O domingo de prova do Enem foi tenso em todo o Brasil. Em Caxias do Sul, estudantes usaram as redes sociais para questionar o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e expor falhas de organização e planejamento. A reclamação é uníssona: eles dizem ter sido barrados e impedidos de fazer a prova, apesar de terem chegado dentro do horário permitido. A justificativa que os alunos recebiam, na porta das salas indicadas para as provas, era de que não poderiam entrar para realizar o exame para não exceder a lotação máxima permitida.
— Faltou planejamento por parte do Inep e consideração pela situação delicada de milhões de brasileiros que se preparam há mais de um ano para fazer a prova que serve como passaporte para a vida acadêmica _ argumenta Geneviève Faé, professora de redação da Escola Apoio, de Caxias do Sul, instituição que prepara os alunos para os vestibulares e o Enem há mais de 20 anos.
Geneviève explica que os alunos foram pegos de surpresa. A orientação por um número menor de alunos em sala de aula ocorreu na noite de sábado (16) para domingo (17), porque a Defensoria Pública da União (DPU) havia solicitado à Justiça Federal que reconsiderasse a anulação do exame uma vez que havia denúncias de que os organizadores do teste permitiram até 80% da ocupação da salas, o que fere os protocolos de distanciamento.
— É um descaso absoluto. É o que sintetiza o que ocorreu com alunos que não conseguiram fazer a prova do Enem neste domingo (17), dispensados ainda na fila. Barrados de entrar na sala de aula por conta da lotação, se sentiram desolados e desvalorizados. Os alunos foram orientados a ir para o casa e fazer a segunda aplicação, dias 24 e 25 de fevereiro — explica Geneviève.
A professora, que passou a tarde de domingo atendendo a estudantes e pais preocupados se conseguirão mesmo fazer a prova em outra data, ironizou o tema da redação.
— E a maior ironia consiste no tema de redação aplicado nesta edição do ENEM: saúde mental. Que nível de saúde mental esperar de um estudante que teve os portões de seu futuro fechados diante dos olhos, sem maiores explicações?
"Achei estranho que nem mediram minha temperatura"
A estudante Laura Randon Chapochnicoff, 19 anos, inscrita para realizar a prova do Enem e correndo a uma das vagas em Medicina, foi uma das caxienses que teve o acesso negado. Nas orientações prévias do Inep, Laura diz que em nenhum momento foi determinado que os candidatos deveriam "disputar" um lugar em suas respectiva salas.
— Eu estava acompanhando no sábado, pelo Twitter, e li que saiu uma reportagem dizendo que teria vazado a informação de que a ocupação das salas seria de 80%, ou seja, mais do que poderia, e teria sido por isso que o Inep voltou atrás e limitou o número de pessoas em sala de aula — explica Laura.
A estudante tinha prova marcada para domingo, no Bloco F, sala 103, da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Ela diz ter chegado às 12h40min, já que a prova estava marcada para às 13h.
— Na entrada do prédio, me pediram para passar álcool gel, mas achei estranho que nem mediram a minha temperatura. Fui procurar a minha sala e não me deixaram, porque disseram que estava lotada. Me orientaram para procurar a sala da coordenação. Lá, me deram o telefone do Inep para ligar e avisar do ocorrido. Liguei no Inep e disseram que só iriam atender nesta segunda-feira, a partir das 8h. Quero só ver como vai ser, porque o Brasil inteiro vai ligar — diz, indignada.
"Inep, vocês falharam na única função que vocês tinham"
Esse é o desabafo da estudante Júlia Cardoso dos Reis, 22, que concorria a uma vaga para Medicina via Enem, mas foi impedida de acessar a sala de aula onde faria a prova . O relato de Júlia é muito parecido ao de Laura Randon Chapochnicoff.
Júlia foi barrada por volta das 12h40min, na porta da sala 603, no sexto andar do Bloco G da FSG. Ela diz que nas orientações prévias não havia nenhuma informação sobre o limite de candidatos em cada sala.
— Nós sabíamos que deveríamos entrar até as 13h. Eu chegaria na minha sala, independentemente se seria meia hora ou uma hora antes do horário e teria lugar. Não tinha nenhuma orientação dizendo que eu precisava chegar mais cedo para "garantir" o meu lugar — revela Júlia.
A estudante foi encaminhada para a sala da coordenação, onde precisou assinar uma lista com seus dados, e foi informada que deverá se preparar para uma prova a ser realizada em fevereiro.
— Não sei quando, nem onde, nem como vão entrar em contato com a gente — reclama.
Em sua postagem nas redes sociais, a estudante cita o conceito de governo baseado nos pensadores John Locke (filósofo inglês, 1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (filósofo suíço, 1712-1778), em que defende: "O governo, como relembram nossos queridos Locke e Rousseau, está a favor do povo, para o povo e pelo povo".
— As pessoas do Inep e do governo têm de entender que elas lidam com nossos sentimentos e nossas expectativas. Não se trata apenas de leis e decretos, mas da subjetividade das pessoas envolvidas. Quando se trata de educação, elas deveriam perceber que lidam com sonhos e com o futuro das pessoas — argumenta Júlia.
Contraponto
A reportagem de GZH entrou em contato com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) questionando a situação, que não foi pontual, segundo relatos disponíveis nas redes sociais. Até o fechamento desta reportagem, o Inep não havia se manifestado.