Quem vivenciou a superprodução da última safra da uva, quase não acredita no que vê nos parreirais do interior de Caxias do Sul neste início de 2022. Pequenos cachos, formados por grãos murchos, estão posicionados em meio a folhas secas, castigadas pelo sol. O cenário é resultado da falta de chuva que vem trazendo enormes prejuízos para agricultores e preocupação para os moradores, principalmente, das áreas rurais do município. Ainda não há um levantamento oficial das perdas, pois os dados estão sendo coletados pela prefeitura e Emater.
Na Capela Santo Antônio, em Cerro da Glória, distante cerca de 26 quilômetros do centro de Caxias, os relatos de produtores de uva são semelhantes e dramáticos. Além da perda total ou parcial da produção de uva bordô, considerada de colheita precoce, os agricultores lidam com o medo de que a própria parreira não consiga se recuperar devido à escassez de água, o que pode ter impacto na produção dos próximos anos.
O produtor Jair Mazzochini, 50 anos, ainda lembra que esta foi uma safra cara em termos de investimento e reforça que nunca havia vivenciado situação semelhante:
— Foi um ano muito caro para produzir a uva. Os insumos estavam muito caros por causa do dólar. E já tinha dado excesso de chuva na florada, com uma quebra de uns 30%, aí os insumos ficaram altos e agora veio a seca. Nunca vi nada igual — detalha Mazzochini que, com a família, cuida de 16 hectares de parreirais, alguns deles alugados.
Caso não chova em níveis suficientes nos próximos dias, ele projeta um cenário ainda pior para os outros tipos de uva, que ainda estão em formação:
— A expectativa é pior. A bordô, mesmo que murcha, de repente dá para colher alguma coisa. Mas aquelas que estão murchando verde vai se perder, porque não recupera mais. E também não sabemos se semana que vem a indústria vai aceitar essa uva (bordô), porque ela está amadurecendo forçada, sem gosto — comenta.
Mazzochini relata que em anos "normais" a produção gira em torno de 25 mil a 30 mil quilos de uva por hectare. Neste ano, se a estiagem permanecer, a quantia deve ficar em menos da metade, chegando a no máximo 13 mil quilos da fruta por hectare.
Dificuldade também na água para consumo humano
Quilômetros mais adiante dos parreirais administrados por Mazzochini, a família Dalla Rosa também observa com tristeza os impactos provocados pela seca. Rineu Luiz Dalla Rosa e o filho cuidam de 10 hectares de parreirais de niágara e bordô.
— A situação do agricultor está complicada. É de chorar, trabalhamos com a uva, dependemos da produção para viver. Acionamos o seguro, mas não cobre todo o parreiral, porque fizemos em etapas — conta Dalla Rosa.
Além da perda da produção, a família está com dificuldades para obter água para consumo humano. Rineu está planejando instalar um poço artesiano para amenizar a situação:
— A gente está passando necessidade, usando a água no mínimo, só para o gasto de cozinha.
O produtor comenta que os reflexos da estiagem também vão atingir os trabalhadores que trabalham na colheita da fruta. Sem produção adequada, os trabalhadores estão sendo dispensados ou sendo aconselhados para aguardar. Anualmente, ele emprega de cinco a seis pessoas durante a safra.
— As pessoas que ajudam a colher, do Paraguai, estão querendo vir para cá, mas a gente não sabe o que dizer. Dizemos para aguardar — relata Dalla Rosa.
Decreto para área rural
A prefeitura de Caxias do Sul deve publicar até o final dessa semana um decreto de situação de emergência em função dos danos causados pela estiagem na agricultura do município. Os detalhes do documento foram discutidos em uma reunião na tarde dessa segunda-feira (3) que reuniu secretários municipais e subprefeitos, que levaram ao governo os relatos colhidos nas comunidades. Entre eles, a análise é que a falta de chuvas está prejudicando a produção agrícola e também o tratamento dos animais. Em todo o Rio Grande do Sul, mais de 100 municípios decretaram situação de emergência em relação à estiagem.
De acordo com o secretário da Agricultura de Caxias do Sul, Rudimar Menegotto, os subprefeitos deverão apresentar até quinta-feira (6) um levantamento dos prejuízos econômicos e, principalmente, os danos humanos para dar sustentação ao decreto. Caso o levantamento seja feito de forma ágil, é possível emitir o decreto ainda durante a quinta-feira, aposta Menegotto.