Apesar dos protocolos sanitários e da vacinação, de orientações frequentes aos funcionários e de cuidados na hora da visitas, as casas asilares da Serra seguem com registros de surtos de covid-19. Os casos mais recentes foram registrados em Caxias do Sul e em Nova Petrópolis. Na maior cidade da Serra, nove idosos que viviam no Residencial Geriátrico São Luiz (chamado anteriormente de Residencial Santa Catarina), no bairro Madureira, não resistiram. Já em Nova Petrópolis, 20 pessoas que viviam na Casa de Repouso Doutora Norma perderam a vida depois de serem infectados com o vírus.
Uma das possibilidades analisadas pelo Controle de Infecção Municipal de Caxias do Sul é que uma nova variante tenha contaminado os idosos e funcionários, o que aumentou a letalidade. A infectologista Anelise Kirsch, explica que nos casos anteriores, a mortalidade girava em torno dos 30% dos infectados.
— Estamos surpresos porque nesses dois últimos surtos de casas asilares, a mortalidade passou de 40% e se aproximou muito dos 50% tanto em Caxias do Sul quanto em Nova Petrópolis. Estamos no aguardo para saber se isso é uma variante nova porque, considerando que eles estavam vacinados e as medidas de contenção estavam acontecendo, não se justifica um surto dessa magnitude. Aguardamos os resultados do Lacen, um parecer do laboratório para identificar o que aconteceu, se é a Delta ou uma nova variante. Há possibilidade de que alguém estivesse assintomático, que é algo comum da variante Delta, que tem alto contágio.
Anelise ressalta que a casa de repouso onde aconteceu o surto mais recente em Caxias não havia registrado casos, e seguia o protocolo sanitário:
— É um lar que seguiu bem os protocolos de contingência, tanto que não teve outro surto. Dos funcionários, poucos positivaram para covid-19. De 14, quatro foram infectados o que quer dizer que estava seguindo bem os protocolos. Esperávamos uma proporção maior que é o mais comum quando há funcionários que circulam em outros ambientes, mas nesse caso acreditamos que foi o contrário e que o contágio foi entre os idosos. A maioria dos idosos estava com covid-19 e os funcionários não, então eles realmente estavam mantendo as medidas.
Atualmente, o surto está controlado. Dos infectados, ainda há uma paciente internada. sendo que 16 idosos foram contaminados e quatro funcionários.
— O protocolo deles já é rígido e em caso de surtos há um reforço das orientações. A maior parte (idosos) já estava com a segunda dose há quase seis meses e a imunidade deles talvez não estivesse tão eficaz porque não sabemos imunologicamente como isso irá se comportar.
Anelise lembra que, no começo da pandemia, a recomendação era vedar e manter em isolamento os idosos que chegavam ou que deixavam a casa de repouso por algum motivo:
— Teve muita polêmica no começo porque se um familiar levasse o idoso para casa, por exemplo, para almoçar, teria que ficar isolado no retorno para não evitar a possibilidade de contágio. Havia rastreio em qualquer caso sintomático com testagem e isolamento, que são cuidados que seguem, mas ao longo da pandemia foram feitas concessões pensando na saúde mental deles. Com a vacinação, permitimos as visitas de pessoas vacinadas aos idosos vacinados, em ambientes abertos, sem toque, só vê a outra pessoa, sem beijar e abraçar, e sem poder entrar na casa asilar.
O Residencial Geriátrico São Luiz foi procurado para se pronunciar. No contato, a direção informou que as informações estão sendo dadas pela Vigilância Sanitária e a Secretaria Municipal da Saúde.
"A grande falha é subestimar os cuidados"
Ao todo, 70 pessoas foram infectadas, sendo 54 idosos e 16 funcionários na Casa de Repouso Doutora Norma, em Nova Petrópolis. Um idoso de 80 anos e uma idosa de 78 estão internados na UTI do Hospital da Unimed em Caxias do Sul. Outros três foram levados pelos filhos para ficar em isolamento e serem cuidados em casa. A reportagem contatou a casa de repouso, que preferiu não se pronunciar.
A cidade conta com sete lares de longa permanência. Desde o começo da pandemia, equipes da Vigilância em Saúde passam regularmente em cada um desses espaços para fiscalizar e orientar funcionários sobre os cuidados de higiene e as questões sanitárias para trabalhar com um grupo de pessoas mais suscetíveis ao vírus.
A secretária adjunta de Saúde e Assistência Social, Crislei Gerevini, explica que, em casos suspeitos, o centro de testagem aciona a pasta. Se o funcionário positivar, a equipe vai até o asilo para testar todos as pessoas que tenham sintomas. No caso mais recente, a secretaria foi informada no dia 16 de agosto que dois funcionários estavam com coronavírus. No primeiro momento, como o teste RT/PCR demora mais para ficar pronto, fizeram o rastreamento do vírus em quem tinha sintomas com antígeno.
Foram testados 60 idosos e 41 funcionários, sendo que na primeira amostra se identificou 19 idosos e 15 funcionários infectados. Os colaboradores foram afastados e os idosos isolados, sendo que alguns deles precisaram ser hospitalizados e outros foram para a casa dos filhos. As visitas e o ingresso de novos hóspedes foi suspenso e os idosos ficaram distribuídos em alas. Dois dias depois, em 18 de agosto foi registrada a primeira morte. Crislei ressalta ainda que entre os dias 16 e 24 de agosto, foram realizadas duas testagens, e pessoas que testaram negativo tiveram resultado positivo nos dias posteriores.
— Tinham muitas pessoas que não apresentavam sintomas e, quando veio o resultado do PCR, foi negativo. Ao longo dos dias, eles começaram a apresentar sintomas e, entre esses, muitos internaram e vieram a óbito. Ao todo, foram 70 infectados e infelizmente 20 vidas perdidas. Investigamos a origem dos surtos, e geralmente, se inicia com a busca do funcionário pela testagem porque eles circulam em outros ambientes.
Para a secretária-adjunta, é necessário manter protocolos rígidos e quem trabalha cuidando de outras pessoas não pode optar por não se vacinar.
— A maioria deles estava com a primeira dose, mas alguns já podiam ter completado o esquema vacinal e ainda não tinham a segunda dose da vacina. Acredito que acaba tendo o descuido, o achar que não vai acontecer porque já convivem há algum tempo uns com os outros. A grande falha é subestimar os cuidados. Quem trabalha nesses lugares, quem cuida de outras pessoas tem que se vacinar, não podem optar por não se vacinar.
Ela ressalta ainda que os asilos têm um plano de contingência para poder trabalhar durante a pandemia.
— Eles conhecem os protocolos: usar a máscara, não tocar nela, como colocar e como tirar, o uso de EPI, a troca de roupa no ambiente de trabalho, de calçado, lavar as mãos entre um atendimento e outro aos idosos. Sabem que têm que limpar as superfícies, manter distanciamento, não aglomerar e deixar ventilar a casa, entre uma série de cuidadoscom os quais há descuido, às vezes, que levam a registro de casos como esse. Se a pessoa está com sintomas respiratórios, não pode achar que é renite ou sinusite. Não pode ir trabalhar com coriza, dor de cabeça, dor de garganta, espirro, e acredito que tem ter essa flexibilização de gerentes e empresários para que os funcionários não trabalhem com sintomas. Acredito que é ai que acontecem as falhas — aponta.
Especialista também acredita que variante possa ter provocado surtos
Para a infectologista Viviane Buffon a variante Delta na região pode contribuir surtos em asilos ou clínicas psiquiátricas:
— A presença da variante, que possui uma transmissibilidade maior, a falta da vacinação ou segunda dose da vacina e a maior circulação de pessoas nos diversos ambientes são fatores que podem contribuir para os novos surtos. Os protocolos devem ser seguidos ainda independente do avanço da vacinação, pois com a vacina nós reduzimos o número de casos, mas não bloqueamos completamente a transmissão.
A especialista ressalta ainda que é essencial a vacinação dos cuidadores, bem como dos idosos e, que se a maioria não estivesse imunizada, o cenário seria ainda mais grave:
— É fundamental a vacinação dos cuidadores, pois todos fazem parte da cadeia possível de transmissão. Já os idosos são mais vulneráveis a complicações pela própria idade e também pelas comorbidades que possuem, tendo maior chance de hospitalização e óbito _ defende ela.
O que diz o MP
A promotora de Justiça de Caxias do Sul Adriana Chesani lamenta que tenham sido registrados novos surtos em casas de idosos. Ela explica que o Ministério Público (MP) acompanha os casos para garantir que sejam respeitado os protocolos preventivos:
— A Secretaria Municipal da Saúde está investigando a situação para rastrear como surgiu, e então vamos verificar se houve uma falha no protocolo, um pouco mais de descuido, que é algo que a gente espera que não aconteça. Vamos seguir acompanhando porque não pode haver relaxamento de protocolos. Se for verificada irregularidades, os asilos serão chamados para prestar esclarecimentos e, se necessário, vão ter que firmar termo de ajustamento de conduta — ressalta Adriana.
Apesar de a vacina não ser obrigatória, a promotora ressalta que o ideal é que os funcionários estejam imunizados:
— É ideal que todos os funcionários estejam vacinados. Os idosos já estão recebendo a terceira dose da vacina por indicação do Ministério da Saúde.