Embora as internações por coronavírus chamem a atenção nos hospitais, esse não é o único motivo para se estar em uma UTI. Acontecimentos inesperados como acidentes e cirurgias continuam levando pessoas a buscarem atendimento médico. Nesse cenário, uma das preocupações é a baixa nas doações de sangue em Caxias do Sul, tanto no Banco de Sangue, que atende o setor privado, quanto no Hemocentro, que fornece as doações para a rede pública. No Banco de Sangue, por exemplo, todas as tipagens estão com estoques abaixo da média: na última semana, os índices do tipo O-, o doador universal, chegavam a 80% a menos do normal. A preocupação também se estendia aos tipos O+ (60% abaixo da média), A+ (20% abaixo da média) e A- (10% abaixo da média).
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Banco de Sangue de Caxias do Sul precisa de doações
Entenda por que as doações de sangue são seguras na pandemia
Segundo a gerente de captação do banco, Franciele Roso, junho já é um mês histórico de baixa nas doações por conta do inverno. Além do frio, o contexto de pandemia e o endurecimento das medidas de prevenção fizeram com que menos pessoas procurassem o Banco de Sangue. No entanto, Franciele garante que o procedimento segue todos os protocolos de segurança. Além da divisão das salas, disponibilização de álcool gel e higienização frequente das poltronas, as equipes estão agendando horários de atendimento para evitar aglomerações (saiba como agendar ao final da reportagem).
Ainda, de acordo com a diretora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Lessandra Michelin, o vírus não tem transmissão sanguínea, apenas respiratória, o que permite que as pessoas continuem doando neste período. A importância da doação é essencial e é graças a ela que pacientes como Daniela têm a chance de recuperar a vida.
"A gente nunca imagina que vai precisar"
De férias no litoral em janeiro deste ano, Daniele Mazzuchini não fazia ideia do diagnóstico que receberia em três meses. Com apenas 27 anos e sem qualquer outro sinal óbvio, a psicóloga só começou a suspeitar que havia algo diferente quando passou a sentir fraqueza no corpo. Com uma forte anemia, ela buscou atendimento em um hospital de Caxias do Sul. Após a primeira reposição de sangue, passou por uma endoscopia, exame por meio do qual a equipe médica detectou uma úlcera hemorrágica.
Parte da úlcera foi cauterizada, parte foi enviada para biópsia. Em abril, veio o resultado: era um tumor neuroendócrino no duodeno, região do intestino onde ocorrem cerca de 80% do processo digestivo nos seres humanos. Apesar do tumor não ser maligno, Daniele explica que o caso é bastante raro:
— No início foi bem difícil de lidar — relembra. — Tive medo do diagnóstico, medo da cirurgia. Aos poucos fui aceitando melhor. Trabalhei isso bastante comigo mesma.
Em 23 de junho, a jovem passou pelo que os médicos chamam de duodenopancreatectomia. É uma cirurgia que consiste na retirada de parte do pâncreas e do intestino. A operação durou sete horas e fez com que Daniela ficasse três dias na UTI. Entre sangue e plasma, ela precisou de sete bolsas de transfusão.
Antes mesmo da cirurgia, o procedimento era esperado pelos médicos, então, dias antes de ser internada, Daniela foi até o Banco de Sangue realizar a tipagem. Ela também recebeu a orientação de pedir a amigos e familiares que fossem até o local doar sangue, numa espécie de corrente de retribuição. Hoje, em casa, a jovem diz que, se não houvesse as doações que recebeu durante a recuperação, ela não estaria viva:
— É uma ação simples que salva muitas vidas — afirma. — A gente nunca imagina que vai precisar e, quando menos espera, se vê nessa situação.
Questionada sobre o que diria se pudesse conhecer seus doadores, Daniela revela que o sentimento maior é o de gratidão:
— Salvou minha vida — finaliza.
"Doar sangue é continuação da vida"
A gerente de captação do Banco de Sangue Franciele Roso explica que, embora dos 18 aos 60 anos seja a faixa etária para se realizar a primeira doação, pessoas de 60 a 69 que apresentem boa saúde podem continuar doando. É o caso do advogado Jorge Varella Moreira, 64 anos, doador há mais de 40.
Natural de Bom Jesus, Jorge veio morar em Caxias em julho de 1978. Logo que chegou ao município, começou a trabalhar na antiga Metalúrgica Abramo Eberle, onde um dos colegas estava precisando de transfusão. Jorge se prontificou a ajudar. Entretanto, esse não era o primeiro contato dele com a doação de sangue. A primeira inspiração veio da tia Rosa Varella, 89 anos, que também foi doadora.
Outra das motivações de Jorge também vem da família: um sobrinho que nasceu com os canais biliares invertidos — uma grave condição hepática — e que hoje, aos 30 anos, vive bem após ter recebido um transplante, obtido depois de anos na fila de espera.
— Acho que tenho que pagar, de alguma maneira, o bem que Deus me deu — acredita.
Jorge, que também é doador de órgãos e seria de medula, não fosse pelo limite de idade (55 anos), perdeu uma sobrinha para o câncer há dois anos. Considerada por ele uma filha do coração, Janaína teve as córneas doadas.
— Hoje tem duas pessoas que estão enxergando através dos olhos dela. Tu imagina o que é abraçar alguém e ouvir o coração da tua filha? — emociona-se o advogado, que explica que a família só não doou outros órgãos em razão das condições de saúde de Janaína.
Se pudesse encontrar os pacientes que continuaram a viver graças às doações que fez ao longo da vida, Jorge comenta que daria neles um abraço apertado:
— E diria que estou feliz por estarem bem, como eu estou. Por que não (doar)? É continuação da vida. Por isso eu doo sangue.
"Grata estou eu por poder ajudar"
Outra faixa etária que, segundo a equipe do Banco de Sangue, tem se mostrado motivada a contribuir é a dos 17 anos. Com autorização dos pais, é possível ser um doador também. Mas, para Érica Ballardin, a autorização não foi necessária. Bem no dia em que completou 18 anos, a estudante de São Marcos embarcou em uma van do Banco de Sangue rumo à sua primeira doação, em Caxias. A iniciativa havia sido anunciada em meios de comunicação da cidade e o convite partiu de uma amiga. Érica, que sempre sentiu vontade de doar, conta que a ideia uniu o útil ao agradável.
— Eu até já sabia meu tipo sanguíneo. E o processo foi muito tranquilo! A equipe foi muito gentil e profissional, da recepção à coleta. Quando souberam que era meu aniversário, disseram "teu aniversário é hoje, mas quem ganha o presente somos nós". As meninas acertaram minha veia de primeira e, depois da picada, eu pensei "foi só isso? Não doeu nada!" — recorda a jovem, que diz querer seguir doando sangue. — Eu posso precisar um dia, por que não?
Ao ser convidada a imaginar o encontro com o paciente beneficiado com sua doação, Érica declarou:
— Eu falaria que não foi nenhum problema pra mim. Grata estou eu por poder ajudar. E feliz que ele(a) possa se recuperar com meu sangue. Sangue eu tenho muito! — observa, entre risos, confirmando sua crença de não haver razões para não doar.
Alô, torcedores!
Uma ação especial do Banco de Sangue em alusão ao Dia Nacional do Futebol, comemorado no dia 19 de julho, inspira torcedores do esporte a se tornarem doadores. Do dia 13 ao 18, basta comparecer ao Banco de Sangue vestindo a camisa do time ou carregando algum objeto que o represente. A iniciativa é uma parceria com o Caxias e as torcidas Falange Grená e Rosa Grená, o Juventude e as torcidas Mancha Verde e Loucos da Papada, os times feminino e masculino do Brasil de Farroupilha, o Movimento Gremista, o Consulado Geral e o Consulado Feminino do Grêmio de Caxias do Sul, o Consulado do Sport Clube Internacional em Caxias do Sul e as torcidas Camisa 12 e Guarda Popular Caxias, a equipe de futsal feminino Olimpia e a Torcida Jovem de Caxias do Sul.
Como doar
Localizado na Rua Garibaldi, 476, Centro, o Banco de Sangue atende de segunda à sexta-feira, das 7h30min às 13h30min, e aos sábados, das 7h30min às 12h. Para evitar aglomerações, doações devem ser agendadas pelos telefones (54) 3027-8600 ou (54) 99113-4710. Os dois números também funcionam no WhatsApp. Para as empresas que quiserem contribuir, é possível agendar um horário por meio do projeto Kombosa do Bem. O transporte, realizado com uma Kombi, faz viagens gratuitas com grupos de até quatro pessoas.
Requisitos para ser um doador
:: Ter entre 18 e 60 anos
:: Pesar mais de 50 quilos
:: Não estar em jejum
:: Evitar alimentos gordurosos nas três horas que antecedem a doação
:: Não fumar duas horas antes da doação e não ingerir bebida alcoólica nas últimas 12 horas
:: Apresentar documento oficial com foto
:: Mulheres podem doar três vezes em 12 meses
:: Homens podem doar quatro vezes em 12 meses
O que impede a doação
:: Tatuagem ou maquiagem definitiva há menos de um ano
:: Resfriado ou gripe (você deve aguardar 15 dias após o término dos sintomas)
:: Endoscopia, colonoscopia, broncoscopia há menos de seis meses
:: Ter doado sangue em menos de 60 dias (homens) e 90 dias (mulheres)
:: Ter herpes
:: Estar com alergia em crise (asma, rinite ou urticária)
:: Piercing em região genital ou oral
:: Estilo de vida que inclua uso de drogas ou sexo sem o uso de preservativo com múltiplos parceiros
Hemocentro
No Hemocentro Regional de Caxias do Sul, os estoques também estão abaixo do ideal, especialmente dos tipos A-, O+ e O-. Mesmo assim, doação de todos os tipos são bem-vindas. Os atendimentos precisam ser marcados pelos telefones (54) 3290-4543 e (54) 3290-4580 ou no WhatsApp (54) 98418-8487.
O Hemocentro fica na Rua Ernesto Alves, 2.260, ao lado da Upa Central e está aberto de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h30min às 17h30min; aos sábados, das 8h até as 12h.
Coleta de plasma convalescente na luta contra o coronavírus
Assim como o Hemocentro, o Banco de Sangue coleta sangue de curados do coronavírus para transfusão a pacientes ainda infectados. O experimento tem o intuito de destinar o material a hospitais que tiverem protocolo para o uso do plasma como alternativa na diminuição dos sintomas de doentes positivos para covid-19.
O perfil de doadores aceitos pelo banco são homens, de 18 a 65 anos, que testaram positivo para doença por meio do teste PCR. Além disso, é necessário que os doadores estejam há mais de 30 dias recuperados, sem sintomas ou infectados por outras doenças.