Duas pessoas foram condenadas por estelionato em um caso de desvio de dinheiro no Hospital do Círculo, em Caxias do Sul. O esquema envolveria pagamentos irregulares por contratos para obtenção da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas). O certificado é emitido pelo Ministério da Saúde a entidades beneficentes de assistência social para prestação de serviços nas áreas da educação, saúde ou assistência. O selo garante isenção de impostos.
Conforme a sentença dada semana passada pelo juiz Rafael Farinatti Aymone, da 5ª Vara Federal de Caxias do Sul, um dirigente do Círculo e um advogado contratado por ele teriam desviado recursos do hospital, em meio às ações para renovação do Cebas. O processo judicial é consequência de uma auditoria realizada pela Receita Federal em 2019, que incluiu busca e apreensão de documentos no hospital e em imóveis dos seus dirigentes.
A auditoria da Receita partiu do princípio de que poderiam ter sido forjados documentos para obtenção do Cebas. A Justiça Federal concluiu que isso não ocorreu, mas que a contratação do escritório de advocacia para conseguir o certificado envolveu desvios de dinheiro do hospital.
Conforme a acusação, Roberto Domingos Toigo, quando atuava como superintendente do Círculo Operário, teria desviado parte do dinheiro pago pelos contratos advocatícios para conseguir o Cebas e a adesão do hospital ao Prosus (programa de fortalecimento de entidades filantrópicas que atuam na área da Saúde do Ministério da Saúde). Ele teria contratado o escritório do advogado Fábio Adriano Kinsel para conseguir o certificado e ajuda do SUS. O advogado receberia 10% da cota de isenção da contribuição patronal previdenciária alcançada mediante a manutenção do Cebas.
Só que grande parte do dinheiro teria sido devolvido por Kinsel a Toigo, em sacolas e em espécie, sem que os conselheiros do Círculo soubessem. Conforme o juiz, "Toigo e Kinsel simularam contratos de prestação de serviços no intuito de desviar valores da entidade em seu favor".
A Justiça Federal considerou que os conselheiros do hospital jamais ficaram sabendo que o valor real do contrato com o escritório de Kinsel era menor que o estipulado em documentos e que, na realidade, grande parte do dinheiro era devolvida ao superintendente. "Ficou configurada vantagem indevida, em prejuízo da instituição", assinala a sentença judicial.
O advogado Kinsel teria feito viagens a Caxias para devolver parte dos honorários recebidos a Toigo. Em outros casos, assessores do superintendente teriam ido a Porto Alegre para receber o dinheiro. Teriam sido devolvidos pelo advogado ao superintendente R$ 1,9 milhão referentes aos contratos, em repasses mensais de R$ 70 mil, durante 28 meses, segundo a sentença.
O juiz Rafael Farinatti Aymone condenou os dois réus por estelionato. Roberto Toigo recebeu pena de quatro anos e nove meses de reclusão, a serem cumpridos em regime semiaberto. E Fábio Kinsel, de três anos e quatro meses de reclusão, a serem cumpridos em regime aberto.
A sentença estabelece ainda que os dois devem reparar o dano causado. Então foram arrestados bens no valor de R$ 5 milhões, relativos a Roberto Toigo, e de R$ 2,2 milhões relativos a Fábio Kinsel. Cabe recurso contra a decisão em primeira instância.
Contrapontos
O que diz o Círculo Operário Caxiense
O advogado contratado pelo hospital para apurar os desvios, Lúcio de Constantino, prefere não se manifestar.
O que diz Roberto Domingos Toigo
Não quis se manifestar. A defesa de Toigo, representada pelo advogado Paulo Fayet, informou à reportagem que vai apelar da sentença ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
O que diz Fábio Kinsel
"Concordo com a absolvição porque não houve nenhum tipo de fraude na obtenção do Cebas. Não concordo que houve lesão ou qualquer tipo de desvio de valores do hospital, porque o contrato para obtenção do Cebas foi lícito. Vamos recorrer ao Tribunal."