A pandemia do novo coronavírus aumentou a angústia de quem espera na fila por cirurgias eletivas - que não são consideradas de urgência e emergência - realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Caxias do Sul. Os procedimentos foram cancelados em 19 de março, por tempo indeterminado. A ideia é garantir leitos para quem seja infectado pelo vírus e também reduzir a circulação de pessoas nos hospitais para combater a disseminação. A medida é estritamente necessária em meio ao crescente número de casos.
No entanto, quanto maior a fila, mais aumenta também a incerteza de quem precisa do procedimento. São 3.704 pacientes que vivem o pesadelo da espera. E, por trás de cada número, há histórias de dor, ansiedade e inquietação por ter nas mãos diagnósticos e exames e seguir sem resolver o problema.
Na prática, as cirurgias eletivas podem ser postergadas sem colocar o paciente em risco. Porém, a longa espera prejudica a qualidade de vida dessas pessoas. A maioria dos pacientes tem doenças que só serão resolvidas após a avaliação do especialista, sendo que ele também poderá indicar a necessidade de cirurgia - e uma nova e complicada fila de espera. A demora começa na busca de atendimento com um médico especializado. São 47.639 pacientes na espera.
As maiores demandas são em busca de consultas nas áreas de cardiologia, reumatologia, endocrinologia e psiquiatria. A peregrinação segue para marcar os exames. Depois de obter os resultados, é preciso aguardar a avaliação pré-cirúrgica para, então, chegar até a sala de cirurgia de um dos hospitais da cidade.
O tempo de espera muda conforme cada especialidade, mas geralmente os pacientes aguardam na fila durante um ano. O prazo pode ser maior ou menor por conta da capacidade física do hospital. Antes da pandemia, a redução da fila esbarrava na falta de recursos, um problema histórico no setor de saúde pública.
"Sei que é preciso, mas a situação me deixa inquieta"
É preciso considerar ainda aqueles que têm indicação de cirurgia mas ainda não consultaram o médico para marcar o procedimento e não aparecem nas estatísticas. Ou seja, a lista pode ser ainda maior, já que o município é referência para 1,1 milhão de habitantes de 49 municípios.
É o caso de Jocelina Moraes da Luz, 61 anos. A dor faz parte da rotina dela há pelo menos três anos. Jocelina trabalha como diarista e o esforço durante as limpezas provocaram desgastes nos ombros. Em outubro do ano passado, a dor aumentou: ela foi ao médico, que constatou rompimento dos tendões do lado direito.
— Dói muito, mas o direito muito mais. O esquerdo só está inflamado, o tendão não rompeu, e também tenho síndrome do túnel do carpo. Vou ao médico, tomo medicação e fazia fisioterapia. Sinto dores nas mãos, fica tudo formigado e doem os braços e ombros. A consulta seria dia 22 de abril, quando eu mostraria os exames, mas foi cancelada. Sinto angústia de esperar, sei que é preciso, mas a situação me deixa um pouco inquieta — desabafa ela.
"Tomo 11 comprimidos por dia"
A inquietação de Jocelina também é sentida por Carlos Alberto Soares Boeira, 63. Morador do bairro Santa Corona, ele está em isolamento domiciliar em Vale Real. O aposentado é hipertenso e faz acompanhamento médico há anos para controlar a pressão. Em dezembro do ano passado, ele foi ao cardiologista porque se sentia mal. Com os exames prontos, ele estava com consulta marcada para 14 de abril para, então, com a data do procedimento agendada, ir ao bloco cirúrgico:
— Vinha sentido tonturas, cansaço e um aperto no peito. No médico, soube que estou com as veias entupidas e tenho que fazer ponte de safena. Já fiz os exames pré-operatórios e estava à espera do dia 14 para mostrar os resultados e encaminhar a cirurgia.
Ele conversou com a médica que acompanha o caso por telefone, e ela emitiu um novo laudo, no dia 16 de abril, onde solicita urgência no procedimento:
— Estou apreensivo, e preciso me cuidar porque sobe a pressão, sinto falta de ar e tenho histórico familiar de problemas do coração. Tomo 11 comprimidos por dia para problemas de saúde — conta o aposentado.
"O que não tem remédio, remediado está"
A artesã Leonilda Rodrigues da Silveira Vieira, 54, também aguarda por cirugia. Ela precisa retirar a vesícula, estava com os exames e papéis prontos para o pré-operatório e com a consulta marcada com o anestesista.
— Fui ao postinho de madrugada para consultar, demorou até eu ter todos os exames. Sentia umas crises de dor intensas embaixo da costela direita. Depois do atendimento estou seguindo as orientações da médica sobre alimentação e o que evitar de comer para não sentir tanto desconforto. Tem dias bem ruins, mas acredito que a gente tem que aprender com tudo. Já diz o ditado: o que não tem remédio, remediado está. Mas vai melhorar — emociona-se ela.
Sem data para a retomada
Conforme dados da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), durante o período em que os atendimentos eletivos estiveram suspensos, o número de pacientes em lista de espera para consultas especializadas aumentou, passando de 46.704 para 47.639. Durante este período o Centro Especializado de Saúde (CES) atendeu 357 pacientes presencialmente para primeiras consultas, além dos retornos internos e teleatendimentos.
No mesmo período do ano passado, o serviço havia atendido 4.649 pacientes em primeiras consultas. Ainda segundo o levantamento, o município possui 3.704 laudos eletivos cirúrgicos autorizados e não realizados, sendo que em média são realizadas 400 cirurgias eletivas mensalmente. Alguns procedimentos foram mantidos e a quantidade de cirurgias realizadas será identificada a partir do processo de faturamento, cujos dados estarão disponíveis após o dia 25 deste mês.
A diretora do Departamento de Avaliação, Controle, Regulação e Auditoria (Dacra) da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Marguit Weber Meneguzzi, explica que diante do atual cenário, em meio a um momento sem precedentes, os esforços do município estão focados em conter o avanço do vírus, e atender aos pacientes infectados:
— Estamos concentrados em minimizar os danos provocados pelo coronavírus. Ainda não há data para retomada das cirurgias eletivas porque cada dia é avaliado para analisar qual serviço pode ser retomado, e de que maneira — explica.
Sobre a estratégia para reduzir a lista, ela aponta que neste momento não há planejamento porque não há como saber qual será a real demanda:
— É muito cedo para pensarmos em estratégias porque ainda não sabemos quanto a fila estará represada. Há alguns exames liberados, mas os invasivos vão demorar um pouco mais. Se antes (o sistema) não dava conta, imagina agora. Não vamos conseguir atender todo mundo. É uma situação atípica. O município está retomando aos poucos. Os pacientes são avisados sobre a consulta com oito a 15 dias de antecedência. A retomada é gradual para evitar exposição aos riscos — finaliza.
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