Locomover-se. Do dicionário, ir de um local para outro; mover, movimentar. Uma ação que parece simples, natural e aliada ao cotidiano dos pedestres, pode se tornar desafiadora no centro de Caxias do Sul. É que no meio do caminho podem existir postes mal posicionados, desníveis, degraus e buracos nas calçadas. Sem mencionar outros acessórios, dispostos de maneira provisória nas ruas, como placas de publicidade e manequins, que agregam ainda mais dificuldade para a mobilidade urbana.
Quem tem alguma deficiência sai ainda mais prejudicado. É o caso do professor de informática Giovani França Pereira, 30 anos. Cego desde o nascimento, ele se recorda de uma ocasião, há alguns anos, quando caiu em uma rua do centro. Acompanhado de um amigo, também deficiente visual, lembra-se que, por pouco, o incidente não foi pior.
— Estava guiando ele, estávamos usando bengala, subindo a (Rua) Alfredo Chaves e tinha um buraco sem sinalização, cone, fita, nada, totalmente exposto. A queda não foi maior porque ele me segurou — recorda-se.
A professora e Técnica em Orientação e Mobilidade do Inav, Glenda Lisa Stimamiglio, lembra que há ferramentas importantes que podem ser utilizadas para auxiliar a mobilidade de pessoas com deficiência visual, como é o caso do piso tátil. Contudo, ela considera que é preciso que o os pisos sejam instalados de maneira correta, seguindo normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) 16537, para que a sinalização seja efetiva e não apenas um acessório sem funcionalidade, como ocorre em alguns trechos da área central de Caxias.
— Acessibilidade é tornar acessível. E quando a gente fala das nossas ruas vemos alguns equívocos. O piso tátil, por exemplo, é muito importante porque traz autonomia para a pessoa com deficiência visual, mas só será efetivo se for colocado de forma correta na calçada. Muitas das nossas ruas têm piso que não levam a lugar nenhum — observa Glenda.
A professora do Inav aponta, entretanto, que tornar as ruas acessíveis vai além da construção de calçadas com o piso adequado para as pessoas com deficiência visual.
— Brinco que o piso tátil não é a salvação da lavoura. Precisamos também de calçadas bem estruturadas, planejadas, obras sinalizadas de forma inteligente para que a bengala sinta os obstáculos e não ocorra nenhum acidente. Gostaria de salientar que a acessibilidade atitudinal é importante, saber guiar a pessoa com deficiência visual da forma correta é também uma forma de contribuir para um trânsito inclusivo. E é simples: basta a pessoa com deficiência visual segurar na altura do cotovelo da pessoa que enxerga. A pessoa que enxerga fica a meio passo à frente e, desta forma, a pessoa cega ou com baixa visão irá sentir os movimentos e atravessará as ruas de forma segura — orienta Glenda.
Responsabilidade por consertos é dos proprietários
A lei municipal de Caxias estabelece que “os proprietários de terrenos, edificados ou não, em logradouros que possuam meio-fio, são obrigados a executar a pavimentação do passeio fronteiro aos seus imóveis e a mantê-los em bom estado de conservação e limpeza”. Portanto, a responsabilidade sobre as calçadas, de maneira geral, é do proprietário do terreno. O secretário municipal do Urbanismo, João Uez, pondera que, em casos de manutenção realizada por autarquias ou secretarias municipais, a regra muda:
— Se o poder público fez a intervenção, seja a Secretaria de Obras, a Secretaria de Trânsito, o Samae, a manutenção é de responsabilidade do município. Mas quando não foi o município que ocasionou (o dano), é responsabilidade do proprietário — explica Uez.
Situações envolvendo calçadas deterioradas ou passeio público sem pavimentação podem ser informadas pelo Alô Caxias, no número 156. A denúncia pode ser anônima. Após, o relato é enviado à fiscalização da Secretaria do Urbanismo, que vai até o local e faz o levantamento fotográfico. Uma notificação é encaminhada ao proprietário.
— Normalmente, é dado prazo de 30 dias, e o proprietário pode solicitar mais um prazo. Caso ele não venha fazer, o município faz a multa. E ele não fazendo e não pagando, gera multa em dobro — diz o titular da pasta, acrescentando que estima que o Alô Caxias receba 20 pedidos semanais sobre o assunto.
Sobre o posicionamento das barracas dos vendedores ambulantes na Dr. Montaury, o secretário avalia que as demarcações foram feitas com certa distância do piso tátil. Contudo, entende que alguns vendedores deslocam a estrutura. Ele diz que está sendo feito trabalho de conscientização e diálogo para o afastamento, sem prejuízos para quem usa o piso tátil.
— O principal líder deles não está no país, então é difícil com relação à questão da língua, da comunicação. Mas temos uma equipe que vem fazendo um trabalho quase diário com eles — diz João Uez.
Buracos completam aniversário
No Dia do Pedestre do ano passado, o projeto Vivacidade colou adesivos em formato de curativo em 10 ruas de Caxias. As colagens carregavam a frase “Cuide do pedestre cuidando da sua calçada”. A reportagem revisitou, na última quarta, cinco dos locais. Três foram consertados e dois permaneciam com os mesmos danos. A presidente do Vivacidade, Madeline Juber, diz que neste ano não haverá ação, mas que a equipe irá resgatar a última atividade, fazendo um antes e depois.
Na Rua Treze de Maio, entre a Sinimbu e a Avenida Júlio de Castilhos, o buraco constatado em 2021 não foi localizado pela reportagem. Já na Avenida Rio Branco, entre as ruas Dr. Protásio Alves e Miguel Muratore, o buraco foi consertado. Contudo, o trecho apresenta outras pedras soltas. Na Rua Dr. Montaury, entre as ruas Flores da Cunha e São João, o problema também foi solucionado. Por outro lado, os buracos permaneciam na Rua Ernesto Alves, quase na entrada da rodoviária e na Matteo Gianella, próximo à Igreja do bairro Santa Catarina – local onde a calçada está bem danificada, apresentando pedras soltas e dificuldade para a passagem.
Contraponto
Sobre os postes posicionados no meio da calçada, a Rio Grande Energia (RGE) diz que o poder público ou até mesmo os moradores e comerciantes podem fazer a solicitação de deslocamento das estruturas. A partir do pedido, a empresa realiza orçamento, planejamento e projeto técnico, para a execução dessa obra.