Dezessete pessoas, sendo três delas crianças entre um e quatro anos, estão sem abastecimento de água há cerca de um mês na Oitava Légua, em Caxias do Sul. As famílias foram pegas de surpresa com uma informação repassada pelo Samae a um dos moradores: eles precisam começar a pagar R$ 267,60 para que o caminhão-pipa retorne abastecido com 15 mil litros de água. O valor será aplicado a cada nova solicitação. Se em um mês os moradores solicitarem o serviço por quatro vezes, eles terão que arcar com R$ 1.070.40. As quantias são inviáveis para os atingidos, que residem na Rua Manoel Pedrotti, a cerca de dois quilômetros dos prédios do Campos da Serra, onde há rede para abastecimento de água aos apartamentos.
Livino Drum da Costa, 55 anos, conta que a comunidade recebia água por meio do caminhão-pipa semanalmente por cerca de 10 anos. O Samae diz estar embasado em um decreto que passou a proibir o encaminhamento sem cobrança de tarifa. Assim, ele e dois filhos passaram a tomar banho de bacia, com água recolhida de um açude próximo à casa.
— Estamos pegando água de açude para tomar banho, lavar louça e fazer as coisas. Pegamos água da chuva também para nos virarmos do jeito que dá porque não tem o que fazer. Disseram que tem esse decreto, mas nunca nos passaram. Nem nos apresentaram. Disseram que tem que pagar a acabou — diz.
"Estamos pegando água do açude para tomar banho"
LIVINO DRUM COSTA
Morador da Oitava Légua
Conforme Costa, uma rede de abastecimento de água passa a cerca de dois quilômetros das residências afetadas e, por isso, ele mesmo sugeriu ao Samae que fizesse uma ligação de rede.
— Ninguém está se negando a pagar uma taxa, mas que seja individual, de acordo com os gastos de cada um — afirma, ao explicar que a autarquia sugeriu que a comunidade dividisse o valor do serviço entre todos.
Morador transporta água do açude
Josiane Mello, 26, mora com o marido Maico e o filho Otávio, de 3 anos, em uma casa da localidade há mais de 10anos. Segundo ela, nas primeiras vezes em que os moradores acionaram o atendimento do Samae após observar a parada do atendimento, a informação era de que um caminhão havia estragado. Dias depois, informaram a um vizinho que retornariam apenas mediante pagamento e solicitaram que o morador avisasse aos outros. No dia 14 de maio deste ano ocorreu a última entrega sem cobrança. Depois disso, a comunidade não solicitou novos abastecimentos pela falta de condições em disponibilizar a quantia.
— Mandaram ele (vizinho) nos avisar que agora tínhamos que pagar os mais de R$ 200. Perguntei para mim mesma como eles não tinham avisado nada antes para podermos até comprar caixas d'água (o caminhão só vai se estiver fechado com 15 mil litros) — diz.
Conforme Josiane, a comunidade conseguiu duas caixas de 5 mil litros emprestadas do Samae, mas estas precisam de ajustes porque pequenos furos foram encontrados na estrutura.
— Ainda não conseguimos arrumar e, por enquanto, meu pai está pegando a água do açude e no poço de um vizinho, colocando em um "pipão" em cima de um pequeno caminhão que ele tem. Depois, ele passa para as caixas d'água para termos pelo menos para o principal. Para lavar roupas, a gente usa de umas caixas que enchem com água da chuva — conta.
A família de Josiane agora se programa para tomar banho na casa de familiares que moram em bairros das proximidades, já que nem sempre a água recolhida apresenta características adequadas.
"Como é água de poço, está vindo bem preta"
JOSIANE MELLO, 26
Moradora da Oitava Légua
— Como é água de poço, está vindo bem preta. Está marrom, na verdade. Então, vamos em um parente do bairro para poder tomar banho. Para beber, pegamos água em galão na minha avó que mora no bairro São Luiz — relata.
Para o Samae, lei está sendo cumprida
O diretor-presidente do Samae, Gilberto Meletti, afirma que a Lei nº 6.158 determina a cobrança e prevê que exceções podem ser feitas apenas por meio de decretos.
— Temos a obrigação de fazer a cobrança pelo fornecimento. No interior, onde não há rede de distribuição, o Samae pode abastecer através do caminhão-pipa, que é um serviço ofertado também por empresas particulares. Mas o Samae procura atender ao máximo nossa comunidade — afirma.
Questionado sobre a comunidade da Oitava Légua receber o serviço há 10 anos, Meletti afirma que o decreto de 13 de abril deste ano (nº 21.505) reafirma a obrigação da cobrança. Ele também ressalta não ter informação se a comunidade, de fato, recebia o serviço há tanto tempo.
— Como eu não estava aqui (Samae) não tenho conhecimento se cobravam ou não há 10 anos. Sou obrigado a cobrar, caso contrário, posso ser responsabilizado. É dinheiro público, servidor público e equipamento público. O valor cobrado a eles é por 15 mil litros mais o deslocamento. Esse decreto se adequa à lei. É proibido conceder isenção ou redução de tarifa— diz.
De acordo com Meletti, a maioria da população residente no interior tem formas de acessar água em poços ou fontes. Quanto a estender a rede já existente próximo ao local, Meletti considera a possibilidade.
— Com certeza. Estamos fazemos inúmeras extensões (de rede). Logicamente temos muitos pedidos no interior. Temos interesse em levar água ao máximo de comunidades.