Perceber que o filho está com problemas de aprendizado e com baixo rendimento escolar é motivo de preocupação para muitos pais e responsáveis. Ainda mais se a criança ou adolescente não consegue compreender o que é dito ou memorizar o conteúdo. Essa dificuldade pode ser um transtorno no processamento do som. Por isso, alunos da rede municipal de Caxias do Sul estão sendo avaliados, desde o mês de novembro, por meio de exames para investigar essa dificuldade.
A aferição do Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC) é feita por meio de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educação (Smed) com o Centro de Saúde Clélia Manfro, da Associação Cultural e Científica Virvi Ramos. O exame não está disponível na rede pública de saúde e custa entre R$ 300 e R$ 500 quando feito em clínicas particulares. Com a parceria, fonoaudiólogas da Smed atendem, semanalmente, estudantes encaminhados pelas escolas que vão até o Clélia Manfro para o exame, totalmente gratuito.
De acordo com a fonoaudióloga Aline Aita, o transtorno não significa que a criança tenha um problema auditivo, mas, sim, dificuldade na compreensão do que é falado. Isso ocorre, segundo ela, porque a escola é um ambiente característico de ruídos, seja da rua, dos corredores ou da própria sala de aula. Um barulho corriqueiro que pode distrair.
— Não basta a parte periférica do sistema auditivo funcionando por que eu preciso que esse som que eu escutei chegue no meu córtex auditivo, no meu cérebro e seja interpretado para que eu faça uma ação. A audição (da criança) é normal, ou pelo menos quase normal, mas a pessoa não consegue processar a informação. ela ouve, mas ela não escuta — explica.
O teste é baseado em uma série de exercícios feitos pela criança dentro de uma cabine acústica e pode levar até uma hora e meia.
— O exame do processamento é composto por vários testes. Cada um tem um objetivo e a gente consegue avaliar essas habilidades auditivas que a criança precisa ter. Nos números, por exemplo, ela precisa integrar essas informações, precisa separar, conseguir compreender, mesmo tendo um ruído — explica a fonoaudióloga Anelise Andrade, ligada à Smed e uma das responsáveis pela aplicação do teste.
A aferição do TPAC pode ser realizada apenas em crianças a partir dos sete anos de idade, faixa etária onde a compreensão do que é captado pela audição é fundamental para o processo de alfabetização, segundo a professora e coordenadora pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental Osvaldo Cruz, no bairro Nossa Senhora do Rosário.
— Essa é uma fase muito importante porque eles dependem muito da audição. O que eles ouvem eles têm que reproduzir para a escrita. Então, na medida que eles não estão ouvindo bem ou não estão processando bem as informações, isso vai prejudicar a alfabetização deles — afirma.
Giovana recebe atenção em sala de aula
A estudante Giovana da Rosa, oito anos, foi uma das primeiras crianças a realizar o exame por meio da parceria entre a prefeitura e o Virvi Ramos. Antes da pandemia, por orientação médica, a pequena foi encaminhada para realizar o exame na rede particular e foi diagnosticada com o transtorno. Havia a necessidade de seguir acompanhamento com fonoaudiólogo, mas a família precisou interromper por conta do alto custo.
Agora, Giovana pôde voltar ao tratamento, desta vez totalmente gratuito.
— Como existiu a oportunidade de fazer esse exame de maneira gratuita, a gente ficou muito feliz porque vamos saber exatamente como que está agora o processamento dela. E a partir daí ver o que a gente pode fazer para melhorar a aprendizagem — conta a dona de casa e madrasta da criança, Liliane da Rosa.
Giovana contou como foi o exame.
— Eu tive que mostrar as figurinhas, repetir os números e eu tive que ouvir o barulhinho e quando eu ouvia em um lado eu tinha que levantar a mão — descreve.
A partir do diagnóstico, o dever de casa passa a ser da escola, que avalia quais ferramentas são necessárias para auxiliar no aprendizado nas crianças.
Na escola de Giovanna, as primeiras mudanças já foram implementadas: a estudante agora está mais distante das janelas e da porta e mais próxima da professora. Tudo para que os ruídos não interfiram no aprendizado dela.
— O transtorno tem tratamento, a gente pode dizer que ele tem cura, estimulando essas habilidades que nós detectamos que estão alteradas no exame, a criança vai se desenvolver, ainda mais nessa faixa, até os sete, oito, nove anos de idade — ressalta a fonoaudióloga Anelise.
Para os pais e responsáveis, é importante ficar atento aos sinais dos filhos.
— A maioria dos pais não tem noção de que o fato do filho ser desatento em casa, tu precisar repetir várias vezes a mesma coisa e parecer que ele não ouve, pode ser uma desordem do processamento auditivo. É um assunto que precisa ser muito divulgado, muito falado, para que as pessoas possam ter esse alerta de que talvez aquilo que não seja um problema de comportamento, não seja uma birra, mas sim uma desordem do processamento auditivo — explica a fonoaudióloga Aline Aita.