O receio de que o prédio de 1.770 m² e três pavimentos, localizado em Galópolis, um dos vilarejos mais simbólicos de Caxias do Sul, torne-se um imóvel público abandonado, faz com que a comunidade do distrito volte a se mobilizar. Nos últimos dias, a antiga sede do Lanifício Sehbe motivou visita técnica de representantes da prefeitura com o objetivo de entender o que pode ser feito em prol do espaço. Uma das providências tomadas é a de que a comunidade reúna sugestões para uma futura serventia. A data para entrega do documento já está agendada: no próximo dia 24. Enquanto isso, a prefeitura, que é proprietária do imóvel, também avalia possibilidades para o espaço, que segue fechado para uso.
A presidente da Associação de Moradores do Bairro Galópolis (Amog), Maria Patrício Pinto, diz que ainda não desistiu de ver o complexo restaurado e servindo às necessidades coletivas. Na próxima semana, grupos de WhatsApp serão usados para que os moradores possam se engajar com as propostas a serem apresentadas.
— Sigo na luta, mas é nossa última esperança. Desde que entrei na Amog é esse meu objetivo. As gestões estão sempre trocando (do poder executivo municipal) e temos que começar tudo de novo. Ficamos patinando — relata.
Antes que qualquer atividade possa funcionar no local, o prédio da antiga fábrica de lã terá que ser restaurado. Para isso, a ideia de Maria é que seja feito um convênio entre a Amog e o Ponto de Cultura Fortalecendo Laços com a prefeitura. As duas entidades operavam no espaço antes de serem alvo de uma notificação para deixarem o lugar — que ocorreu na gestão do prefeito Daniel Guerra, em 2019. Na sequência, o local foi interditado por conta das más condições da rede elétrica. No mesmo ano, a prefeitura chegou a mover uma ação de reintegração de posse. Mesmo assim, o município já havia informado que não teria condições financeiras para efetuar obras. O espaço segue sem rede elétrica porque os disjuntores foram retirados para que não houvesse risco de incêndio.
— Batemos na tecla de assinatura de convênio para que possamos encaminhar projetos de restauro ou reforma via recursos federais, por exemplo — afirma.
Maria é, além de presidente da Amog, moradora de Galópolis há 33 anos e, por isso, acompanha todo o processo. De acordo com ela, assim que houve a interdição, em 2019, a Amog não pôde sequer retirar documentos e pertences da associação do local. Depois, durante a gestão do prefeito Flávio Cassina (PTB), em 2020, eles passaram a acessar em casos de necessidade como, por exemplo, guardar materiais ortopédicos em uma sala. Os objetos são resultado de empréstimos a quem necessita por intermédio da Amog. Ainda assim, os moradores seguem sem ter uma sede para reuniões e execução dos serviços desde então. Também funcionavam no local uma ONG e um Clube de Mães.
Possibilidade é ocupar o térreo, diz arquiteta voluntária
A questão norteadora para avançar ou não é justamente a falta de vínculo oficial entre a Amog e o imóvel, que deixou de ser cedido na gestão Guerra. De acordo com a arquiteta Renata Moschen Brustolin, voluntária da causa e integrante da Amog, apesar do prédio não ter sido tombado historicamente, está localizado no entorno de um centro histórico de Galópolis, em frente à igreja e, por isso, faz parte do conjunto. Segundo ela, depois que o espaço foi fechado, a deterioração avançou, já que os reparos que eram minimamente feitos não acontecem mais. Um projeto já concluído traz a proposta de que o térreo seja ocupado inicialmente até que se resolvam as questões maiores acerca da obra, que terá um alto custo de investimento.
— O térreo não apresenta grandes problemas e a parte elétrica pode ser feita independente, com todos os critérios de segurança necessários. Já nos pavimentos acima, que teriam outros problemas, esses seriam fechados até que se tenha um projeto de restauro para poder ser utilizado de forma correta. Se pensarmos em uma licitação agora ou no próprio custo, que será de milhões de reais, talvez demore muitas gestões. Corremos o risco de que fique abandonado por mais 10 ou 20 anos — diz.
Um projeto de PPCI foi doado à prefeitura, mas não foi implantado pelo município. Assinado pela também arquiteta voluntária, Renata Diligenti, o documento foi concluído ainda em 2019, mas não foi recebido pela gestão em vigor. Em 2020, foi entregue ao então prefeito Cassina, mas até agora não foi colocado em prática.
"Queremos fazer juntos um plano de ocupação", diz secretária
A secretária municipal de Cultura, Aline Zilli, que esteve no prédio na semana passada, acompanhada de uma comitiva da prefeitura, entende que o convênio da associação com o município é apenas um dos caminhos possíveis. Mesmo que fosse efetuado em breve, os editais que poderiam proporcionar restauro seriam um lento processo.
— Queremos juntos fazer um plano de ocupação. Não adianta fazer uma obra paliativa, por exemplo, que irá se deteriorar ali na frente. Cada secretaria saiu com o "dever de casa" de estudar e teremos um novo encontro na sequência para definir os próximos passos. Queremos ouvir a comunidade que é quem, afinal de contas, vai usufruir do espaço — ressalta.
Conforme a prefeitura, o prédio foi inaugurado em 29 de janeiro de 1898. Na época, era uma pequena tecelagem que, sem sucesso industrial, foi vendida em 1907 e transformou-se no Lanifício Chaves Irmãos e Cia. Em 1979, a fábrica foi adquirida por outro grupo e passou a se chamar Lanifício Sehbe S/A. Dentro do complexo de três andares há um salão nobre, que é tido como uma das partes mais importantes para restauro pelos moradores. O prédio guarda memórias históricas que fazem parte da cultura caxiense.