A prefeitura de Caxias realizou nesta quinta-feira um painel para debater o tratamento ambulatorial e hospitalar da covid-19. Embora não haja embasamento científico comprovado de que as substâncias sejam eficientes, foi discutido o uso de medicamentos como hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina e ivermectina, além da transfusão de plasma convalescente — tratamento experimental adotado no Hospital Virvi Ramos.
Quem fez a defesa mais contundente dos medicamentos foi Honório Sampaio Menezes, identificado na divulgação do painel como apoiador do grupo que definiu o protocolo Covid-RS. Em seu perfil em uma rede social, ele se apresenta como dermatologista especialista em estética que atua em São Paulo e Porto Alegre. Menezes apresentou estudos e ilustrações que demonstrariam, por exemplo, a forma como as substâncias bloqueariam a entrada do vírus nas células. Segundo ele, é necessário que seja observada a dose e o momento em que os remédios devem ser administrados.
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— A desculpa de que não tem evidência científica para a cloroquina já não cabe mais. Temos trabalhos publicados a partir de julho. O médico tem o direito de não receitar, mas ele tem o dever de mandar para quem sabe fazer — alegou.
Ele defendeu a adoção do tratamento precoce para evitar a lotação nas UTIs.
— Não tem saída. Ou faz o tratamento precoce ou não vai adiantar criar leito, isso não vai ter fim. Sempre vai ter caso de covid, mesmo daqui a 10 anos, após a vacina, que vai garantir no máximo 80% de proteção. Eu sei que isso dará prejuízo para a indústria farmacêutica que ganha com as UTIs cheias, mas tem que ser feito. No máximo, se não vai tratar o coronavírus, vai tirar as dores articulares dos velhinhos e desvermifugar em massa a população — defendeu, em alusão a outras propriedades da cloroquina e da ivermectina.
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Idésio Eliseu Volkweis, especialista em Cirurgia Torácica e titulado em terapia intensiva, defendeu a intervenção precoce para evitar a evolução da doença.
— Agora sabemos o que usar em termos de droga. Quanto mais a gente postergar o uso, mais complicado vai ser. Se tiver que apagar um incêndio numa casa, no começo é mais fácil do que quando tiver comprometido todas as paredes — comparou.
O secretário municipal da Saúde, Jorge Olavo Hahn Castro, que também esteve na reunião, afirmou que não estão previstas novas rodadas de discussão, mas que essa possibilidade não está descartada. Sobre a ausência de um especialista em infectologia no painel, Castro disse que "a covid também é uma doença que afeta os pulmões" e que a presença do dermatologista se justificou por ele ser professor de pediatria. Segundo o secretário, não há mudança na recomendação do município.
— Por enquanto, fica a decisão do médico e do paciente. O que nós vamos fornecer é o medicamento que veio do Ministério da Saúde. Não tem previsão de mais compra. O objetivo foi dar embasamento para os médicos da rede que quiserem fornecer os medicamentos com base em opiniões divergentes.
Apelo por plasma convalescente
A médica intensivista do hospital Virvi Ramos Eveline Gremelmaier fez um apelo aos colegas para que orientem os pacientes a doar plasma convalescente. Além disso, citou a eficiência do uso correto de equipamentos de proteção individual. Segundo ela, essa medida é determinante para que nenhum funcionário da UTI do Virvi Ramos tenha contraído a covid-19 até agora.
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Ela ressaltou que o tratamento precoce utilizando plasma convalescente também protegeria os profissionais que eventualmente fossem contaminados, além de ser indicado para qualquer paciente na fase inicial da doença. No entanto, como há escassez do recurso, é preciso fazer escolhas.
— O grande problema é conseguir plasma pra todo mundo. A gente tem que priorizar e normalmente opta em destinar para quem tem chance de evoluir na doença de forma mais desfavorável. Alguém que tenha muitos riscos associados é mais provável que não vai conseguir sair da ventilação mecânica, casos precise — exemplifica.
Até agora, o tratamento foi aplicado a 21 pacientes em Caxias. Sete já tiveram alta e estão em casa, seis faleceram e outros oito seguem internados em recuperação.
Sobre a cloroquina
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) emitiu nota em julho marcando posição contrária ao uso de hidroxicloroquina em qualquer fase do tratamento da covid-19. A entidade analisou dois novos estudos randomizados com grupo de controle, que se somam a pesquisas anteriores, confirmando que o medicamento não traz benefício na prevenção, nem no tratamento precoce e nos pacientes hospitalizados.
Diante as evidências, a SBI pontuou que:
:: a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19;
:: os agentes públicos, incluindo municípios, Estados e Ministério da Saúde reavaliem suas orientações de tratamento, não gastando dinheiro público em tratamentos que são comprovadamente ineficazes e que podem causar efeitos colaterais;
:: que o recurso público destinado a isso seja usado em medicamentos que comprovadamente são eficazes e seguros para pacientes com covid-19 e que estão em falta, tais como anestésicos para intubação orotraqueal de pacientes que precisam ser submetidos à ventilação mecânica, bloqueadores neuromusculares para pacientes que estão em ventilação mecânica; em aparelhos que podem permitir o diagnóstico precoce de covid-19 grave, como oxímetros para o diagnóstico de hipóxia silenciosa; em testes diagnósticos de RTPCR da nasofaringe para pacientes sintomáticos; leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), bem como seus recursos humanos (profissionais de saúde) e respiradores.
:: A SBI ainda destacou que está acompanhando a orientação dada por todas sociedades médicas científicas dos países desenvolvidos e pela Organização Mundial de Saúde (OMS).