A cruz inclinada, quase caindo do topo do campanário da Capela de São Roque, no distrito de Fazenda Souza, em Caxias do Sul, marca a passagem do tempo pela construção de madeira que um dia já serviu como um espaço de fé para a comunidade. Tombada como patrimônio histórico do município em 2003, a antiga capela sofre, há pelo menos 15 anos, com deteriorações na estrutura. Agora, um inquérito civil instaurado pelo Ministério Público a partir de uma denúncia recebida em setembro deve apurar a situação de abandono em que o imóvel histórico se encontra e, mais importante, apontar os próximos passos para uma possível restauração.
Ao visitar a pequena capela, às margens da via principal que liga a área urbana de Caxias ao local onde será construído o Aeroporto Regional, em Vila Oliva, é possível ver severas danificações. Traços de infiltrações, apodrecimento da madeira, telhas tortas, vidros quebrados, paredes descascadas. Parte da construção, na qual cabiam cerca de 100 pessoas, está literalmente tombando.
— Enviamos um oficial para avaliar a situação e a deterioração foi, de fato, constatada. Agora instauramos o inquérito civil para, primeiramente, ouvir a prefeitura e a Mitra Diocesana para saber se há algum planejamento referente à restauração. O propósito é buscar que sejam adotadas medidas de manutenção e conservação do bem — afirma a promotora de Justiça Janaina De Carli dos Santos.
A Capela de São Roque foi inicialmente construída em Vila Oliva, sendo desmontada e reconstruída na localidade atual, quando Vila Oliva ganhou uma nova igreja. Uma inscrição de 13 de janeiro de 1936 na estrutura indica que ela pode ter sido levantada originalmente há 84 anos. Segundo estimam os moradores da região, a capela foi instalada em São Roque há cerca de seis décadas. Lino Antonio Rech, membro do Conselho Comunitário de São Roque desde 2018, diz que as terras que abrigam a capela, o salão comunitário e o campo de futebol foram doadas por Honorino Fiorio, o sogro dele.
O templo religioso pertence à Paróquia de Nossa Senhora da Saúde, em Fazenda Souza, que integra a Congregação de São José - Josefinos de Murialdo e está vinculada à Mitra Diocesana. São seis casais que fazem parte do Conselho Comunitário de São Roque. De acordo com Rech, tesoureiro do conselho, a comunidade chegou a realizar uma assembleia pedindo uma nova igreja, entre 2002 e 2003. Uma vez que o local acabou sendo tombado, não se podia mais mexer na estrutura da capela, restando como solução o restauro, processo caro e que precisa ter projeto arquitetônico aprovado pela prefeitura.
Não conseguindo realizar as celebrações na capela danificada, os fiéis retiraram os santos do local e os colocaram no salão comunitário, bem ao lado da capela, onde realizam as missas até hoje. O cenário, que era temporário, chegou a ganhar, neste ano, uma configuração mais próxima de uma capela, montada no segundo pavimento. No dia em que a reportagem esteve no local, o morador Hélio Pasquali, 65 anos, fazia algumas melhorias no espaço. Acompanhado pelo filho, ele instalava corrimões de madeira na escada do salão.
— A gente quis fazer uma nova (capela) no lugar, mas não foi permitido. Saímos inicialmente porque o assoalho estava com problema, depois chegaram a fazer alguns reparos, mas não é permitido reformar, apenas conservar. É triste ver ela assim, porque realmente era uma igreja muito bonita — comenta o morador, que semanalmente frequenta as celebrações da comunidade.
Rech conta que os fiéis de São Roque continuam com a expectativa de ganhar uma nova igreja ou ver a antiga restaurada, em condições para receber cerimônias de importância para a região, como missas e batizados. Enquanto a ideia não se concretiza, os ritos precisaram trocar de endereço, sendo realizados no salão comunitário.
Essa não é a primeira vez que o Ministério Público ajuíza ações para apurar o estado de abandono do imóvel. Segundo registros da Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (DIPPAHC), o município precisou realizar obras emergenciais no local por volta de 2005, envolvendo a desinclinação, fechamento de aberturas e substituição de telhas, pilares e parte do assoalho. À época, conforme os documentos, também foi feita a substituição da parte inferior do campanário, danificada por incêndio decorrente de vandalismo. No entanto, apesar dos registros da DIPPAHC, alguns moradores afirmam que não viram mudanças e que as obras foram mais o que eles chamam de "tapeação".
Em 2006, em resposta a uma ação civil do Ministério Público, representantes da Mitra Diocesana disseram, em documento, que não dispunham de condições financeiras para o restauro da capela. No ano seguinte, um despacho movido pela comunidade intimou o município a assumir a responsabilidade das obras. Em outubro de 2018, uma proposta de intervenção e restauro, assinada por arquitetos contratados pela Mitra Diocesana, chegou a ser aprovada pela DIPPAHC. O projeto não saiu do papel e, de lá pra cá, a deterioração avançou sobre a capela, que, segundo Pasquali, está de portas fechadas há cerca de 10 anos.
Como em boa parte dos processos que buscam reformar espaços históricos, o maior desafio para o restauro da Capela de São Roque envolve dinheiro. Os documentos de 2006 e 2007 já atestavam a dificuldade da comunidade em encontrar recursos para o financiamento da obra. Segundo Rech, a região só realiza uma festa por ano, ocasião em que se levantam valores para pagar a luz e a água do local. Com a pandemia, o único evento de arrecadação precisou ser suspenso.
Arquiteta da DIPPAHC, Rosana Guarese explica que a manutenção dos locais tombados pelo município cabe ao proprietário. No caso da Capela de São Roque, trata-se da própria Mitra Diocesana. Conforme a arquiteta, é possível usar os índices construtivos do tombamento para financiar a restauração, caso ocorrido recentemente com a Cantina Pão e Vinho.
— Quando um imóvel é tombado, o proprietário tem direito a índices construtivos. Esse recurso serve para que ele consiga executar o restauro com recursos oriundos do tombamento. A quantidade é calculada no momento do tombamento. Há um cálculo específico para cada imóvel, por comissão técnica — esclarece Rosana.
A reportagem entrou em contato com o setor de documentação da Mitra Diocesana, que informou não ter nenhum processo aberto sobre o assunto. Por enquanto, de acordo com a promotora Janaina, apenas o município foi contatado pelo Ministério Público - um ofício foi enviado à prefeitura em novembro. A promotoria aguarda resposta para dar continuidade aos próximos passos da apuração. O prazo para a resposta da prefeitura se encerra ao fim desta semana.