O serviço de assistência social para um município sempre foi importante, mas tornou-se indispensável diante dos impactos econômicos e sociais causados pela pandemia desde março de 2020. O aumento do número de famílias de Caxias do Sul em situação de vulnerabilidade pode ser medido pela lista do Cadastro Único (CadÚnico) — por meio do qual as pessoas conseguem acessar os programas de auxílio e diferentes serviços de amparo. Até março, Caxias tinha cerca de 14 mil cadastrados. Atualmente, o número passa de 25,5 mil.
Mesmo com um plano para minimizar o agravamento da desigualdade social na cidade, a Fundação de Assistência Social (FAS) de Caxias do Sul acredita que a situação poderá se agravar ainda mais, com o aumento da pobreza — e de cadastrados —, em função do fim do auxílio emergencial, benefício que vinha sendo repassado pelo governo federal às pessoas que perderam ou tiveram redução de renda em função da pandemia.
É neste contexto que ocorre a troca de gestão municipal, encabeçada pelo prefeito eleito Adiló Didomenico e a vice Paula Ióris, ambos do PSDB, que indicaram a pedagoga Katiane Boschetti da Silveira, 34 anos, para liderar a assistência municipal. Instrutora de Justiça Restaurativa e consultora em prevenção e resolução de conflitos, ela assume a partir de 1º de janeiro de 2021 a presidência da FAS, retornando com mais experiência ao serviço onde iniciou a trajetória profissional — em 2004, aos 17 anos — e trabalhou até 2012.
— A assistência social mudou a minha vida. Eu entrei como estagiária, cursando Matemática, mas acabei trocando para licenciatura em Pedagogia e escolhi a área social para atuar. Na FAS me tornei pessoa, profissional e mãe, porque foi onde me deparei com a vida de verdade — relata Katiane, que após dois anos de estágio, foi contratada como educadora, passando depois a coordenar um dos serviços de convivência na Zona Norte da cidade.
A saída da FAS, em 2012, teve uma causa nobre: a participação na implementação do Programa Municipal de Pacificação Restaurativa - Caxias da Paz, que resultou de uma parceria entre a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Segurança Pública e de Proteção Social; o Poder Judiciário; a Universidade de Caxias do Sul (UCS) e a Fundação Caxias. De 2016 a 2018, Katiane coordenou o programa de formação que capacitou mais de mil voluntários para atuarem na prevenção e resolução de conflitos.
Além disso, desde 2013 é docente da Escola Superior da Magistratura - Ajuris RS e do Tribunal de Justiça (TJ-RS). Antes da pandemia, ela também mantinha viagens pelo Estado e fora dele, ministrando cursos de justiça restaurativa e círculos de construção de paz.
Katiane acredita que a experiência adquirida ao longo da trajetória de atuação social, aliada à formação em pedagogia e especialização (em andamento) em prevenção e posvenção (cuidado prestado aos sobreviventes enlutados) em suicídio, poderão colaborar para o trabalho que ela pretende desenvolver como presidente da FAS.
— A assistência social também é um processo educativo. O ideal é que ela seja passageira na vida das pessoas, garantindo o acolhimento da vulnerabilidade, com um serviço que perceba as verdadeiras necessidades e possa assistir a família naquilo que ela realmente precisa. E que também possa empoderar pessoas para que sigam sozinhas. Isso é pedagógico — afirma.
Cinco desafios à nova presidente
1. Manter o serviço durante a pandemia
"A assistência, por si só, é um desafio, porque quem a procura está fragilizada, em situação de vulnerabilidade que não tem apenas cunho financeiro, mas pode ser pela ausência de vínculos, de pertencimento social, ou temporária, como ocorre agora na pandemia. O desafio é garantir o atendimento aquedado às famílias, mantendo os servidores e usuários protegidos. Não podemos reduzir e/ou parar o trabalho neste momento que mais se faz necessário.”
2. Atender às necessidades das pessoas em situação de rua
“Caxias é uma cidade muito solidária, com muitas ações voltadas às pessoas em situação de rua. A proposta é olhar para as iniciativas isoladas e convida-las a somar esforços às iniciativas públicas, buscando criar um fluxo que fortaleça o que já vem sendo realizado, aprimorando assim os encaminhamentos e cuidados.”
3. Amparo interligado às famílias
"A diminuição de empregos e outros agravantes exigem uma ação intersetorial, entre políticas públicas do município. Uma família que está na assistência também é atendida pela Saúde, pela Educação... A ideia é fortalecer e aprimorar isso. Inclusive com o uso de tecnologias digitais, porque quando trabalhamos em rede unimos esforços e ganhamos em recursos humanos e carga horária. Além disso, quando trabalhos juntos, inclusive incluindo a própria família, conseguimos ampliar o olhar sobre a situação, elaborar um plano conjunto e dividir responsabilidades. A chance de sanar a necessidade e empoderar a família é muito maior".
4. Foco na atenção básica
"Pretendo fortalecer o trabalho de proteção básica, que é prevenção, buscando evitar que a família migre para a média e alta complexidade. Quando a gente não consegue olhar no momento em que ela precisa, essa família pode passar de uma questão financeira pra outras situações mais sérias, envolvendo violências. Para isso, é preciso um aumento de recursos humanos e readaptação do trabalho da ponta".
5. Conscientização da responsabilidade social
"Este seria um convite à comunidade, para que exercite o olhar de interconexão. Não podemos nos livrar de nada nem de ninguém, é preciso ver o que tem por trás de cada situação. A comunicação não violenta e a justiça restaurativa nos convidam a este olhar, que vai além do fato em si. É a conscientização. Atrás dos atos violentos tem necessidades não atendidas. É comum a terceirização da responsabilidade. É o momento. Temos como exemplo a pandemia, a minha ação tem impacto direto na vida do outro. Cada indivíduo é parte de uma mesma sociedade. Precisamos nos perceber como parte de um todo”.