano e duas de 2º ano. O número reduzido em relação a outras escolas mostra o quanto é concorrido o ingresso na instituição, o que desperta a curiosidade sobre a rotina em que o foco também é a disciplina militar e a educação complementar das turmas. Nesta sexta-feira (3), inclusive, haverá uma aula inaugural na Câmara de Vereadores (leia mais abaixo).
Um dos pontos que chama a atenção é o envolvimento da BM, o que leva muitas famílias a sonhar em ver os filhos na escola em razão da disciplina e da credibilidade da corporação, que mantém outras unidades do Colégio Tiradentes pelo Estado. Ao contrário do que muita gente pensa, a maioria dos matriculados são de famílias da comunidade em geral e uma parte pequena são filhos de pais brigadianos.
O major Juliano do Amaral, diretor da escola em Caxias, explica essa participação da BM no dia a dia dos estudantes.
— Não seria o foco da BM ter uma escola militar, mas na constituição da polícia militar está que temos que trabalhar no policiamento primário, preventivo. E temos esse segmento para trabalharmos a prevenção. Quantos aqui vão ser lideranças comunitárias? A gente começa a ter envolvimento com a comunidade, mostrar um pouco mais o trabalho da BM, o qual não é só atender ocorrência e andar de viatura, mas trabalhar na raiz do problema.
Seleção concorrida
O ingresso no Tiradentes é por meio de concurso, cujo edital é aberto em setembro. Os alunos que concluem o Ensino Fundamental podem se inscrever e fazer a prova teórica em novembro. Quem atinge uma média de pontos, passa para os exames médicos. Na sequência, os aprovados vão para as provas físicas. No processo de seleção, os alunos participam de corridas, fazem flexões e permanecem 20 segundo suspensos em uma barra de ferro, por exemplo. A relação dos aprovados para o ano letivo seguinte geralmente é divulgada até 10 de dezembro de cada ano. Mas a exigência não fica restrita à seleção. O desempenho em sala de aula possui regras claras.
— Do ano passado para este, oito alunos reprovaram. Eles podem fazer a rematrícula uma única vez, independentemente de ser no 1°, 2° ou 3° ano. Se repetir uma segunda vez, ele não pode fazer uma segunda rematrícula — comenta o vice-diretor, o tenente Diego Monteiro.
A rematrícula, por sua vez, é automática. Basta a entrega e a atualização da documentação para as turmas de segundo e terceiro anos.
A parte pedagógica é gerida pela 4ª Coordenadoria Regional de Educação (4ª CRE) e a administração é comandada por 11 policiais da BM caxiense. O trabalho de gestão é coordenado pela supervisora pedagógica da 4ª CRE, Paula Cagliari. Os 18 professores são os mesmos da rede de ensino normal, dois deles com carga horária de 40 horas e os demais com cargas menores. A escola tem falta de três professores para completar o quadro.
— Os objetivos dos alunos é ter uma maior preparação para concursos e vestibulares nas carreiras que eles pretendem seguir. Não é obrigatório seguir carreira militar. A disciplina é o nosso foco, dentro e fora da escola — conta a soldado Aline Paim, uma das policiais que administra a escola.
Estrutura
A estrutura do Colégio Tiradentes consiste em cinco salas de aula, um laboratório de informática, um refeitório, banheiros com chuveiro e vestiário, uma quadra de esportes e outras salas para administrativo e reuniões. Os computadores da sala de informática foram doados pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT).
O major Juliano destaca que, como o ensino é de tempo integral, ou seja, os estudantes permanecem 11 horas na instituição. Para isso, é necessário oferecer conforto. Neste ano, em parceria com a comunidade, serão colocadas novas mesas no refeitório, sendo que um segundo espaço foi aberto para ampliar o atendimento nas refeições. Além disso, o prédio ganhará uma nova identidade visual.
Os soldados que atuam no Tiradentes passaram por um processo de seleção, mas não precisam ter formação específica anteriormente. No caso, eles buscam por vontade própria a formação na área pedagógica ou administrativa de ensino.
Uniforme e comportamento precisam ser impecáveis
Neste ano, no dia 16 de fevereiro, foi iniciada a "Semana Zero", uma semana de adaptação das rotinas militares e organizacional. No dia 23, os estudantes foram inseridos na parte pedagógica. O ano letivo termina no dia 14 de dezembro, seguindo calendários das demais escolas públicas.
— No meio do ano temos previsto duas semanas de férias (15 dias). Talvez essa seja um pouco diferente das demais escolas. Temos, por conta disso, uma carga horaria maior em relação a todas atividades extras no colégio — explica o major.
A chegada dos alunos ocorre às 7h. Na entrada, os estudantes são recebidos pelos administradores do colégio, fazem um cumprimento de "bom dia", que é similar à continência. Os celulares são colocados em uma caixa, que fica na administração, e os alunos não têm acesso aos aparelhos ao longo dos estudos.
Os estudantes preferencialmente devem chegar uniformizados. Porém, como o fardamento deve estar passado e limpo, podem também chegar mais cedo na escola e se vestir ali. Para os alunos do 1º ano, o uniforme consiste em calça, camiseta e jaqueta de moletom (azul marinho e detalhes em vermelho). A partir do 2º ano, os meninos devem usar fardamento, o que inclui sapato preto, calça, cinta, camisa social com camiseta branca por baixo e boina, tudo na cor azul claro.
As meninas, por sua vez, usam uma bermuda ou saia no comprimento dos joelhos. Elas têm a obrigação de ir com o cabelo em coque ou em tranças. Curiosidade: o estilo do cabelo é determinado e repassado em um informe no final do dia, em que são apontadas as diretrizes para o próximo dia de aula. Os meninos usam corte de cabelo no estilo militar e devem ter a barba sempre aparada. Esses detalhes são conferidos diariamente, na chegada das turmas. Caso o aluno não esteja de acordo com as regras, tem um período para se arrumar e voltar.
Por volta das 7h10min, todos os estudantes ficam em formação na quadra da escola para o hasteamento das bandeiras de Caxias do Sul, do Rio Grande do Sul e do Brasil, além do momento de execução do Hino Nacional. Ao final do dia, às 18h, ocorre o descerramento das bandeiras.
Os alunos ficam em formação divididos em pelotão, que são comandados pelos alunos que tiveram as três melhores pontuações no concurso, inicialmente. E o aluno 01, do primeiro concurso, comanda toda a companhia (nome dado à soma dos pelotões). Seis alunos tocam instrumentos musicais. A cada 15 dias, há uma solenidade de formatura e se troca o comando, para que todos os estudantes passem pela experiência de comando.
Em caso de formação desalinhada, por exemplo, ou outra situação fora de contexto militar durante o hino e o hasteamento da bandeira, os alunos são obrigados a fazer flexão ao comando de um policial militar. Meninos e meninas recebem o mesmo tratamento, porém, algumas atividades físicas, como no caso da flexão, as estudantes têm a possibilidade de colocar o joelho ao chão. Nas corridas, a intensidade também é menor para elas.
Às 7h25min, as turmas passam pelos armários e pegam os materiais escolares, entrando nas salas de aula. Cinco minutos depois, as professoras ingressam no local. Um aluno é responsável por apresentar o grupo para a professora e informa se naquele dia houve colegas faltantes. As faltas são justificadas apenas em caso de doença, mediante apresentação de atestado médico, assim como numa escola de ensino comum.
A grade curricular dos alunos do 2º ano tem 25 disciplinas. No caso do 1º ano, são 15. Todos possuem atividades extracurriculares da metade para o final da tarde. Nesse caso, essas atividades ocorrem por meio de parcerias com empresas e entidades.
Os alunos recebem três refeições: café, almoço e lanche da tarde. Toda a alimentação é preparada na escola por três profissionais, que seguem o cardápio da Secretaria Estadual de Educação .
Esporte e noções de primeiros socorros
A soldado Cristiani Zampieri, que auxilia na organização das atividades extracurriculares, explica que os alunos têm acesso a esportes olímpicos, artes marciais como jiu-jitsu e projetos sociais da Cruz Vermelha, como noções de primeiros socorros, além de beach tennis e finanças. Na maioria das atividades extras, os alunos vão até a instituição parceira e, após, são liberados para retornar para casa.
— São 11 atividades extras. Eles se inscrevem em algumas para não interferir no desempenho.
Os alunos participam de campeonatos com outras escolas públicas da rede estadual e também na rede Tiradentes no Estado. Nesse ano, os jogos escolares dos colégios da BM vão ocorrer em Ijuí.
Quando há alunos com dificuldades em matérias teóricas, os professores retiram um período de aula extracurricular e reforçam o estudo naquela disciplina.
Uma das últimas parcerias fechadas pelo Colégio Tiradentes foi com o ex-jogador de futebol profissional, Manoel Silva Ferreira, o Ferreirinha, que passou por times do Japão e da Bélgica , por exemplo, além de equipes brasileiras como Santos e Cascavel — se aposentou em 1992 no Juventude. Ele vai ministrar aulas de futebol aos alunos no Campo Municipal de Caxias. As aulas, de forma voluntária, serão às segundas e sextas-feiras à tarde.
— Na área profissional de educação física, tenho 33 anos. Estou muito feliz por ajudar a equipe da escola. Em 2013, ganhei o título de cidadão caxiense por trabalhos prestados à comunidade e não podemos parar, temos que valorizar este título.
O papel dos pais
A mãe da aluna Mariana Ritzel, da turma 202, é a cabeleireira Graziela Severo, presidente do Conselho de Pais e Mestres (CPM) do Colégio Tiradentes. Segundo Graziela, nos primeiros dias já é possível ver a mudança nos alunos que ingressam na instituição. Na visão dela, os jovens vivem em uma era de desvalorização do ambiente escolar.
— Chegando aqui no colégio, ela (Mariana) compreendeu que precisaria ter um posicionamento diferente, ela precisaria olhar para o futuro e que isso depende do que ela está fazendo agora.
No Tiradentes, segundo a profissional do segmento de estética, os alunos seguem o lema de um por todos e todos por um. Eles têm consciência que, para ter sucesso no futuro, precisam de disciplina em todos os momento da vida, na avaliação de Graziela. Do tratamento ao profissional que prepara a alimentação deles na escola à limpeza nos ambientes no colégio e em casa.
O interesse dela em participar do CPM surgiu após inúmeras reuniões de pais em outras escolas que a filha estudou, sem resoluções aos problemas.
— Se eu tenho uma reclamação acompanhada de uma sugestão eu falo, senão eu me calo. Eu me prontifiquei a participar do CPM, prestando um serviço a eles, então porque eu não devolver um pouco.
Saiba mais
:: Antigamente sede da Escola Dante Marcucci, o Colégio Tiradentes começou a sair do papel quando oito militares da BM começaram colocar o projeto em andamento. Em meados de abril de 2022, o Conselho Estadual de Educação permitiu o inicio do ano letivo. A própria Brigada fez a divulgação em escolas e na comunidade caxiense do modelo de ensino e da abertura do edital. O intuito na época era abrir 60 vagas, para alunos do 1º ano, filhos e dependentes de militares (policiais e bombeiros) e comunidade em geral. No total, 63 inscrições passaram pelo processo seletivo e foram acolhidas em 2022
:: Neste ano, o Colégio Tiradentes conta com 141 alunos. São três turmas de primeiro ano e duas turmas para os 54 alunos do 2º ano. Os adolescentes têm, em média, entre 14 e 16 anos. Cinco alunos frequentaram uma escola normal no 1º ano do Ensino Médio em 2022 mas, para poder ter acesso à escola da BM, fizeram o concurso e repetem o 1º ano em 2023. Para serem aprovados, assim como nas escolas estaduais de ensino comum, os alunos devem atingir média intelectual 7.
:: Dos 141 alunos atuais, 20 alunos são filhos ou dependentes de integrantes da BM ou do Corpo de Bombeiros. O restante (121 adolescentes) é de famílias da comunidade em geral. A maioria é residente em Caxias do Sul, Gramado, Canela, Bento Gonçalves, Flores da Cunha e Vacaria. Boa parte se mudou para Caxias. Os demais pegam transporte e retornam para as cidades todos os dias.
Aula simbólica na Câmara de Vereadores
Na manhã desta sexta-feira (3) ocorrerá uma aula inaugural, na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. A solenidade se inicia às 9h na frente da Câmara, os alunos irão hastear a bandeira nacional com a presença da banda do 3º GAAAE. Após, às 9h30min, no Plenário do Legislativo haverá palestras com o procurador do Estado Rafael Cândido Orozco e com a coordenadora regional da 4ª CRE, Viviani Vanessa Devalle. A ação é organizada pelos representantes do Tiradentes e do gabinete do vereador Alexandre Bortoluz.