Transformar resíduos sólidos em energia e produtos. Esta é a finalidade do projeto Resíduos Serra (RS UP) que conta com a adesão de 31 municípios das regiões Uva e Vinho, Hortênsias e Campos de Cima da Serra. Entre as cidades está Caxias do Sul, que atualmente produz cerca de 360 toneladas de lixo por dia. A proposta começa a sair do papel em 4 de outubro. A ideia é trabalhar no desenvolvimento de alternativas tecnológicas para a destinação sustentável de resíduos sólidos urbanos (RSUs). O resultado é a transformação de materiais que vão para o lixo em produtos, como carvão biochar e óleo, por exemplo.
Representantes das cidades assinaram o protocolo de intenção para aderir ao projeto no último dia 17. Na prática, esse documento prevê que cada um dos 31 municípios investirá valores para manter a pesquisa feita pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) em andamento. O valor que será repassado para a UCS é variável conforme o tamanho da população.
O trabalho é desenvolvido pelos laboratórios de Energia e Bioprocessos (Lebio) e de Análises Ambientais (Latam), pela Fazenda Escola e pela Agência de Inovação (UCS iNOVA). A iniciativa é do Conselho Regional de Desenvolvimento da Serra (Corede Serra), do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável da Serra Gaúcha (Cisga) e da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne).
O coordenador técnico do trabalho e responsável pelo Lebio-UCS, professor Marcelo Godinho, explica que, com a implantação do projeto, os municípios vão ter uma destinação sustentável para o lixo.
— Essa iniciativa atende a um desejo de décadas da área ambiental dos municípios e das instituições que coordenam os aspectos legais do meio ambiente. Utilizar o lixo urbano como fonte de matéria-prima é o que buscamos. Poder dar início a esse projeto é um ato revolucionário — comemorou Godinho, no último dia 17.
Projeto permitirá mudar legislação
A presidente do Corede Serra, Mônica Beatriz Mattia, lembra que a destinação dos resíduos sólidos urbanos é um debate que se estende ao longo dos anos no Brasil. Segundo ela, há três décadas, os municípios gaúchos se deparam com o oferta de tecnologias eficientes em várias partes do mundo que propõem transformar o lixo em energia. Contudo, a legislação estadual e federal impede que as cidades o façam. A lei impossibilita as duas técnicas usadas: a pirólise ou bio digestão. Mônica explica que, na prática, o projeto muda essa realidade. A legislação de 2019 da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam-RS) exige que uma unidade científica acompanhe todo o processo de desenvolvimento de alternativas tecnológicas.
— Esse projeto da UCS com os municípios vai cumprir com todos os passos definidos pela legislação, garantindo aos municípios que, ao final do processo, possam fazer ou não a concessão desses resíduos. Assim, essa concessionária do setor privado, poderá transformar esse resíduos em energia. Depois de passar por todas as etapas, os municípios terão conhecimento para colocar em prática processos saudáveis, sem comprometer o meio ambiente — ressalta.
Ela aponta ainda que os municípios da Serra não podem mais enviar o lixo para o Aterro Minas do Leão ou os demais:
— Está mais do que na hora de mudar e, com esse projeto, a Serra vai se destacar no âmbito estadual e nacional. A nossa expectativa é muito positiva para que ao final das três fases do projeto (confira abaixo), os municípios possam fazer a concessão desse lixo para empresas privadas. Logo, teremos uma reunião com órgãos competentes para buscar um consenso referente a leis a partir dessa estratégia, para que mais adiante não fique nem um passivo ambiental ou financeiros a esses municípios.
Atualmente, há somente dois tipos de aterros em funcionamento no Rio Grande do Sul: controlado (inadequado) e sanitário (adequado). Enquanto o aterro controlado não oferece sistemas de tratamento de chorume ou impermeabilização do solo, o sanitário prevê todo o preparo do solo, com sistema de drenagem de chorume, além de realizar a captação e queima dos gases liberados.
Ainda de acordo com dados da Fepam, em 2019, 397 municípios faziam a disposição final dos resíduos em aterros sanitários, 85 em aterros controlados e 15 enviavam o lixo para Santa Catarina. Entretanto, esta forma de disposição final implica na geração de um passivo ambiental, além de gerar custos elevados aos municípios. Outro fator é que, geralmente, os locais licenciados para a disposição dos resíduos no Estado são distantes das sedes dos municípios, implicando no custo adicional do transporte.
Caxias do Sul está entre as 31 cidades que aderiu ao protocolo de intenção
Desde 2010, Caxias do Sul mantém um aterro sanitário aprovado e fiscalizado pelos organismos ambientais, mas que é uma tecnologia ultrapassada, proibida desde 2006 na Europa. Por isso, o prefeito Adiló Didomenico (PSDB) definiu a data de assinatura do protocolo de intenção como um marco histórico para a região.
— Estamos enterrando dinheiro, porque estes resíduos que são colocados em aterros sanitários podem ser transformados em energia e adubo. Trata-se de um grande avanço, que trará economia às prefeituras, atrairá investimentos e resolverá um sério problema, que é o ativo ambiental que precisa ser, permanentemente, monitorado — reforçou, ao destacar a importância da solução regional.
Já o secretário do Meio Ambiente João Osório Martins ressalta que essa é uma alternativa viável para o problema do descarte de lixo.
— Enfrentamos um problema sério em relação ao lixo e, por não ter solução, esses resíduos acabam indo para Minas do Leão e outras cidades da região. São centenas de quilômetros para levar o lixo daqui. Com uma solução regional, esse lixo primeiro não precisará ser enterrado, porque será usado como fonte de energia. A Fepam irá acompanha a pesquisa e, assim, se tiver algum equívoco, será corrigido na origem —explica.
Martins conta que recebe atualmente uma proposta por semana de empresas com projetos para resolver a situação. Contudo, elas não têm planta em operação no país:
— A gente foge dessas alternativas "milagrosas". São empresas que afirmam que estão funcionando na China, na Europa, mas no Brasil não têm nenhuma planta em funcionamento. Também tem as licenças, porque se compramos os equipamentos como vamos licenciar com a Fepam. Com o projeto teremos segurança porque essa tecnologia será testada e a Fepam vai avaliar o licenciamento da técnica escolhida.
Quanto ao valor repassado para a pesquisa, o secretário diz que ainda está em negociação.
O projeto
O projeto RS UP basicamente consiste na aplicação de duas técnicas de processamento dos RSUs: um processo bioquímico (digestão anaeróbia) e um processo termoquímico (pirólise), que serão aplicados separadamente ao lixiviado (chorume) e à torta formada na prensagem do RSU. São 31 municípios integrantes, com uma área territorial de mais de 18 quilômetros quadrados e uma população estimada em mais de 1,2 milhões de habitantes. Há algumas premissas básicas, acordadas entre todos os envolvidos:
:: Desenvolvimento e experimentação de uma alternativa tecnológica sustentável, atendendo às características regionais para a geração de energia e produtos de valor agregado a partir dos RSUs;
:: Difusão do conhecimento junto aos técnicos e gestores dos municípios envolvidos no projeto;
:: Proteção do conhecimento desenvolvido no projeto;
:: Cumprimento da legislação ambiental;
:: Implantação de uma unidade regional de geração de energia e produtos de valor agregado a partir dos RSUs.
Fases
:: Na fase 1, haverá caracterização dos RSUs gerados pelos municípios integrantes do projeto, ensaios em escala de laboratório das técnicas propostas no projeto e ensaios em escala piloto de ambas as técnicas. A fase 1 compreende um ano de projeto e será executada nos laboratórios da UCS (Lebio, Latam e Fazenda Escola);
:: Na fase 2, está prevista a instalação e operação de uma unidade teste, com o objetivo de atender a legislação ambiental da Fepam e validar os resultados obtidos na fase 1;
:: Na fase 3, está prevista a instalação de uma unidade regional (em escala industrial) de geração de energia e produtos de valor agregado a partir dos RSUs.
Municípios que aderiram ao projeto
Antônio Prado, Bom Jesus, Carlos Barbosa, Caxias do Sul, Coronel Pilar, Cotiporã, Fagundes Varela, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi, Gramado, Guaporé, Montauri, Monte Belo do Sul, Muitos Capões, Nova Bassano, Nova Pádua, Nova Petrópolis, Nova Prata, Nova Roma do Sul, Paraí, Protásio Alves, Santa Tereza, São Francisco de Paula, São José dos Ausentes, São Marcos, Serafina Corrêa, União da Serra, Veranópolis, Vila Flores e Pinto Bandeira.