Ao olhar de cima do morro da Praia Grande, em Torres, no Litoral Norte, em direção a faixa de areia é difícil acreditar que se vive uma pandemia. De longe, cadeiras e guarda-sóis coloridos lotam a beira-mar. Mesmo com um dia de tempo encoberto, crianças correm para a água, enquanto os adultos as observam, sentados ao sol. Ambulantes vendem picolés, óculos, caipiras, pastéis, biquínis, vestidos e acessórios. Esse era o cenário na manhã desta quinta-feira (14) em uma das cidades litorâneas mais procuradas do Rio Grande do Sul.
Em meio ao crescente número de casos de coronavírus no Estado, a maioria dos veranistas tenta manter o distanciamento. As cadeiras ficam próximas apenas de amigos e familiares com quem convivem e há espaço entre os grupos. Contudo, basta olhar rapidamente para a multidão para perceber que ignoram uma das principais medidas de segurança para evitar o contágio: o uso da máscara. Mesmo assim, eles se esforçam para mudar hábitos. Um deles é levar para a beira da praia, cada vez com mais freqüência, caixas térmicas ou de isopor para evitar comprar comida e bebida nos quiosques ou de vendedores ambulantes.
A engenheira civil Priscila Jacobsen, 30 anos, é natural de Charqueadas. Ela estava acompanhada dos pais, a psicóloga Michele Jacobsen, 47, e o petroquímico Paulo Jacobsen, 50. Ela e o pai estavam sem máscara, enquanto a mãe seguia usando. As duas contam que respeitam as medidas de segurança e mudaram hábitos para evitar o contágio de covid-19.
- Eu uso a máscara sempre. No trajeto do apartamento para a praia usei, e só tirei quando sentei na cadeira aqui na areia porque estamos em família e me sinto segura. Procuramos ficar distantes e se estivesse mais cheio íamos procurar outro lugar para manter o distanciamento. Mesmo com o pessoal sem máscara, aqui em Torres há mais respeito. Estive na Praia do Rosa (SC) em novembro e, assim que vi tanta gente na praia, fui embora. Temos que nos cuidar - afirma Priscila.
Michele ressalta que nem se deu conta que estava de máscara porque faz parte da rotina. Ela destaca ainda que um novo hábito é evitar comprar bebidas e comidas à beira-mar. Para isso, a família optou por levar lanches em uma caixa térmica:
- Estamos evitando comprar comida e trazer a maior parte de casa para reduzir o máximo de contato e nos proteger.
O marido até comprou uma caipira. Mas, para buscar a bebida, colocou a máscara.
- Eu me sinto seguro aqui no nosso espaço porque somos da mesma família. E tem essa distância que considero segura e a brisa do mar, que acredito que ajude também. Comprei a caipirinha e usei a máscara porque sei que é importante - diz ele.
Já o vendedor que fez a caipirinha estava sem máscara. Ele prepara a bebida no carrinho e o cliente retira o copo. Agnaldo Gomes, 45, alega que fica difícil se comunicar com os clientes usando a proteção no rosto:
- Eu tirei a máscara para poder falar com os clientes e vender. Os clientes não se importam, eles querem tomar uma boa caipira e relaxar.
Sobre as vendas, ele conta que estão boas, mas ainda muito abaixo em comparação ao ano passado:
- Começou a melhorar, mas com esse vírus muitas pessoas têm trazido as coisas de casa. É complicado.
Olga Terezinha Lentes Baltazar, 65, precisou colocar um vidro no quiosque para que a prefeitura liberasse o funcionamento. Para ela, a pandemia impactou as vendas e, mesmo com praias cheias, ela tem vendido pouco.
- Colocamos o vidro e investimos para poder abrir dentro das normas. Voltei a abrir no Natal, mas o movimento está muito abaixo do ano passado. Mesmo que tenhamos álcool gel, máscaras e todas as medidas, os veranistas têm medo do contágio e estão trazendo comida e bebida de casa. Para evitar pegar o vírus eles evitam comer o que vendemos aqui - lamenta.
Respeito às regras e cuidado um com o outro
O casal Ademir Nunes, 67, e Elizabeth Figueiredo Nunes, 69, caminhavam pela beira-mar, com os pés na água e de máscara. O administrador de empresas e a bibliotecária estavam com as cadeiras e o guarda-sol mais próximos ao Rio Mampituba, no final da praia.
- Estamos caminhando e admito que é um incômodo usar. Incomoda mesmo, atrapalha, mas temos que respeitar os outros e a nós mesmos. Somos do grupo de risco e temos que ter esse cuidado conosco. Mesmo com todo o cuidado, eu me sinto 85% seguro porque em um descuido podemos nos contaminar. Vamos ao mercado e parece que, por não poder coçar o olho, ele coça insistentemente e se você tocar em um produto e ele estiver contaminado e tu esqueceres esse detalhe, tu vais coçar o olho e podes se infectar. Temos que estar atentos. Sempre nos cuidando - ressalta ele.
A bibliotecária concorda:
- Na entrada da praia tem um aviso: uso obrigatório de máscara. Eu respeito as regras, por isso vou usar para cuidar de mim e dos outros. Mantemos distanciamento, usamos máscara e nos cuidamos.
Distanciamento
As irmãs Elizabeth Lima Traub, 50, e Cintia Lima Traub, 39, também evitam ficar perto da multidão. Elas sempre gostaram de ficar nas pedras, na grama, mais afastadas da areia. Com a pandemia, o hábito virou ainda mais parte da rotina. Elas só se aproximam do mar na parte em que a praia está mais vazia. As duas estavam com a cachorrinha de estimação Aicha, de três meses.
- Ficamos na grama, usamos máscara e temos evitado ficar em ambientes com muitas pessoas, mesmo aberto. Temos evitado esse contato e ficado mais longe porque tem muita gente sem máscara - afirma a psicopedagoga Elizabeth.
A irmã, que é massoterapeuta, concorda:
- Com todos esses casos, queremos distância de aglomerações. Ficamos aqui nas pedras, longe e mais tranqüilas, afastadas da multidão.
Receio do comportamento dos turistas
Sentados mais para a frente, perto das irmãs, chamava a atenção um grupo de veranistas. Eles se destacavam na grama, em meio aos demais, por estarem de máscaras. O casal Elida e Alfredo Tamborsk, ambos de 70 anos, estavam com a amiga Alexandra Nunez, 76, e a sobrinha Cristiane Rech, 45. Os dois moram em Torres há dois anos e Alexandra, há 40.
- Sempre ficamos aqui na grama, esse é o nosso lugar, mas claro que agora evitamos a areia. Temos muito medo porque os visitantes não respeitam nosso espaço, nossa cidade. Eu não falo só da covid-19, não, porque eles deixam um rastro de desrespeito com tudo. É lixo no chão, sujeira... Não usam máscara e são mal educados - diz Elida.
A amiga complementa:
- Me cuido e evito sair. Deixei de ir caminhar, algo que adoro, e de ir para a academia. Venho para a beira da praia, mas fico de máscara. A cidade inteira está cheia e temos que ter esse respeito um com o outro.
A advogada Cristiane Rech, 45, veio de Porto Alegre para veranear com os tios. Ela já foi infectada, e sabe a importância de usar a máscara.
- Eu tive covid em novembro, mas mesmo assim eu uso a máscara para proteger meus tios, minha filha e quem eu amo. É preciso usar.
Vendedores reclamam de queda nas vendas
Centenas de vendedores ambulantes caminham em meio aos veranistas tentando chamar a atenção para os produtos que tem à venda. Eles percorrem a praia em Torres, de ponta a ponta, com carrinhos carregados de vestidos, biquínis, shorts, saídas de banho, cangas, toalhas, redes e lençóis. Há ainda os que vendem óculos, chinelos, doces, milho, salgadinhos. De dezembro a março, os vendedores ambulantes trabalham debaixo do sol e percorrem quilômetros na beira mar para tentar tirar o sustento da família ou garantir uma renda extra.
Com a pandemia de coronavírus, a situação deles tem sido complicada. Alguns são moradores de Torres ou de cidades da região, e outros saem dos municípios onde moram, alugam casa e precisam se puxar nas vendas para não ter prejuízo.
É o caso de Wilza de Oliveira, 36 anos. Ela saiu de Lajeado para passar a temporada trabalhando em Torres, como fazia nos anos anteriores.
- Vendo biquínis e até agora não vendi o que consegui vender nos três últimos dias de 2019. Não sei o que vamos fazer, não conseguimos tirar nem a metade. Investimos na mercadoria, nos mudamos para cá, e tem os R$ 2 mil do alvará. Sinceramente eu não sei o que vamos fazer. Vai ficar na história como o pior verão de todos em Torres - acredita ela.
Outro vendedor de biquínis, de 32 anos, que prefere não se identificar, ressalta que vai ficar devendo ao invés de conseguir lucro.
- Saí cedo e caminhei da Guarita até o Mampituba para vender três peças. No verão passado eu vendia de 15 a 20 peças por dia. Só por Deus, eu não sei o que fazer - lamenta.
Maria Garcia 50 anos, também desabafa:
- Esse ano não vendemos nada e temos que pagar o aluguel da casa que alugamos aqui e mais a comida. Daqui uns dias vamos ter que escolher ou moramos ou comemos porque não conseguimos vender nada.
Contraponto
De acordo com a assessoria de comunicação da prefeitura de Torres, a fiscalização está atuando, principalmente, no comércio, sendo que foram contratados mais fiscais. Eles estão atentos às medidas sanitárias e aos horários de atendimento. Há fiscais também na beira da praia para orientar os veranistas a usar a máscara e manter o distanciamento.
Contudo, como eles não tem poder de polícia para obrigar os visitantes a utilizar a proteção, têm feito um trabalho de conscientização. Eles também orientam os turistas a ficarem distantes. Em caso de aglomerações, é chamada a Brigada Militar (BM).