Quem depende do atendimento hospitalar pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Caxias do Sul está enfrentando fila de espera para vagas em leitos clínicos ou em unidades de tratamento intensivo (UTIs). Um dos motivos pode ser a retomada de cirurgias eletivas, que estaria impactando no dia a dia das unidades de pronto-atendimento e dos prontos-socorros de hospitais. O quadro é confirmado pela Secretaria Municipal da Saúde.
Até o começo da tarde desta quarta-feira, a Central de Leitos de Caxias do Sul, que regula as vagas da região, tinha 42 pacientes à espera de um leito clínico. A maioria não tem relação com a covid-19. Desses, 23 são de Caxias do Sul e estão nas UPAs Central e Zona Norte ou nas emergências dos hospitais Geral e Pompéia. Outras 19 pessoas estão em serviços de saúde de outros municípios da Serra à espera de transferência.
Há ainda 13 pessoas de Caxias do Sul e seis de outras cidades que precisam de uma vaga na UTI para tratamento de doenças diversas. Outros sete pacientes, com suspeita de covid-19, aguardam por leito clínico.
Com tanta procura e pouco espaço, os pacientes recebem atenção improvisada nas UPAs e hospitais, que recorrem a macas, por exemplo. Entre as pessoas que deveriam estar hospitalizadas, está Lurdemar de Oliveira, 74 anos. À espera de um leito, ela recebe atenção na UPA Zona Norte desde o último sábado. A filha dela, Eliane Borges da Rosa, 41, conta que a mãe passou mal no dia 13 e foi levada à UPA Central. Lá, segundo a família, não passou por exames, foi medicada e liberada. Dois dias depois, ela continuava se sentindo mal. Retornou no dia seguinte para atendimento médico, desta vez na UPA Zona Norte.
— Fizeram exames e ela está com uma anemia muito grave e com problemas nos rins. Minha mãe está muito fraca e está à espera de um leito para colocar sangue com urgência. O estado dela é grave e ninguém faz nada. Não está se alimentando direito devido a fraqueza dela e cada dia está mais fraca. Ela precisa muito de um leito. É muito triste ver a situação dela — desabafa a filha.
Até 10 dias em leito dos serviços de emergência
O presidente do Conselho de Saúde de Caxias do Sul, Alexandre de Almeida Silva, ressalta que a cada dia aumenta o número de familiares que relatam falta de leitos. Ele passou pela UPA Zona Norte nesta quarta-feira (20) e diz ter encontrado 10 pacientes à espera de uma vaga em hospital. Ele ressalta que as duas UPAs estão lotadas. Na sexta-feira (15), inclusive, foi feito um remanejamento de pacientes graves da UPA Central para a Zona Norte.
— Há pacientes ficando até 10 dias nos serviços de emergência à espera de um leito tanto na UPA Zona Norte quanto na Central. Teve pacientes que ficaram à espera de leito e, quando conseguiram, ficaram dois a três dias hospitalizados e não resistiram. Será que se eles tivessem tido acesso a um leito antes com um atendimento adequado a situação não seria diferente? Fica esse questionamento para a gestão municipal. Tem que ter um plano de urgência — afirma Silva.
Ele ressalta que é preciso planejamento para encarar os reflexos pós-covid-19. Silva aponta que agora irá aumentar a demanda de pessoas em busca de demais atendimentos de outras doenças que foram agravadas devido às restrições nos atendimentos, caso da suspensão das cirurgias eletivas.
— É alarmante. O covid-19 amenizou, mas as outras doenças que tiveram diagnóstico e exames represados estão aparecendo agora. Tivemos uma reunião informal com o Dacra (Departamento de Avaliação, Controle, Regulação e Auditoria da Secretaria da Saúde), mas acredito que vai além, temos que ter encontros com a Coordenadoria Regional para o Estado auxiliar Caxias do Sul, que é referência. Não podemos desativar esses leitos de UTI covid-19, eles tem que ser habilitados para outras doenças — defende Alexandre.
"A fila de espera têm aumentado nos últimos dias", diz secretária da Saúde
A secretária da Saúde de Caxias, Daniele Meneguzzi, confirma o crescimento significativo de pacientes à espera de leitos clínicos e de UTI nos últimos 20 dias.
— Esse aumento tem acarretado uma espera maior para os pacientes acessarem esses leitos. É uma realidade que a gente enfrenta enquanto sistema de saúde como um todo, nas duas UPAs, e também nas emergências dos nossos hospitais (Geral e Pompéia), que também estão lotadas. Temos um volume expressivo de pacientes com diversas complicações clínicas e temos conseguido tratar todos os pacientes e dar alta para que os demais possam ser colocados dentro dos leitos hospitalares. Sabemos que não é o ideal que esses pacientes sejam mantidos nos serviços de emergência, mas eles têm assistência médica e de enfermagem minimamente para sua recuperação.
Para ela, a retomada dos procedimentos eletivos é um dos motivos que impacta na lotação:
— Essas cirurgias demandam leitos de internação e muitas vezes leitos de UTI. Temos inúmeras doenças que pela pandemia deixaram de ser priorizadas e até mesmo foram negligenciadas e levaram a quadros mais graves porque esses pacientes não tiveram atendimentos. Até os acidentes, com a circulação das pessoas, acabam aumentando. O problema de falta de leitos é histórico na nossa cidade, e acabou pausado na pandemia, mas com a volta das cirurgias e das atividades, aumenta a demanda.
Sobre a possibilidade de manter os leitos abertos para pacientes com covid-19, Daniele aponta que não é uma decisão que cabe apenas ao município:
— É preciso que o Ministério da Saúde habilite esses leitos transformando eles em leitos clínicos para atendimento de média e alta complexidade. Temos habilitações garantidas até 31 de dezembro. Se após essa data o Ministério da Saúde não renovar a habilitação seja para covid-19 ou para não covid-19 aí é um recurso que o município tem que tirar dos seus cofres, e voltamos para o problema de orçamento, então é uma discussão e decisão que não cabe só ao município.