O câncer infanto-juvenil é considerado a primeira causa de mortes entre pessoas de zero a 19 anos no Brasil. Por isso, é preciso falar sobre o assunto para acender um alerta: o diagnóstico precoce. As chances de cura podem chegar a 60% em crianças e adolescentes, se a doença for descoberta no início. Por isso, o pedido de especialistas é que os pais desconfiem de qualquer comportamento ou sintoma anormal. Para mostrar a importância de ficar atento aos sinais, é que foi lançada a campanha nacional de conscientização sobre a doença no começo deste mês. A forma lúdica de abordar o tema é também uma tentativa de romper o preconceito e a negação existentes em torno do câncer em crianças e adolescentes.
— Nós resolvemos desmistificar essa palavra câncer, porque as pessoas têm um preconceito muito grande com ela. Ela significa morte, mas o câncer infanto-juvenil é absolutamente curável — disse Rocco Fransesco Donadio, vice-presidente das Instituições de Apoio à Criança e ao Adolescente com Câncer.
Em Caxias do Sul, Ágatha Mohr, cinco anos, faz tratamento contra a leucemia há quase dois anos. A família suspeitou que algo estava errado quando a pequena começou a ter manchas escuras pelo corpo.
— No começo, quando ela apareceu com esses hematomas, não dei muita importância, porque como é criança, sempre vivem se batendo... aí, começou que cada dia ela tinha mais. Uma noite, ela foi dormir, eu pensei em contar as que ela tinha. No outro dia de manhã, ela acordou com sete a mais. Foi o que me chamou atenção, porque dormindo não tinha como ter se batido tanto. Foi o que me chamou atenção que eu fui atrás de recursos — contou Michele Mohr, mãe da Ágatha.
O diagnóstico precoce foi fundamental para o tratamento. A oncologista pediatra, Kárita Naves, indica alguns sinais que devem ser observados:
— Cansaço, uma criança que não quer brincar, que não quer caminhar, uma dor que limita a atividade da criança, roxo no corpo, alteração de desenvolvimento... uma criança que caminha, não vai parar de caminhar. Não é normal que isso aconteça. Isso precisa ser investigado. Ínguas pelo copor, febre por mais de uma semana... nem sempre o primeiro exame vai dar alterado, mas é importante que a família tenha esse olhar crítico e que continue a investigação.
A dona de casa, Tatiane de Oliveira Klein, desconfiou de uma dor que o filho Arthur, oito anos, reclamava que tinha no joelho. Ela conta que tinha dias que ele mal conseguia andar.
— Nunca tinha escutado nada sobre essa doença, nem sabia que existia. Quando eu levei ele no médico a primeira vez, o médico me disse que era dor do crescimento. Quando eu questionei dor do crescimento numa perna só? Ele disse que era normal, que às vezes dava numa perna só — relatou a mãe.
A família não ficou satisfeita com o diagnóstico e insistiu até descobrir o que realmente estava provocando a dor. Entre os primeiros sintomas e o diagnóstico de câncer no joelho foram seis meses.
— Foi aí que o pai dele disse não, não dá mais, vamos fazer um raio x particular para ver... e no primeiro raio x que fez, já apareceu — lembrou Tatiane.
O Arthur teve que amputar a perna direita. Fez a última quimioterapia na semana passada, depois de 14 sessões.
— Foi difícil, porquê? Porque eu não sabia o que ia acontecer.. eu pensava muita coisa, muita coisa ruim, daí, depois, eu me acostumei, fui me acostumando. Todo mundo foi me dando força, eu segui em frente. Fui, fui, fui até acabar — contou o menino.
O diagnóstico do câncer infanto-juvenil é um processo muito complexo e cheio de variáveis, segundo especialistas. Isso porque diferentemente do adulto, raramente na criança a doença é detectada devido a fatores externos.
A origem costuma ser embrionária, ou seja, está nas células responsáveis pela formação dos diversos tecidos do bebê, ainda dentro do útero da mãe.
— Os fatores genéticos da criança são mais dominantes do que o adulto. A criança não fumou, não se expôs a vários fatores de risco, que é o que acontece com os adultos. Mas os tumores de criança, cerca de 10% deles têm a história da família. Então, não precisa ter alguém na família com câncer infantil. Não é câncer de adulto, um câncer de mama, de próstata, são tumores diferentes — explica a oncologista pediatra.
Segundo ela, enquanto um adulto demora 10 anos para ser diagnosticado, porque não tinha sintoma de fato, uma criança demora semanas, às vezes dias, porque é um tumor que cresce muito rápido. Alguns tumores dobram de tamanho em 24 horas. Mas é nessa célula que está se multiplicando que o medicamento age. Daí, a resposta da medicação ser muito melhor nas crianças do que nos adultos.
Hospital Geral é referência na região
O Hospital Geral (HG), por meio da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon), é referência para 49 municípios da região. Crianças e adolescentes de várias cidades fazem o tratamento contra o câncer em Caxias, pelo SUS. Uma casa da Associação de Amparo à Criança e ao Adolescente com Câncer da Serra Gaúcha (Domus) acolhe, alimenta e ajuda quem precisa vir para a cidade e não tem onde ficar.
Nicole Nascimento descobriu uma leucemia há cerca de um mês. Ela é de Antônio Prado e, às vezes, precisa ficar uma semana na cidade. Com todos os desafios que a doença impõe, o deslocamento é uma preocupação a menos para ela e mãe. A Nicole recém começou a batalha contra o câncer, mas o diagnóstico não abalou a confiança que a adolescente tem de viver um futuro cheio de planos.
— Eu vou conseguir vencer a leucemia — disse a adolescente de 13 anos.