Cerca de nove mil pessoas das 66.214 que constam no Cadastro Único, em Caxias do Sul, receberam o auxílio emergencial nos últimos nove meses. Esse dado repassado pela FAS tem como base a lista de nomes de beneficiários na cidade. O programa do governo federal foi destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI) e autônomos que perderam totalmente ou tiveram redução de renda durante a pandemia.
Os beneficiários receberam parcelas que variaram de R$ 600 a R$ 1,2 mil mensais (mulheres chefes de família recebiam o dobro) na primeira etapa e de R$ 300 a R$ 600 na segunda fase. Com o fim dos repasses em dezembro, a Fundação de Assistência Social (FAS) prevê que o cenário de pobreza deve se agravar na cidade.
No Cad Único, as famílias são divididas por faixas de renda, com teto de três salários mínimos (o mesmo utilizado para pagamento do auxílio). Dessa forma, elas têm acesso aos programas de assistência e benefícios do governo federal. Das 25.559 famílias inscritas no cadastro, em Caxias, o percentual maior (33%) vive em extrema pobreza, com nada de renda ou até R$ 89 mensais por pessoa. A tendência é de que esse percentual aumente. Se considerarmos, ainda, que uma parte não contabilizada dos beneficiários do auxílio não estavam no cadastro, é possível projetar uma nova demanda por vir.
– O que percebemos é que vai haver um aumento gradativo de pessoas em situação de vulnerabilidade social, que precisarão do cadastro único para acessar os programas do governo federal, assim como a diminuição das tarifas de água e de luz, que são os benefícios imediatos que a pessoa pode ter. Com o fim do auxílio emergencial, algumas famílias não vão ter nenhuma entrada financeira no seu orçamento e muitas delas vivem em lugares cedidos ou alugados. Nós estamos prevendo muitas ações de despejo, formal ou informal. Acreditamos que haverá aumento da população de rua, de pessoas que solicitarão auxílio passagem para voltar às cidades de origem, da necessidade de alimento e a diminuição por parte das famílias da capacidade de prover a sobrevivência – analisa Ana Luiza De Bona Castellan Esquiam Viganó, coordenadora da Atenção Básica da Fundação de Assistência Social (FAS).
Durante a vigência do auxílio emergencial, uma pessoa contemplada e que recebia o Bolsa Família, por exemplo, em valor inferior ao do auxílio, passou a receber o mais vantajoso. Agora, ela voltará ao valor anterior. Mas, a expectativa, é que muitas pessoas que não tinham nenhum tipo de benefício devem procurar pelo cadastro. Caxias tem 8.751 famílias beneficiadas no Bolsa Família, acima do teto de 8,7 mil previsto pelo Censo para o município. Isso também preocupa a FAS, já que não há garantia de inclusão de novas famílias. O valor médio pago na cidade é de R$ 43,93. Mesmo assim, a orientação é para que as pessoas procurem o Cadastro Único na Rua Os Dezoito do Forte, 1.222, bairro Nossa Senhora de Lourdes. O telefone é o (54) 3201-7800. Ou ainda, busquem um dos seis Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) localizados nas diferentes regiões da cidade para se informar sobre as possibilidades de benefícios.
As 25.559 famílias do Cad Único em Caxias e a renda mensal:
:: De R$ 0 até R$ 89 - 8,5 mil famílias (33%)
:: De R$ 89,01 até R$ 178 - 3.020 famílias (12%)
:: De R$ 178,01 até 1/2 salário mínimo - 6.809 (27%)
:: Acima de 1/2 salário mínimo - 7.230 (28%)
*Fonte: Dados do Cadastro Único em Caxias do Sul
Auxílio emergencial garantiu sustento de quem perdeu a renda
Antes de a pandemia de covid-19 chegar à Serra, Carla Mutti, 47 anos, tinha uma remuneração fixa de R$ 1,3 mil mensais. Ela trabalhava todos os dias da semana, meio-expediente, cuidando dos cães de uma família que tinha estabelecimento comercial no ramo da alimentação. Com casa própria, sem gastar com aluguel, ela conseguia pagar as contas e as despesas pessoais. Ainda fazia um ou outro serviço no turno em que ficava em casa. Quando o coronavírus se espalhou, o empreendimento interrompeu atividades e os empregadores não puderam mais manter os pagamentos. Carla se viu sem trabalho. A renda caiu a quase zero. Cortou o que foi possível, mas não tinha como quitar compromissos básicos, como água, luz e o telefone, necessário por causa do trabalho. A mãe ajudou com alimentação. Mesmo assim, Carla conta que passou dias muito difíceis:
– Já passei comendo ovo ou pipoca, porque não tinha... Nunca me vi em uma situação dessas, em toda minha vida, de não poder comprar comida. Precisei do auxílio da minha mãe.
Nesse momento, ela procurou o Cadastro Único. Preencheu os dados, passou por entrevista e obteve a primeira conquista: tarifa reduzida de energia elétrica. Também solicitou o auxílio emergencial e conseguiu. Foram cinco meses de R$ 600 e outros quatro meses de R$ 300, cuja última parcela recebeu neste mês. Ela tem um curso para atender em farmácias e tentou muito uma vaga na cidade, mas sempre esbarrou na falta de experiência. Até mesmo a redução obtida na conta de luz está com os dias contados – era válida por seis meses.
Outro benefício que pode ser obtido junto à FAS é o fornecimento de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade social. Porém, a entrega feita em parte por itens adquiridos pela fundação conta muito com as doações da comunidade. Os dados repassados pela FAS mostram que houve um pico de entregas em agosto, com mais de 10 mil cestas, seguido de uma queda sequencial nos meses seguintes, justamente porque os donativos diminuíram. Para receber as cestas é preciso se enquadrar em alguns critérios, aos quais Carla não se encaixou e, portanto, não conseguiu a ajuda na alimentação. A saída foi buscar alimentos mais baratos na feiras que vendem produtos a R$ 2.
Carla segue fazendo serviços, quando surgem, de banho e tosa de animais e passeios com cães, mas ainda não sabe como vai viver a partir de janeiro do ano que vem, sem o dinheiro do programa do governo federal.