Na mitologia grega, a deusa Nêmesis é tida como defensora da justiça e da vingança divina, castigando homens que quebrassem as leis estabelecidas. Mas, por ser, também, considerada defensora do equilíbrio, ela teve o nome escolhido para denominar o projeto que tem como objetivo restabelecer o equilíbrio na rede de atendimento às vítimas de delitos registrados em Caxias do Sul. A iniciativa, que já vem sendo executada pela representação local do Ministério Público, com a parte de orientação a vítimas de processos, foi oficialmente lançada no final da manhã desta terça-feira (6), em um ato realizado na sede da Promotoria de Justiça. Além da idealizadora do projeto, promotora Alessandra Moura Bastian da Cunha, também estiveram presentes na cerimônia representantes da Polícia Civil, Poder Judiciário e da Universidade de Caxias do Sul (UCS), que são parceiros da iniciativa.
O intuito do projeto é garantir amparo a vítimas desde o momento do flagrante (e somente em casos de flagrante), até a audiência final, com acesso ao serviço de orientação e, ainda, sala de espera reservada para audiências no Fórum, com acompanhamento de estudantes de Psicologia. Até então, quando há registro de flagrante, a vítima é liberada após prestar depoimento à Polícia Civil e volta a ser ouvida somente em audiência, nos casos que ganham prosseguimento judicial.
— A ideia é oferecer atendimento logo após o flagrante, para orientação e acolhimento neste momento em que realmente surgem as dúvidas, sobre como retirar um carro que foi roubado e recuperado pela polícia, por exemplo; e também esclarecer o papel dela no ato processual — afirma a promotora.
Segundo ela, além de beneficiar a vítima, o fato dela sentir-se mais segura durante a tramitação pode colaborar com uma melhor participação enquanto meio de prova, o que favorece o trabalho do Poder Judiciário. Além disso, Alessandra entende que a experiência do projeto irá subsidiar a implantação de serviços ou melhoria daqueles que já integram a rede de atendimento às vítimas de delitos na cidade.
A previsão era de que o lançamento ocorresse no final de setembro, mas foi adiado em função de agenda, em um período no qual também foram sendo alinhadas as frentes colaborativas do projeto. Segundo Alessandra, o pleno funcionamento se dará a partir de março, quando os estudantes estarão iniciando um novo semestre acadêmico. Neste meio tempo, ela não descarta a possibilidade de novas parcerias serem implementadas, até mesmo por intermédio dos órgãos que aderiram à rede.
— A experiência que estamos tendo até agora está sendo muito positiva. As pessoas têm aceitado o atendimento em mais de 90% dos casos. Somente de ANPP (Acordos de Não Persecução Penal) estamos com uma média de cinco por semana. Ainda não é exatamente o fluxo do projeto, mas tem sido bom até para eventuais ajustes, e já contribuindo com esclarecimentos para que as vítimas se sintam mais tranquilas em relação ao seguimento no processo — completa.
O Nêmesis nasce com base em uma premissa mais abrangente de atenção a vítimas de delitos incentivada pelo Ministério Público (MP) em nível nacional e defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde meados dos anos 1980, a partir de uma resolução que prevê atenção às vítimas de crimes. Na prática, ela já se concretiza em casos de violência contra a mulher ou de violação de direitos de crianças e adolescentes.
Em fala durante o lançamento do projeto, o coordenador do Núcleo de Promoção dos Direitos das Vítimas, do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), promotor Felipe Teixeira Neto, que representou a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado, destacou que "toda vítima de crime se torna sujeito vulnerável".
— Trata-se de alguém que não escolheu estar ali, que teve um infortúnio e, por isso, merece toda a nossa atenção e preocupação. A ideia de como somos revitimizantes nos preocupa. Não é intencional. Por vezes, é falta de preparo e sensibilidade dentro das atividades que realizamos. Essa política de promoção dos direitos das vítimas nos garante tirar do papel alguns dos nossos pilares, como informação e participação, reparação e apoio, além de proteção. São ações simples, que têm grandes consequências para pessoas impactadas pela prática de um delito.
Também estiveram presentes no lançamento o delegado regional da Polícia Civil, Augusto Cavalheiro Neto; a diretora do Foro da Comarca de Caxias do Sul, juíza Joseline Pinson de Vargas; o secretário municipal de Segurança, Paulo Rosa; e a professora Raquel Furtado, que estruturou a participação da UCS no projeto por meio de uma nova disciplina que será integrada ao curso de Psicologia no próximo semestre — Laboratório de Práticas Psicológicas de Atendimento a Vítimas — ministrada por ela. A sala 5 do segundo andar do Fórum, disponibilizada para o Projeto Nêmesis, sediará as atividades.
— A disciplina será nas quartas-feiras à tarde. Em um primeiro momento, iremos conhecer o fluxo, com ambientação do local e levantamento de atividades possíveis dentro deste projeto que já foi criado pensando na questão da violência urbana e efeitos dela sobre o sujeito, como o estresse pós-trauma — afirma Raquel.
Segundo a professora, que coordenará a atividade, serão formados grupos para conversas e apresentação de material referente ao assunto na sala de espera, oferecendo à vítima o horário da quarta-feira, no qual os estudantes ficarão disponíveis para os atendimentos em psicoterapia de apoio. Em outros momentos, graduandos também poderão acompanhar as vítimas antes ou depois das audiências, conforme surgir a necessidade. Contribuindo com a comunidade, a participação da universidade também será fonte de dados para pesquisa acadêmica. Ações pontuais de capacitação para servidores da rede de atendimento às vítimas, voltadas à escuta, também estão em planejamento.
Fluxo do projeto
:: A partir do flagrante de qualquer tipo de delito registrado pela Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Caxias do Sul, as vítimas são informadas da disponibilidade de atendimento para orientação e esclarecimento de qualquer dúvida que possa ter em relação ao processo, que poderá correr a partir do fato registrado.
:: Se tiver interesse, a vítima será contatada pela Promotoria de Justiça, para agendamento de encontro presencial ou online com a promotora Alessandra. Ela também poderá manter o contato para esclarecimento de dúvidas durante o ato processual.
:: Com o processo em curso, a vítima será chamada para audiência no Fórum, em rito do Poder Judiciário e, por meio do projeto Nêmesis, contará com uma sala de espera reservada, a fim de evitar que encontre o acusado do delito, especialmente em casos de violência.
:: Nesta etapa, implementada a partir de março de 2023, a vítima terá o contato com estudantes de Psicologia da UCS, que apresentarão informações sobre possíveis sintomas desencadeados pelo trauma sofrido e se colocarão à disposição para atendimentos nas quartas-feiras à tarde.