A prefeitura pretende buscar uma solução para um assunto que há tempos é discutido em Caxias do Sul: os pombos que vivem na cidade, especialmente na área central. No início do mês, a Associação Praça da Bandeira levou à prefeitura um abaixo-assinado com 300 assinaturas, pedindo que fossem intensificadas ações de fiscalização para combate à alimentação indevida das aves.
O pedido sublinha a demanda de parte dos frequentadores e comerciantes do entorno da praça pelo cumprimento da Lei Municipal 7.654, instituída em 2013, que proíbe a criação, manutenção e a alimentação de pombos domésticos em vias, praças, prédios e locais de acesso público na zona urbana de Caxias. Segundo a prefeitura, a notificação para este tipo de ação precisa ser feita a partir de flagrante, algo que torna desafiadora a caracterização do fato — neste ano, apenas três multas foram aplicadas.
Segundo a vice-prefeita Paula Ióris, a fiscalização encontra desafios e, em determinadas situações, precisou de apoio da Guarda Municipal e Brigada Militar tendo em vista a dificuldade de atuação. Um dos casos mais conhecidos é o de Idiati Mondin, 86 anos, moradora do Centro, que historicamente alimenta os pombos e, em 2013, chegou a ser detida por desacato após agredir um fiscal.
— A gente sabe que ela já recebeu diversas autuações e multas, pedimos formalmente ao Ministério Público uma ajuda em relação a ela. A informação que tivemos é de que ela será chamada — afirmou a vice-prefeita.
Ainda conforme Paula, tendo em vista a dificuldade de combater a alimentação fornecida indevidamente aos pombos, a prefeitura está tomando providências para garantir uma solução que seja definitiva para esta questão na cidade.
— No final do ano passado, decidimos iniciar uma ação conjunta entre órgãos da prefeitura, o Ministério Público e a população para enfrentar este problema. É um assunto histórico, com mais de 10 anos, e que não chega a uma conclusão porque, em determinado momento, sempre gera polêmica. Por isso estamos encaminhando um estudo para que a gente obtenha as informações iniciais e possa tomar providências a partir disso — completa Paula.
Segundo ela, a prefeitura está em fase de orçamentos para contratação de uma instituição de Ensino Superior que desenvolva um estudo referente às doenças que acometem os pombos e métodos de controle. O estudo também deverá mapear a quantidade de aves presentes na cidade.
Além deste encaminhamento, a prefeitura de Caxias do Sul está confeccionando novos modelos de placas orientativas a serem instaladas nos principais pontos e afirma que a fiscalização será intensificada.
Superpopulação incomoda no Centro
Não há um levantamento atualizado da quantidade de pombos que ocupam hoje a área central de Caxias do Sul. Em 2019, foram contabilizados cerca de 5 mil pombos nos locais mais ocupados: as praças da Bandeira, João Pessoa e Dante Alighieri. Uma concentração expressiva também pode ser observada, diariamente, na Avenida Júlio de Castilhos, especialmente no cruzamento com a Rua Borges de Medeiros, no Centro, onde mora dona Idiati, que, segundo moradores da região central, alimenta as aves diariamente, mais de uma vez, em diferentes pontos.
— Ela aparece, pelo menos, três vezes por dia: por volta das 9h, depois às 13h e também às 16h30min. Pode reparar que quando está chegando neste horário, as pombas já sabem e se posicionam nos fios da rede elétrica pra esperar. Quando enxergam ela, já descem para a rua. Depois ela vai para as praças também. Aqui acaba ficando cheio de penas, precisamos ficar varrendo o dia todo — afirma Eduarda Alabi, 23, que morava no mesmo prédio da idosa e trabalha como atendente em uma lancheria daquele trecho.
— Meu marido vem me trazer todos os dias e, só de estacionar por alguns segundos, já sai com o carro todo sujo. Seguidamente tem gente limpando os veículos ou mesmo sendo atingido na cabeça por fezes das pombas — completa Caliandra Alves, 24, colega de trabalho de Eduarda.
Os prédios residenciais e comerciais do entorno da Praça Dante Alighieri têm os pombos quase como uma ornamentação consolidada. Embora pouco incomodem os passantes daquela quadra, a presença deles é motivo de incômodo aos moradores.
— Tem que ter tela, se não elas entram pelas janelas e sacadas. Uma vez um apartamento que estava vazio ficou com a janela do banheiro aberta. Elas invadiram e fizeram muita sujeira — conta Elza Santos, 76, zeladora de um edifício residencial da Rua Marquês do Herval.
Dona Anita Guerra, 86, ainda lembra dos tempos em que a quantidade de pombos era menor e, por isso, a presença deles não chegava a incomodar. Natural de Erechim, a pensionista mora há 56 anos em Caxias do Sul, sendo 25 no bairro São Pelegrino. Nos passeios matinais pelas ruas da região, a Praça da Bandeira é evitada por ela e sua cuidadora, Jussara Moreira, 48.
— Tinha muito mais passarinhos e outras aves — constatou a idosa, que ocasionalmente passou pela praça no dia em que a reportagem verificava o local.
— É bem chato, não tem nem como comer alguma coisa que elas vêm para cima da gente — observou Jovana Kohls, 24, auxiliar de padaria que mora no São Vitor Cohab e aproveitava a folga da manhã com o marido no centro.
O empresário Romerito Padilha Pereira, 36, mantém uma loja no entorno da Praça da Bandeira e diz que o problema é enfrentado há anos. Ele integra a associação que entregou o abaixo-assinado à prefeitura.
— A praça acaba ficando abandonada, principalmente por conta das pombas. Há uma infestação gigante e as pessoas não conseguem frequentar. O problema vai ficando cada vez mais agravado porque as pessoas ficam alimentando indevidamente — relata.
Assunto divide opiniões
Na Praça da Bandeira, enquanto algumas pessoas se incomodam com a "inconveniência" dos pombos, com a sujeira que a presença deles acaba gerando e os riscos que podem representar à saúde, outras dizem gostar da presença das aves, mesmo em quantidade excessiva. E contrariam a legislação municipal, não concordando com a proibição do fornecimento de comida.
Há pouco mais de uma semana, em uma das verificações realizadas pela reportagem no local, uma mulher, que prefere não ser identificada, compartilhava um salgadinho com o neto e com dezenas de pombos que se acumulavam em volta deles para receber a guloseima.
— Nunca vi alguém ficar doente por causa dos pombos. Eu acho que isso não existe. Mas se estou comendo e tem farelo eu deixo para eles. Se puder dar alguma coisa, eu dou também — disse à reportagem.
O agricultor Valdemar Pereira Pinto, 62, também diz não se incomodar com as aves. Ele mora em Nova Pádua e aproveitou a passagem por Caxias do Sul para levar o neto brincar no parquinho da praça.
— Eu acho bonito, cada um tem uma opinião. A gente convive com eles na colônia também— relatou o morador.
"Levando comida as pessoas estimulam crescimento sem controle", pontua biólogo
A superpopulação de pombos em áreas urbanas não é exclusividade de Caxias do Sul e motivou, inclusive, a publicação de um "Guia de manejo e controle de pombas-domésticas (Columbia livia) em áreas urbanas", elaborado em 2018 pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde do Rio Grande do Sul. Segundo o guia, "a reprodução pode ocorrer o ano todo nos centros urbanos, dependendo da disponibilidade de alimento". Conforme a cartilha, a fêmea coloca, em média, dois ovos que eclodem entre 17 e 19 dias, podendo repetir isso de cinco a seis vezes por ano.
— Já vi ninhos com até quatro ovos. Quando se dá alimento em excesso, estimula-se a reprodução. Por mais que as pessoas queiram ajudar, acabam não tendo conhecimento de que, levando comida, estão estimulando um crescimento sem controle que pode se desdobrar em uma série de problemas, inclusive para o desenvolvimento da própria espécie — afirma o biólogo Jackson Müller, de Novo Hamburgo, que já atuou no enfrentamento de situações relacionadas à superpopulação de pombos como titular da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da cidade e também prestando consultoria para o município de Rio Grande.
Segundo ele, a caracterização de "superpopulação" depende do espaço e da capacidade dos pombos de o ocuparem por meio da reprodução. Bandos de 50 a 100 aves, conforme o especialista, já podem ser considerados problemáticos. Conforme o guia estadual, há uma série de doenças relacionadas aos pombos: por meio das fezes, fungos causadores de doenças como histoplasmose e criptococose podem ser transportados; carrapatos, ácaros e percevejos podem invadir ar-condicionados e aberturas de residências; e outras doenças podem ser transmitidas por meio de cães, gatos e roedores que eventualmente tenham contato com pombos mortos. Encefalite, salmonelose, meningite e até mesmo Influenza (H5N1) são associadas a estas aves, conforme o guia.
— Não necessariamente todas as pombas são portadoras, mas como elas se reproduzem bastante e também liberam bastante excrementos, aumentam as chances de circulação de doenças vinculadas, que podem resultar em quadros epidemiológicos sérios — afirma o biólogo.
Segundo ele, os pombos são capazes de buscar o próprio alimento na natureza e acabam sendo prejudicados pela alimentação fornecida pelos humanos, uma vez que o excesso estimula o endocruzamento (cruzamento entre uma mesma linhagem) e priva as aves da seleção natural, algo que resulta na degeneração da espécie. Conforme o biólogo, também contribui para o aumento populacional a ausência de predadores naturais nas cidades. Aves de maior porte, que costumam atacar os filhotes e pombas mais frágeis, ficam afastados e este controle natural acaba não acontecendo.
Como resolver?
O especialista afirma que o controle de população dos pombos é fundamental para que haja uma convivência saudável entre as aves e os humanos. A realocação dos animais, que já chegou a ser planejada em gestões anteriores, segundo Müller, não resolveria.
— Além da captura ser muito difícil, podendo matar muitos deles, esta não seria uma medida efetiva, já que os pombos retornariam facilmente. Eles têm esta capacidade. Não à toa existem os pombos-correio — destaca o biólogo.
O controle, segundo ele, essencialmente deve passar pela conscientização e educação da comunidade acerca da alimentação. Além disso, em situações como a que atuou em Rio Grande, com bandos de 800 a 1,2 mil aves, foram realizadas intervenções para identificação e remoção de ninhos, medida que pode apresentar resultados a longo prazo, já que as aves podem viver de três a cinco anos nas cidades, conforme o guia do Estado.
No mesmo guia, também são apresentadas soluções como as restrições de pouso, por meio de interferências em para-peitos, vãos e sacadas, por exemplo. O biólogo explica que no caso de superpopulação, a medida não é tão eficiente. A esterilização química também é apresentada pelo guia como alternativa, acompanhada pelo alerta de que pode afetar outras espécies silvestres do entorno. A captura seguida pela eutanásia não é recomendada, uma vez que diante da oferta de alimentos e abrigos, a população tende a voltar a crescer em um curto período de tempo.