Os quatro médicos gaúchos, que viajaram para Manaus na última terça-feira (5), já tiveram suas primeiras experiências numa das cidades mais atingidas pela pandemia no país. O trabalho na capital do Amazonas servirá como aprendizado, pois os conhecimentos adquiridos poderão ser usados nos atendimentos no Rio Grande do Sul.
Logo no primeiro dia, eles foram escalados para o plantão no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz. Eles também têm plantões no Hospital de Campanha Nilton Lins.
— Tinha mais ou menos uns 30 pacientes internados, até a virada do plantão. Praticamente todos eles com covid. Ou com exame já positivo ou aguardando o exame positivar, que demora, vai para o Lacen — descreve o médico porto-alegrense Luciano Eifler.
Os médicos contam que, no primeiro momento, a realidade chocou. Manaus tem mais de 4,5 mil casos confirmados de coronavírus e até a última sexta-feira (8) eram 562 mortes ocasionadas pelo vírus.
— Chocou um pouco, porque todas as pessoas estão iguais. A gente vê mais ou menos o mesmo padrão de insuficiência renal, lesão pulmonar, tomografia ruim. Todos entubados e tudo covid-19, não tem outra coisa — conta Eifler.
Nas ruas, os profissionais gaúchos notam que, mesmo com a alta taxa de contágio, a população está seguindo a rotina costumeira. Movimentos nas ruas, pessoas circulando e fluxo grande de veículos estão entre as principais observações feitas pelos médicos nestes primeiros dias. No entanto, a maioria da população manauara está utilizando a máscara de proteção ao se locomover.
A médica Samantha de Aspiazu Damiani, de Caxias do Sul, expõe a importância de auxiliar os manauaras:
— É uma honra ajudar meu país num momento tão crítico.
Para realizar os plantões, os médicos utilizam EPI completo, que conta com macacão, touca, luva e óculos. Além disso, existe uma área própria para descontaminação, onde descartam todo material utilizado.
— Cada vez que a gente sai de um lugar para o outro, a gente troca a luva. Deixamos uma luva como se fosse a nossa mão, amarramos com esparadrapo colado no EPI, e aquela luva é como se fosse uma segunda pele. Ai tu fica colocando uma outra em cima, toda vez — explica a médica Priscila Olmi, também de Caxias.
Há também uma tenda de descontaminação na entrada dos hospitais. São chuveirinhos com uma solução antisséptica. Além disso, antes de adentrar na estrutura hospitalar, todos os funcionários são recebidos com termômetro digital para medir a temperatura corporal.
— Na frente do hospital, é como se fosse uma cabine de foto, só que toda aberta, fechada apenas nas laterais e em cima. Então, tem jatos de água sanitária. Ai tu passa por ali, para, dá a volta e fica com os jatos, funciona por sensor. Tu faz isso tanto na entrada como na saída — explica Priscila Olmi.
No Hospital de Campanha Nilton Lins, há apenas sete médicos à disposição na ala em que os gaúchos estão atuando. Então, nestes primeiros dias, com a alta demanda de trabalho, o tempo livre é todo dedicado para o descanso. Eifler conta que não há tempo para ver televisão e, raramente, conseguem responder e-mails ou mensagens:
— O tempo de sobra, é para comer e dormir.
Na última quinta-feira (7), eles puderam presenciar a primeira alta no Nilton Lins.
— Foi bem legal. Trata-se de uma paciente que já estava internada há uns 20 dias. A gente acompanhou só o final (da recuperação), mas é de encher o olho. Porque é muito triste, a realidade é muito diferente — conta Priscila.
ESTRUTURA HOSPITALAR
Os dois hospitais estão com alta demanda de pacientes com covid-19.
— São hospitais grandes. Eles têm muito espaço e estrutura, abriram setores novos. Então, para ter uma ideia, no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, são pelo menos uns três andares de UTI. Nós estávamos na UTI do quarto andar — expõe Eifler.
A médica caxiense Samantha complementa dizendo que, na questão estrutural, é muito melhor do que ela imaginava:
— Em termos de prédio/arquitetura, é muito melhor de todos os hospitais que já conheci. O hospital (Nilton Lins), que ficamos a maior parte do tempo, tem 800 leitos.
O Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz abriu uma nova estrutura e é equipado com ventilador mecânico, bomba de infusão e todos os outros equipamentos necessários para atendimento. Para evitar o contágio de coronavírus, as visitas, na ala de tratamento a covid-19, foram suspensas. A alternativa para falar com os familiares é a videoconferência.
— Todos eles estão entubados. Não tem paciente que não está entubado. Não é porta de emergência aberta, é uma UTI. Todos em ventilação mecânica, muita bomba de infusão, que são as medicações usadas para sedar, para que eles fiquem descansando. Não tem visita de familiar — detalha Eifler.
O Nilton Lins, por sua vez, é um hospital de campanha, que também conta com muitos leitos de UTI e opera nas mesmas condições do Delphina Rinaldi Abdel Aziz: UTI fechada. Priscila explica que, por enquanto, há respirador para todo mundo. Assim como luva, máscara, EPI.
— Tem uma UTI grande, com 20 leitos que também são leitos referenciados. Então, não é emergência porta aberta, é uma UTI fechada. Cada paciente fica no box fechado. Todos os pacientes graves entubados, a grande maioria deles ou testou positivo para covid-19 ou está aguardando resultado — complementa Eifler.
A maioria dos profissionais deste hospital tem como função de origem bombeiro militar. Eles tinham passado em concursos anteriores e foram chamados pela prefeitura neste momento, em decorrência do aumenta de demanda. Cerca de 800 profissionais da saúde foram contratados.
— As pessoas não têm experiências em trabalhar dentro do hospital. Mas elas têm uma intenção boa, de ajudar, ninguém fica de corpo mole. Todo mundo trabalhando o tempo inteiro — conta Priscila.
Os dois hospitais contam com ventiladores mecânicos. A diferença, em relação a alguns hospitais do RS é que, essas casas hospitalares têm capacidade para abrir muito mais leitos. Então, conforme vão chegando as equipes, que contam médicos de todas as partes do país, eles abrem novos leitos.
— Eles até têm o leito box, ventilador mecânico, a bomba de infusão, mas ai tem que ter enfermeiro, técnico e médico. Não adianta eles abrirem leitos sem ter equipes para colocar lá dentro. Então, os leitos eles vão escalonando, abrindo conforme vão chegando recursos humanos para atender, equipes para poder atender — conta Eifler.
O médico Rodrigo Britto complementa:
— A estrutura física é muito boa. Os equipamentos são padrão, como a gente encontra na Serra e em outros lugares. Então, a gente está bem assistido.
Em relação ao todo, Priscila conta que a realidade de saúde da cidade é preocupante:
— A realidade na periferia de Manaus é das pessoas morrendo na porta (hospital). Um colega contou que estava de plantão e chegou uma família com uma pessoa morta há um dia e não sabia o que fazia com o corpo. Então, a realidade que a gente vive aqui em Manaus é melhor do que a vista na periferia da cidade. Estamos num centro bom. Mas, mesmo assim, a realidade de estrutura de saúde é muito diferente, comparando com Caxias.
Priscila explica que o sistema de saúde caxiense é melhor em alguns aspectos, como a questão burocrática de identificação de paciente, por exemplo.
— O paciente é unidirecional dentro do hospital. Então, ele vai, tem consulta e tem alta. Ele não fica indo e vindo. Aqui eles não têm isso — conta.