O coronavírus trouxe milhões de infectados, mais de 500 mil mortes ao Brasil e uma série de desafios para quem estava na ponta mais impactada nestes últimos 16 meses: o setor da saúde. Na Serra gaúcha, os hospitais mudaram completamente suas realidades de atendimento e aprenderam muito neste período. Os ganhos para a região são enormes e vão desde novos leitos de UTI até a ampla participação das instituições em pesquisas importantes, como os estudos sobre o impacto da cloroquina e o plasma convalescente para o tratamento da covid. Ainda assim, o maior legado está no poder de adaptação.
Os desafios de 2021 foram impactantes para a rotina das instituições. Ao atingirem o colapso de atendimento, com a onda provocada pela variante P.1, iniciada em março e ainda longe de um nível razoável de normalidade, os hospitais foram obrigados a mudanças que antes eram impensadas. Quando a Secretaria Estadual da Saúde (SES) lançou, no início de março, o nível máximo de contingenciamento e emergência, as instituições se viram no meio de um furacão repleto de contaminados e tendo que transformar as estruturas em leitos clínicos de UTI covid.
— As principais mudanças positivas, no meu ponto vista, foram a capacidade de adaptação, a exigência de um alto nível de gerenciamento da operação e a presença de um espírito de união e solidariedade, que fortaleceram nossas equipes e pacientes — ressalta Isabel Bertuol, diretora de operações de saúde do Círculo, de Caxias.
Adaptação pode ser a palavra que mais resume esse momento para os hospitais e a integração é o grande legado estratégico. Lógico que, estruturalmente, há ganhos que se forem mantidos para o futuro serão fundamentais para a nova realidade que deve compor o cotidiano. Mas a construção de um trabalho totalmente integrado é o mais citado quando o assunto se torna o aprendizado com essa pandemia. No Hospital Tacchini, de Bento Gonçalves, as decisões ganharam agilidade. A Sala de Situação, criada antes mesmo dos primeiros casos na Serra, mostrou sua importância em 2021.
— Construímos um "hospital sem paredes". As equipes passaram a se reconhecer como responsáveis por todos os nossos setores e por cada paciente internado dentro da estrutura. Além disso, alguns ajustes, que em outros momentos poderiam demorar a ser realizados, passaram a ganhar soluções efetivas em minutos. Também por isso fomos capazes de operacionalizar o atendimento de pacientes críticos mesmo com um aumento descontrolado da demanda — ressalta Hilton Mancio, superintendente do Tacchini.
O hospital referência para Bento Gonçalves e toda a região do Vale dos Vinhedos também é ativo nas pesquisas. Participou de muitos estudos ao longo desse mais de um ano, incluindo a comprovação de que a cloroquina não era efetiva para pacientes que evoluíram condições graves da infecção viral. Isso se deve –e muito – pelo histórico da instituição.
— Há quase uma década o Instituto Tacchini de Pesquisa em Saúde (ITPS) realiza estudos em algumas áreas de interesse da comunidade, como oncologia e epidemiologia. Ou seja, sempre estivemos abertos e atentos à possibilidade de atrair pesquisas que oferecessem acesso a tratamentos de vanguarda para pacientes ou que respondessem questões relevantes para a região. Como já possuíamos um time preparado para absorver essas rotinas clínicas complexas e, ao mesmo tempo, já mantínhamos contato com os principais centros de pesquisa nacionais e internacionais, nos tornamos naturalmente um centro de pesquisa considerável para os estudos — explica Mancio.
AUMENTO NA OFERTA DE LEITOS DE UTI É UM GANHO PARA SERRA
A Serra gaúcha ganhou novos leitos de UTI e isso é importante para uma região que concentra quase 10% da população gaúcha — cerca de 1,2 milhão de pessoas vivem na região da 5ª Coordenadoria de Saúde (5ª CRS). Pensar que antes da pandemia Caxias do Sul provia de 34 leitos de UTI se torna algo inimaginável. Além de novas vagas para tratamento crítico na maior cidade da região, outros hospitais também receberam o incremento de UTIs, como o Hospital de Caridade de Canela, que começou com cinco no mês de agosto de 2020 e hoje está em 15, e o Hospital Beneficente São Pedro, de Garibaldi, que de 10 já passou para 18 leitos de UTI.
Mas os ganhos estruturais que a pandemia trouxe vão além. O Tacchini Sistema de Saúde já tinha um novo hospital para ser construído e alterou um pouco a planta para adaptar aos novos tempos.
— Alteramos alguns aspectos do projeto pensando na segurança do paciente e das equipes de trabalho. Um exemplo é a inclusão de um sistema de pressão negativa, que renova o ar das salas continuamente, diminuindo os riscos de contaminação por doenças contagiosas que são transportadas via aérea, como sarampo, tuberculose, sars, mers e covid-19, por exemplo. Acredito que esse seja um movimento realizado não somente em hospitais, mas em ambientes corporativos no futuro — ressalta o superintendente.
"PRESCISMOS TER MUITA RESILIÊNCIA", DIZ DIRETORA DO CÍRCULO
A maior crise sanitária dos últimos 100 anos exige paciência, pois não há uma data final, ainda mais para o Brasil. A estimativa é de que o vírus seja controlado quando 70% da população esteja com o quadro vacinal completo, o que pode demorar até o início de 2022. Por isso, resiliência é o que move o setor da saúde.
— Temos que lidar com o incerto, temos que estar preparados para administrar crises, embora na área da saúde isto até seja corriqueiro. Só que nada é parecido com o que já tínhamos vivenciado. Portanto, esse aprendizado veio para ficar para nossos profissionais. O cenário da saúde pública e privada não será mais o mesmo e os serviços e operações se tornaram mais preparados — acredita Isabel Bertuol.
A gestora também sabe que sairá com outra visão de mundo após todo o período entre o vírus entrando em momentos mais graves e abrandando meses depois.
— Gerenciar equipes e estruturas que cuidam de vidas já é muito delicado e complexo. E quando, neste contexto, temos uma crise sem dimensões como essa, a realidade se torna muito mais difícil e exige mais. Precisamos ter muita resiliência e capacidade de análise sistêmica, planejamento rápido para administrar o que se apresenta no dia a dia e de todas as consequências, que vêm em efeito cascata — diz Isabel. — Certamente não somos e não seremos mais os mesmos. Está sendo difícil passar por isso, muito desgaste físico e emocional. Mas o amor pela profissão e pelo propósito nobre que temos vai nos fortalecendo, com foco sempre no que deu certo — finaliza.