A pandemia de coronavírus acendeu o alerta para a epidemia de outro vírus: o HIV. Em todo o mundo, a realização de testes caiu e em Caxias do Sul não foi diferente. Conforme o Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, houve uma redução expressiva na solicitação de testes, além de uma diminuição de 17% no número de pessoas que começaram a terapia antirretroviral em 2020 em relação a 2019. De março de 2020, mês do primeiro caso de covid-19 na cidade, a fevereiro de 2021, foram 13.245 testes realizados. No mesmo período do ano anterior, 15.893. A queda é de 16,6%.
Com a orientação para manter o distanciamento como forma de evitar o contágio do coronavírus, já se imaginava que a procura pela testagem poderia cair. Com receio, muitas pessoas deixaram de acessar o serviço. O maior impacto foi percebido em maio e junho do ano passado, meses com menor número de testes realizados. A testagem não deixou de ser oferecida em nenhum momento e houve casos de entrega de autoteste para a realização em casa.
— Já esperávamos redução porque as ações de prevenção como um todo foram afetadas. Os serviços precisaram ser reorganizados — acrescenta a gerente do Serviço de Infectologia da Secretaria Municipal da Saúde, Grasiela Cemin Gabriel.
A queda no número de testes acabou refletindo em um menor registro de novos casos de HIV. Entre março de 2020 e março de 2021, foram 204. No mesmo período do ano anterior, 404. De 12 de março até agora são pelo menos 33 casos novos — dados de 2007 a 2021 mostram 2.939 confirmações da infecção em Caxias.
Apenas uma morte de pessoa com HIV em decorrência da covid-19 foi registrada. Porém, existe subnotificação, já que os pacientes não costumam se identificar como pessoas com HIV.
Conforme Andréa Dal Bó, médica infectologista do Serviço de Infectologia, o único caso oficial de morte foi de uma pessoa que já tinha Aids (quando a doença já está instalada), além de insuficiência renal, e não fazia o tratamento há anos.
— A maioria dos nossos pacientes está controlado, não detectável — explica a médica.
No Estado, foram 593.433 testes realizados de março de 2019 a março de 2020. Esse número baixou para 477.781 entre março de 2020 e março de 2021.
Em Bento também houve queda
Bento Gonçalves também realizou menos testes para HIV durante a pandemia. Foram 28.762 entre março de 2020 e fevereiro de 2021 — o número contabiliza ainda testes para sífilis e hepatite B e C. Entre março de 2019 e fevereiro de 2020, haviam sido 38.847.
— O serviço de testagem nunca foi interrompido, mas as pessoas estavam com medo de sair de casa. Estavam com foco na covid — diz Adriana Cirolini, coordenadora do Serviço de Atendimento Especializado/Centro de Testagem e Acolhimento (SAE/CTA).
Além disso, não foi possível, segundo Adriana, realizar campanha de prevenção como em anos anteriores por conta da alta demanda provocada pelo coronavírus.
— A covid-19 consome muita energia da gente.
Ao longo de 2019, 51 novos casos de HIV foram registrados. Em 2020, 45. Neste ano são 18. O total de casos na cidade é de 745 — contagem feita desde 1986. Nenhuma morte de pessoa com HIV relacionada ao coronavírus foi registrada.
O Serviço de Atendimento Especializado de Bento é referência para os casos de HIV/Aids para Boa Vista do Sul, Carlos Barbosa, Coronel Pilar, Cotiporã, Fagundes Varela, Garibaldi, Guabiju, Guaporé, Monte Belo do Sul, Nova Araçá, Nova Bassano, Nova Prata, Parai, Pinto Bandeira, Protásio Alves, Santa Tereza, São Jorge, União da Serra, Veranópolis, Vila Flores e Vista Alegre do Prata.
Com dois vírus
Jussara (nome fictício), 41 anos, vivia um dos momentos mais felizes de sua vida quando descobriu que tinha HIV. Estava no terceiro mês de gestação e ao realizar exames foi surpreendida com o resultado positivo:
— Foi assustador. Fiz três vezes o teste porque não acreditava.
De imediato, começou o tratamento, o que garantiu que o filho nascesse sem o vírus.
Eu fiquei apavorada. Tinha medo. Logo que cheguei, já falei que era soropositiva.
JUSSARA
Moradora de Bento Gonçalves com HIV que pegou covid-19 em fevereiro
— Bah, foi uma alegria imensa — conta a moradora de Bento Gonçalves ao lembrar de quando recebeu a notícia de que não tinha transmitido HIV para o menino.
Nove anos depois do diagnóstico, um novo resultado positivo. Desta vez, para a covid-19. O primeiro sintoma foi tosse, em um domingo de fevereiro. Na quarta, teve febre. No sábado, dia 27, foi internada. Foram 12 dias hospitalizada.
— Eu fiquei apavorada. Tinha medo. Logo que cheguei, já falei que era soropositiva. Eu acredito que melhorei, porque tomo a medicação para o HIV certinho. Eu cheguei a ficar três dias sem o remédio e quando voltei a tomar, senti que comecei a melhorar — conta.
Quase dois meses após deixar o hospital, Jussara diz estar recuperada e sem sequelas. O tratamento para o HIV continua e ela está com a carga viral quase zerada.
Vacinação contra a covid-19
Pessoas com HIV foram incluídas pelo Ministério da Saúde no grupo prioritário de vacinação contra o coronavírus no final de abril. Em Caxias do Sul, a imunização deste público já começou. Para receber a primeira dose da vacina, é preciso respeitar o calendário conforme a idade.
Queda preocupa
Quando mais rápido uma pessoa é diagnosticada com HIV, mais cedo ela começa o tratamento, o que garante a preservação do sistema imunológico e, claro, a redução de novas infecções. Por isso, a queda na quantidade de testes para HIV preocupa entidades ligadas ao tema, como a Aids HealthCare Foundation (AHF).
— A redução na testagem atrasa o início de tratamento com os antirretrovirais. Hoje, diminuir o tempo entre diagnóstico e início de tratamento é prioritário. A AHF Brasil estabelece que isso deve ocorrer num tempo de no máximo 30 dias, sendo o ideal 14 dias. O problema é que quanto mais as pessoas demoram para fazer o teste, estando infectadas, elas podem chegar adoecidas, e o que seria uma ação mais simples fica mais complicada quando o sistema imunológico já está comprometido — destaca o diretor geral da AHF Brasil, Beto de Jesus.
Deveríamos intensificar a campanha de autoteste, testagem com agendamento, esclarecimento para a população sobre as barreiras sanitárias nas unidades de saúde para tranquiliza-las sobre os riscos. A covid-19 deixará sequelas em relação ao HIV
BETO DE JESUS
Diretor geral da AHF Brasil
A orientação da entidade é que as pessoas que tiveram alguma suspeita de estarem infectadas procurem o serviço de saúde para a testagem. Também devem recorrer à estratégia da Profilaxia Pós-Exposição (PEP) se tiveram relação sexual sem preservativo, por exemplo — que deve ser acionada de duas até 72 horas do ocorrido:
— Um diagnóstico tardio de HIV aumenta e muito o risco de morte entre as pessoas infectadas. Já um diagnóstico precoce reduz em muito a probabilidade de falecimento pelo HIV. As pessoas não deveriam ter medo ou receio em se testar, pois ao se descobrir soropositiva e começar o tratamento a vida segue tranquila.
Ainda não é possível saber se a testagem voltará aos padrões habituais, já que a pandemia de covid-19 está longe de ser vencida, o que pode continuar afastando as pessoas do serviço especializado.
— Deveríamos, por exemplo, intensificar a campanha de autoteste, testagem com agendamento, esclarecimento para a população sobre as barreiras sanitárias nas unidades de saúde para tranquilizá-las sobre os riscos. A covid-19 deixará sequelas em relação ao HIV — conclui.
Onde realizar o teste
Em Caxias do Sul
- Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), das 7h às 15h. Rua Sinimbu, 2.231, Centro. Telefone: (54) 3217-8833, ramal 220.
- Unidades básicas de saúde.
Em Bento
- Centro de Testagem e Aconselhamento, das 7h30min às 11h e das 13h30min às 17h. Rua Goiânia, 590, Botafogo. Telefones: (54) 3055-7307 e 3453-3066.
- Unidades básicas de saúde.