Os mais de 300 funcionários da coleta de lixo da Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca) já sentem saudade da disposição e da criatividade daquele que, por excesso de precaução, ganhou o apelido de Sete Calças. Logo nos primeiros dias de trabalho, que viriam a se tornar quase três décadas de serviços prestados, o agora aposentado Otílio da Silva Maciel, 78 anos, passou a adotar a prática de ter sempre consigo sete mudas de roupa para o caso de molhar o uniforme.
O costume para, segundo ele, prevenir resfriado e sempre trabalhar "enxuto" o alçaram ao patamar de personagem da Codeca, um dos tantos que lá trabalham. Natural de Bom Jesus, o bem humorado Sete Calças chegou a Caxias do Sul na década de 1990, quando deixou o trabalho no campo para, nas ruas da maior cidade da Serra, recolher lixo orgânico e correr atrás do caminhão da coleta.
— Quando entrei (na empresa) chovia muito, então tirava aquela roupa molhada pra não ficar doente. Por isso que minha saúde é de metal, não tomo remédio de tipo nenhum — explicou ele.
Além da mania que faria o Sete Calças ganhar apelido e simpatia dos colegas, uma segunda prática adotada como solução por nunca ter aprendido a assobiar completou a imagem do homem resolutivo que não vê obstáculos para o trabalho. Sempre pendurado no pescoço, um apito virou ferramenta de trabalho:
— Se ele (o motorista) não parava, eu chamava no apito, meu pai me ensinou a trabalhar e não a assobiar, então fiz do apito minha arma de guerra. Vinha um carro muito corrido e eu apitava pra atravessar a rua.
Seu Sete, como todos o chamam, provavelmente terá seu nome de batismo conhecido por muitos por conta da reportagem, assim como os planos para aposentadoria:
— Vou sentir muita falta da companheirada. Mas sou muito "bailista" e lá logo sai a preocupação. A mulher nem sabe que eu vou, agora vai ficar sabendo, mas vou em bailes a semana inteira a partir de quarta-feira. No domingo vou lá no bairro Imigrante, bem longe de casa que é pra ela não descobrir — se diverte Sete Calças.
A mulher é Lurdes Fonseca Maciel, com quem ele está junto há 23 anos depois de ficar viúvo do primeiro casamento, que lhe deu quatro filhos e quatro netos. Por muito tempo, antes da própria Codeca lavar os uniformes, Lurdes foi a responsável por manter limpo o grande volume de roupas usado por Sete Calças durante a semana. Dava trabalho, ele admite, mas manter-se seco ajudava no rendimento do serviço e ainda mostrava o cuidado que o coletor tinha pelos colegas.
— Eu tinha duas capas de chuva sempre. Se no verão viesse uma chuva de repente, eu tinha uma pra emprestar pro meu companheiro. Sempre cheguei antes do horário, às 6h, tinha dias que terminava às 10h, 12h ou 12h30min, dependia da condição da rua. Sempre gostei de trabalhar cedo, dá pra se divertir à tarde — recorda.
Foi com refrigerante, salgados e doces que Seu Sete encerrou o último dia de trabalho na sexta-feira (10). E, ao discursar para os colegas, o senhor que aderiu ao Programa de Demissão Incentivada (PDI) se emocionou. E se emocionaria mais uma vez se visse a quantidade de bons relatos e lembranças que surgiram na postagem feita pela Codeca em uma rede social.
Na publicação que contava a história do apelido de Maciel, surgiram memórias carinhosas como das vezes em que ele encontrava bichinhos de pelúcia no lixo, os lavava e, no dia seguinte, deixava no portão onde crianças moravam.
"Lembro como se fosse hoje ele entregando um urso que ele achou em bom estado, depois disso meu filho sempre ficava esperando para dar um simples bom dia", escreveu uma moradora.
"Tive a honra de trabalhar um dia com o 'Sete Calças' e posso dizer sem sombra de dúvida alguma: deixava muito jovem pra trás pela sua disposição", escreveu outro.
Em 29 anos de atuação, Maciel colecionou amigos e tem na cabeça o nome dos poucos motoristas com quem trabalhou. A baixa rotatividade das equipes formadas por três pessoas, fez com que ali se formasse uma família. Um grupo que tinha na sintonia de recolher o lixo, de ter cuidado com o trânsito e acompanhar o caminhão o seu principal elo.
Entre os motoristas está o hoje gerente do departamento de limpeza urbana da Codeca, Gilvani Lima. Ele sentiu a saída do ex-colega, mas sabia que era preciso dar descanso a um corpo que foi tão bem preservado durante os anos de trabalho.
— A gente fica com o coração um pouco apertado porque o Seu Otílio sempre foi um colega muito competente e muito alegre. Quando entrei na Codeca, ele já usava o apito e era o símbolo dele. Achou uma forma de nos indicar com segurança quando ir adiante. A saudade vai ficar, foi muita honra trabalhar com ele — disse.
Ouça a entrevista no Gaúcha Hoje: