Desde que a pandemia do coronavírus passou a ditar as regras da economia, a sangria nas finanças públicas dos municípios da Serra está sendo contada na casa das dezenas de milhões de reais. É o que aponta estimativa das secretarias da Fazenda de seis cidades com relevância econômica na região e projeções da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne).
Caxias do Sul, por ser o maior município, projeta perdas ou atraso no recolhimento de tributos que beiram os R$ 40 milhões, montante equivalente ao custo de 14 mil diárias de uma UTI equipada para tratar doentes de covid-19 ou quatro vezes mais do que a meta estabelecida na campanha de arrecadação de fundos Caxias contra a covid-19. Daria para manter, por cinco meses consecutivos, 10 hospitais de campanha do porte da unidade aberta no Virvi Ramos, que tem 49 vagas.
Embora as prefeituras tenham ordenado contenção de gastos diante das perdas de impostos como ICMS, ISS e da postergação de pagamentos de IPTU ou IPVA, nenhum gestor consegue estabelecer com segurança uma projeção dos próximos meses. A única certeza é que as contas públicas precisam lidar com redução de receita que varia entre 10% e 30%, dependendo do município.
O principal dilema no momento é como garantir o pagamento da folha salarial de servidores, o funcionamento da saúde e a manutenção de serviços básicos. Mesmo que nenhum município confirme o parcelamento de salários neste semestre, a medida extrema pode ser uma alternativa amarga se a crise econômica persistir ou sofrer novo revés com possíveis medidas de isolamento social num futuro próximo. Em outra ponta, é nítida a paralisação de novos projetos e investimentos, sendo mantidas apenas as obras já iniciadas ou com recursos definidos.
As gestões têm trabalhando para planilhar receitas e despesas em três situações diferentes. Há o cenário considerado até a primeira quinzena de março, quando não havia medidas de distanciamento, os dias vividos com o fechamento da indústria e do comércio, e o período de retomada gradual. No caso, o valor de tributos que deixaram de ser gerados em abril será conhecido agora em maio, mês embalado por uma crença de reação. O gás a mais também pode ser garantido com o socorro de R$ 120 bilhões do governo federal (ver quadro abaixo).
Ainda assim, há uma incógnita sob o véu do coronavírus. As perdas já eram previstas, mas o desconhecido rumo da pandemia e a instabilidade política alimentam o pessimismo.
- Se alguém consegue fazer uma projeção, me indique - rebate o secretário da Fazenda de Flores da Cunha, Jorge Dal Bó.
SOCORRO AOS ESTADOS E MUNICÍPIOS
:: O Senado aprovou em sessão virtual na noite de sábado, por unanimidade, o pacote de R$ 120 bilhões de socorro aos Estados e municípios na crise do coronavírus, sendo R$ 60 bilhões de repasse direto para o caixa de governadores e prefeitos.
:: Agora, o texto vai para apreciação da Câmara dos Deputados. Se houver mudanças, volta ao Senado. Só após passar pelas duas Casas a medida será encaminhada para sanção do presidente Jair Bolsonaro.
:: O socorro previsto aos entes federados será de quatro meses. Se, após esse período, Estados e municípios ainda estiverem com as contas apertadas, não poderão usar a pandemia para tentar suspender o pagamento de dívidas que têm com a União.
:: Pelo texto, são R$ 60 bilhões de repasses diretos. Desse total, R$ 10 bilhões irão para o combate ao coronavírus, nas ações de saúde _ R$ 7 bilhões para Estados e R$ 3 bilhões para as cidades (distribuídos de acordo com a população). O rateio dos R$ 7 bilhões entre Estados será feito de acordo como a população do ente (com peso de 60%) e a taxa de incidência da covid-19 (com peso de 40%). Com isso, segundo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), haverá estímulo para a realização de testes da doença.
:: Os R$ 50 bilhões restantes para uso livre, a fim de garantir o funcionamento da máquina com a perda de ICMS (estadual) e ISS (municipal). O rateio do bolo financeiro ficou em 60% para Estados e 40% para os municípios. O valor dos repasses serão abatidos dos encargos da dívida pública de Estados e município
:: O projeto prevê ainda a suspensão dos pagamentos de dívidas de Estados e municípios com a União neste ano e com bancos públicos, o que resultará em uma economia de R$ 49 bilhões. A proposta permitir ainda a renegociação com bancos privados e organismos internacionais, na ordem de R$ 10,6 bilhões.
Mais gastos em saúde, assistência e estiagem
Os riscos financeiros acentuados pela pandemia têm sido alertados pela Amesne. José Carlos Breda, presidente da entidade, lembra que 2020 começou de forma razoável e isso pode ter gerado a falsa ideia de que está tudo sob controle. Além do desastre de abril, tradicionalmente o período de junho a setembro, segundo Breda, é de baixa arrecadação nos municípios. Então, a tendência é a manutenção de parcos recursos à disposição dos prefeitos com o agravante da estiagem, que tem demandado investimentos extras para socorrer produtores e manter o abastecimento de água.
- A projeção de redução do ICMS no Estado é de 30% e isso vai gerar queda nos municípios. Em cidades maiores, haverá o impacto do ISS. Teremos sim momentos de muita dificuldade. Alie isso à questão dos gastos em saúde, assistência social e no combate à seca, além do desemprego - pondera Breda, que é prefeito de Cotiporã, possui formação como economista e tem longa experiência em administração pública.
Para Breda, os municípios vão ter de ser esforçar para manter a folha salarial de servidores até julho e agosto, mas não há uma garantia concreta de que haverá recursos a partir de setembro. Como é o ano de encerramento das gestões municipais, muitos prefeitos não teriam como antecipar recursos por meio de empréstimos e jogar a conta para 2021 por causa da responsabilidade fiscal.
- É o momento de guardar o recurso do superavit para garantir o custeio da máquina pública. É a hora dos prefeitos serem muitos francos com suas comunidades, de apresentar argumentos e mostrar que há necessidade de corte de despesas de maneira clara e transparente - sugere Breda.
A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) produz um levantamento técnico sobre o impacto nas prefeituras e deve se manifestar nesta semana. Há alguns dias, secretários de Fazenda e Fianças receberam orientações sobre recursos que vão entrar nas contas municipais por causa da decretação de calamidade pública.
Nesta reportagem, confira a situação em Caxias, Bento Gonçalves, Farroupilha, Flores da Cunha, São Marcos e Vacaria:
CAXIAS DO SUL
:: Arrecadação/repasses federais e estaduais: estimativa é de que R$ 40 milhões deixaram de entrar nos cofres do município em abril, o que corresponde a 34,4% de uma receita média mensal de R$ 116 milhões. O dado real das perdas será conhecido até o dia 10 de maio.
:: Medidas administrativas internas: nomeação de novos servidores, contratação de temporários e estagiários estão suspensas até o final do ano. Horas extras serão reduzidas em 50% e estão proibidas, no momento, licenças-prêmio e regimes de sobreaviso.
:: Medidas externas: o município executará somente obras e investimentos com recursos garantidos, caso da pavimentação de estradas no interior e da construção do novo acesso ao bairro Planalto, que tiveram recursos garantidos por meio de um empréstimo assinado em 2019. Todos os outros projetos estão engavetados.
Paulo Dahmer, secretário de Gestão de Finanças, explica que o corte de despesas não será percebido claramente neste primeiro momento em que todas as atenções estão voltadas para a pandemia. Ficarão para trás são obras não previstas, como um pedido de pavimentação em algum bairro que pode esperar. A cidade também poderá notar que serviços executados por terceiros, não considerados urgentes, serão diluídos ao longo dos meses, pois o objetivo é comprar e gastar menos. O pacote de medidas é para garantir que não ocorra parcelamento de salários dos servidores bem como para manter o pleno funcionamento da saúde e da educação. A economia estimada até dezembro é de R$ 15 milhões.
- Mesmo os serviços próprios vão ter diminuição. Obras não previstas ficarão pendentes, terá que avaliar se há sobras de recursos nas secretarias - explica Dahmer.
Quando avalia os números, o secretário reforça que o custo final da pandemia sequer é conhecido. Por enquanto, o gasto é apenas com as vagas de UTI atuais custeadas pela saúde pública. Ele cita também o recurso consumido pela UPA Central, que não tinha previsão orçamentária e exige R$ 2,1 milhões todos os meses. Em relação às perdas, o ICMS lidera o ranking, com R$ 7,9 milhões a menos e que dificilmente serão recuperados com a economia em crise. Tributos como IPTU e IPVA somam R$ 8,86 milhões, mas são valores que podem entrar até o final do ano.
- O IPVA, o IPTU e a taxa de coleta de lixo podem ser colocados em dia em maio, nos próximos meses, então é a receita que vai entrar. O ICMS não volta mais. O FMP (Fundo de Participação dos Municípios) e o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) dependem do governo federal. Com essa retomada, claro que com um valor menor, vai melhorar, mas o problema é se der um lockdown, daí acabou - projeta Dahmer.
BENTO GONÇALVES
:: Arrecadação/repasses federais e estaduais: a prefeitura não divulga números, mas projeta uma queda de 16% nas receitas próprias e em torno de 20% a 30% nas receitas originadas de transferências do Estado e da União.
:: Medidas internas e externas: um grupo de trabalho foi criado para discutir e estabelecer medidas para lidar com redução de receitas.
Conforme a secretária municipal de Finanças, Mariana Largura, as contas do município ainda não foram afetadas porque o exercício de 2019 foi encerrado com superavit e não devem alteradas mesmo com a adoção de medidas de enfrentamento da crise. Com o fechamento do primeiro trimestre deste ano, não foi possível sentir uma queda significativa na receita. No entanto, conforme Mariana, como as medidas de contenção no comércio, na indústria e na prestação de serviços ocorreram a partir da segunda quinzena de março, os meses subsequentes tendem a não seguir o histórico da normalidade, afetando a arrecadação do próximo trimestre. Desta forma, o município construiu uma perspectiva de redução de receitas de transferências e tributos, considerando a retração econômica.
O ISS também foi afetado, pois o governo federal prorrogou o vencimento para os optantes do Simples Nacional, o que também foi feito pelo município com relação à parcela de sua competência. Ainda segundo Mariana, o ICMS também será impactado uma vez que, exceto os setores de medicamentos e materiais hospitalares, higiene e alimentação, todos os outros segmentos apresentaram queda: varejo: -28%, indústria: -23% e atacado: -10%.
FARROUPILHA
:: Arrecadação/repasses federais e estaduais: estimativa de queda de 30% na arrecadação de abril em relação ao mesmo período do ano passado, ou cerca de R$ 6 milhões que não devem entrar no caixa. Em média, a receita mensal no município é de R$ 20 milhões.
:: Medidas administrativas internas: redução de horas extras em diversos setores, com exceção da saúde e da assistência social, suspensão de contratos de mão de obra terceirizada onde há atividade suspensa, caso das escolas municipais.
:: Medidas externas: obras novas estão suspensas pelos próximos dois meses. Somente são executadas obras já iniciadas ou com recursos definidos.
Mesmo com a projeção receita em queda em abril, o chefe da contabilidade da prefeitura de Farroupilha, Gilmar Paulus, acredita que haverá uma retomada a partir de maio, uma vez que só agora a economia voltou a girar.
-- Acho que a crise vai passar em dois, três meses - estima Paulus.
O município não tem intenção de parcelar salários dos servidores (a folha consome cerca de R$ 8 milhões mensais), exceto se houver uma continuidade da tribulação econômica. Paulus cita o superavit de 2019, que deixou R$ 10 milhões de saldo para enfrentar emergências. Embora a contenção de gastos inclua a suspensão de projetos novos, a prefeitura diz que vai garantir a conclusão de obras em andamento, caso da pavimentação do acesso ao Salto Ventoso.
- Hoje, a prioridade é a saúde e a assistência. Não vamos pagar hora extra para realizar uma obra pública, para um servidor da educação, para o setor da agricultura. Só se for algo emergencial.
SÃO MARCOS
:: Arrecadação/repasses federais e estaduais: redução de 10% em abril em relação ao mesmo período do ano passado, o que significa R$ 1 milhão a menos nos cofres do município. Considerando perdas desde janeiro, o saldo negativo é de R$ 3 milhões. Em média, a arrecadação mensal antes da pandemia girava em torno de R$ 10 milhões.
:: Medidas administrativas internas: redução de horas extras, nomeações, suspensão de contratos em que não há prestação de serviços terceirizados como cozinheira, serventes em escolas, creches.
:: Medidas externas: obras públicas sem orçamento definido estão suspensas ou adiadas.
Segundo a secretária municipal da Fazenda, Kariny Boff, a folha salarial dos servidores está em dia e não há, no momento, cogitação de parcelamento. O município estendeu o prazo do pagamento de IPTU e de alvarás e espera que esses valores entrem em caixa a partir de maio.
Não sabemos o que vai acontecer daqui pra frente, estamos ouvindo que várias empresas estão demitindo e isso vai impactar nas finanças do município. Não cogitamos parcelas os salários dos servidores, mas é uma questão que será analisada mês a mês. A prefeitura vive de impostos, as aplicações tiveram resultado negativo neste mês. Estamos contendo despesas para uma emergência.
Conforme Kariny, o foco é a saúde pública. Sem casos confirmados de covid-19, o município gastou mais na compra de EPIs o valor aplicado em dois meses equivale ao gastos estimado para um ano na rede municipal.
FLORES DA CUNHA
:: Arrecadação/repasses federais e estaduais: o município terá de 25% a 30% menos receitas ou cerca de R$ 2 milhões a menos em abril. Parte dessa redução tem relação com a prorrogação do pagamento da cota única ou primeira parcela do IPTU para julho. Em média, mensalmente, a arrecadação oscila entre R$ 10 milhões a R$ 11 milhões, o que baixará para estimados R$ 7 milhões em maio.
:: Medidas administrativas internas: corte de horas extras e outras despesas com pessoal. Contratos com terceiros estão mantidos mesmo sem a prestação de serviços, pois o entendimento é de que uma escolinha conveniada ao município, por exemplo, pode falir sem o recurso público e a falta desse serviço no retorno das aulas criaria um outro problema.
:: Medidas externas: foram postergadas as obras de pavimentação da Estrada Velha (também chamada de Vittore Toigo), que liga Flores da Cunha a Caxias do Sul. A melhoria já era para estar em andamento, mas a abertura das propostas na licitação foi suspensa por prazo indeterminado. Também foi adiada e está sem previsão a reforma do acesso do município e outras obras de menor vulto. Foram mantidas apenas obras já iniciadas.
O impacto na arrecadação em Flores da Cunha, segundo o secretário da Fazenda, Jorge Dal Bó, é percebido agora porque houve a prorrogação do IPTU. Mesmo que alguns contribuintes já tenham quitados os tributos, a fatia de R$ 1,2 milhão em aberto afeta projetos de investimento. Dal Bó ressalta que as despesas da máquina administrativa estão em dia e os salários de abril e maio serão pagos normalmente. A dúvida é o cenário para junho em diante. É possível que falte recursos para honrar o pagamento do décimo terceiro do funcionalismo público no final do ano. Se a queda for do tamanho estimado, que levaria o município a ter uma receita de R$ 7 milhões, a administração teria que usar pouco mais de um terço dos recursos com salários do quadro ativo, o que dá em torno de R$ 2,6 milhões/mês.
- Se continuar assim, maio será o pior mês. Junho é uma incógnita. Nesse cenário, vamos conseguir manter a folha, mas os investimentos não são garantidos _ adianta o secretário.
Uma avaliação preliminar mostra que a roda da economia florense está girando, mas em ritmo lento. No comércio, a procura é pelos produtos básicos.
- Os salários dos servidores se mantêm, porque havia reserva anterior. Até agora, praticamente só se gastou em saúde. Agora, as obras voltam aos poucos. Se houve queda de receita, também houve alguma economia interna.
VACARIA
:: Arrecadação/repasses federais e estaduais: a queda na receita é estimada em R$ 2,5 milhões/mês, o que significa uma redução percentual de 16% de um total médio de R$ 15 milhões. O ICMS e o ISS respondem por 76% dessa arrecadação perdida ou adiada.
:: Medidas administrativas internas: redução de 80% das horas extras, suspensão de funções gratificadas e da convocação de servidores como na educação uma vez que as aulas presenciais estão interrompidas. A exoneração de CCs também entra na conta, embora eles tenham se desligado para concorrer às eleições deste ano.
:: Medidas externas: as obras iniciadas prosseguem normalmente, mas não há planos de novos investimentos e as novas pavimentações estão paralisadas.
Para o secretário municipal de Gestão e Finanças, Elder da Costa Nery, a maior influência nas finanças tem origem na arrecadação do Estado. Como a queda é generalizada, a distribuição do ICMS entre os municípios cairá consideravelmente. Outro setor afetado é o de serviços, que gerou 13% menos tributos. Elder garante o pagamento de salários dos servidores e de fornecedores, mas considerando que a atividade econômica não sofra um novo revés com um possível lockdown.
- Estamos vindo com os pés no chão há tempos, com reservas financeiras e consegue dar a volta. Mas se parar de novo, se a perda aumentar, não sei se teremos como pagar a folha - teme Elder.
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