Marco Antônio Prezzi é um peregrino. Desde 1982, Caravaggio, no interior de Farroupilha, está na sua rota espiritual. Prezzi havia feito uma promessa à Nossa Senhora. Infelizmente, sua graça não foi alcançada. A mãe, que completaria 90 anos em janeiro deste ano, acabou morrendo dias antes do aniversário. Ela não resistiu a uma infecção, que em pouco tempo tomou conta do seu corpo. Mesmo assim, ele entende que era importante percorrer os cerca de 20 quilômetros, e peregrinar do bairro de São Pelegrino, onde mora, até o santuário. No entanto, as medidas de prevenção à covid-19, que restringem a circulação de pessoas, e impedem aglomerações, não permitiram que Prezzi cumprisse com seu ato de adoração.
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Essa viagem, realizada a pé, com esforço físico que pode até fatigar o corpo, é, na verdade, uma jornada interior. É como se a cada passo, a cada quilômetro percorrido, maior e mais intenso é o mergulho para dentro de si, como uma forma de se conectar a Deus, esquecendo-se das aflições encontradas na caminhada da vida.
— Porque, através desse aspecto exterior, da caminhada, o que a pessoa busca ver, na verdade, é a sua realidade interior. O peregrino faz a romaria para tocar em Nossa Senhora, sim, mas ele quer ver algo da sua própria realidade interna. A romaria desse ano será virtual, mas também podemos dizer que ela será mais de espírito e de coração, já que não poderá ser física — argumenta o professor e doutor em Teologia, Everaldo Cescon, 49 anos, diretor da Área de Conhecimento e Humanidades, da Universidade de Caxias do Sul.
Cescon cita ainda o exemplo recente lá das terras d'além mar. No dia 13 deste mês, a cidade de Fátima, em Portugal, teria recebido 2 milhões de pessoas no santuário, em uma adoração como a dos fiéis aqui em Caravaggio. Mas, por lá, as pessoas também precisaram exercitar sua atitude interior de peregrino, apesar de não ter sido permitida a romaria, por causa das medidas de restrição para conter o contágio da covid-19.
— Em alguns aspectos, esse distanciamento social que temos hoje com a pandemia está próximo do caráter de uma peregrinação. Por que, o que é peregrinar senão um antídoto deste mundo acelerado, corriqueiro e cheio de compromissos? O distanciamento social está servindo como esse antídoto, que nos leva a repensar a questão do tempo e espaço em nossa vida e para escolhermos o que realmente é prioridade — discorre Cescon.
Para reforçar essa comparação entre o impacto do distanciamento social, que pode gerar em maior ou menor intensidade, um mergulho para dentro de nós mesmos, com a mesma reação provocada em peregrinações, Cescon traz o exemplo de Santiago de Compostela, na Espanha. Essa jornada ficou popularmente conhecida por conta do escritor brasileiro Paulo Coelho, no livro O diário de um mago, que escreveu a narrativa após a sua experiência de três meses peregrinando por este caminho.
— Vamos pensar na peregrinação de Santiago de Compostela. Por que é tão longa? É para forçar a pessoa a se encontrar com ela mesma. Quanto mais longa a peregrinação, mais o caminho nos faz perceber o que é essencial e o que deve permanecer, ou não, em nossa vida depois dessa reflexão — explica.
Cescon vai além e defende nesses tempos pandêmicos, de estarmos à mercê de um vírus invisível que deixa a todos em suspenso, revendo atitudes em todas as áreas da sua vida, desde os relacionamentos, se vale a pena ou não viver esse "até que a morte nos separe". Até se vale a pena manter a sociedade na empresa ou mesmo arrancar aquele velho sonho escondido no obscurantismo e colocá-lo em prática. A pandemia colocou a todos quase a obrigação de se pensar no que é de fato essencial, acredita Cescon.
— Por isso que, a meu ver, esse distanciamento está fazendo com que nos encontremos com a nossa própria essência da vida. Isso possibilita, inclusive, pensar no que estamos carregando nessa mochila de peregrino. Será que estamos carregando muita coisa obsoleta? E o que é o mais essencial? A meu ver, estamos todos percebendo que o contato e o convívio com outras pessoas é o mais essencial da vida — ensina.
Em casa, mas de coração contrito
Caravaggio sempre esteve na rota espiritual de Marco Antônio Prezzi. Esse ano, ele permanecerá em casa, obedecendo às orientações das autoridades para que não ocorram aglomerações no Santuário de Caravaggio. Que, aliás, estará fechado ao público. Mesmo sem percorrer o caminho a pé, Prezzi confessa que estará com seu coração contrito, assistindo à missa pela internet e ouvindo pela Rádio Mãe de Deus. No livro sagrado, há um versículo que bem ilustra a sua devoção, principalmente em tempos de pandemia. "Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus" (Salmos 51:17).
A devoção por Deus, Prezzi aprendeu em casa.
— A minha família, seja por parte de mãe ou de pai, sempre foi de católicos fervorosos, sempre iam na missa, no mínimo, uma vez por semana, até ficarem bem velhinhos. Me lembro de ir à missa, com meus pais, Nair e Floriano Prezzi, na igreja de Santo Sepulcro, e levar meus avós, Ângelo e Isabel Prezzi. Em Santo Sepulcro eu também fui coroinha —recorda Prezzi, 57, aposentado.
A graça que ele havia colocado nas mãos de Nossa Senhora de Caravaggio não foi alcançada. Nem por isso sua fé foi abalada. Não fosse a pandemia, ele faria a peregrinação até o santuário.
— A fé em Caravaggio, sempre me ajudou a superar todas as dificuldades pelas quais eu já passei na vida. Sem fé não somos nada — revela.
Prezzi entende que a maior lição desse tempo de pandemia seja a urgência em entendermos qual é a nossa missão.
— Nós não sabemos até quando estaremos nesse mundo. Então, se é para fazer alguma coisa, que seja logo. Precisamos ainda acreditar em algo maior, que é Deus. Eu acho que todo mundo tem fé, mesmo que seja pouca. E, agora, no momento da pandemia, todo mundo, por causa do medo, está buscando ter um pouco mais — acredita.
Nos últimos anos, Prezzi já havia abdicado de ir a pé a Caravaggio, para poder levar a mãe de carro ao santuário para que ela também pudesse exercer a sua fé. Será, com certeza, um tempo precioso e propício para uma jornada para dentro de si mesmo, apesar de permanecer sentado no sofá da sala, assistindo a celebração da missa, pela internet. Prezzi é um exemplo de que peregrinar é mais do que caminhar. Peregrinar é percorrer um caminho de fé, esperança e amor, como reza a Bíblia.
"A vida é dom de Deus", ensina o bispo
Dom José Gislon, bispo da Diocese de Caxias do Sul, tem uma palavra de bênção que pretende tranquilizar o coração dos fiéis que andam preocupados porque não poderão pagar suas promessas nessa data. Com as medidas de restrição e contenção da circulação de pessoas, principalmente no Santuário de Caravaggio, a orientação é que as pessoas assistam as missas pelas redes sociais.
— Algumas pessoas dizem: "Eu nunca faltei a uma romaria". Outros ainda: "Eu tenho um voto e tenho de ir". Não será possível dessa vez realizarmos a romaria para que as pessoas protejam a si e aos outros. Mas, em um outro momento, quando a realidade permitir, aí sim os fiéis poderão ir a Caravaggio. Eu digo que o mais importante agora é a vida, que é um dom de Deus — argumenta Dom José Gislon, 63.
Os fiéis podem estar impedidos de fazer a peregrinação de forma presencial no santuário, mas podem manter sua adoração à Caravaggio da mesma forma, explica o bispo:
— Essa pandemia vai passar, seguramente, e depois, a pessoa pode ir lá, fazer sua caminhada em um outro momento. Quando for permitido, quando isso tudo passar, coloque diante de Deus a promessa que você fez. Dessa vez, permaneçam em casa, porque vamos transmitir as missas pela televisão, pela rádio e pela internet.
É um tempo estranho. Um vírus que ainda não tem cura espalha medo, insegurança, tristeza, e tira a todos da zona de conforto. Crianças não estão na escola, professores não estão em sala de aula e, agora, os romeiros não podem pisar no solo sagrado de Caravaggio. Talvez por isso mesmo, por causa de tamanha incerteza, a espiritualidade ganha tanto espaço no coração das pessoas. Essa é a convicção do bispo.
— A fé é muito importante, faz com que a gente deixe aflorar, dentro de nós, as energias que temos acomodadas. E foi Deus quem nos deu a possibilidade de nos apegarmos à fé, para que tivéssemos força para enfrentar situações que, sem ela, jamais superaríamos — defende.
Além disso, Dom Gislon, acredita que essa provação, que é a pandemia, ativa ainda mais o senso de coletividade e de solidariedade nas pessoas.
— Vamos sair dessa pandemia mais humanos e enriquecidos espiritualmente. Vamos sair mais fortalecidos, porque estamos todos em uma mesma condição de fragilidade. Não importa se você tem milhões no banco ou se está desempregado. Todos podem ser infectados pelo vírus.
O bispo, entende, no entanto, que quanto pior a realidade e a condição social das pessoas, maior será o impacto. É por isso, que ele estimula ações de benevolência, de estender a mão a quem precisa. Até porque, está escrito no livro de Tiago, capítulo 2, versículo 17: "Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma".
— A caridade é a grandeza da nossa sociedade. Mesmo diante dos momentos mais difíceis precisamos estender a mão e ajudar ao outro. Porque juntos, somos mais fortes.
Dom Gislon entende que estamos vivendo uma realidade passageira, e não podemos nunca perder a fé.
— Olha o exemplo na Sagrada Escritura. O povo de Israel foi tantas vezes provado, mas eles, por tantas vezes, voltavam-se a Deus, que é a fonte da vida. Precisamos deixar às novas gerações também o nosso testemunho de fé, esperança e amor.
CELEBRAÇÃO VIRTUAL
Esta é a primeira vez em 141 edições que a Romaria de Caravaggio não será realizada da forma tradicional. As missas ocorrerão a portas fechadas no sábado (23), domingo (24) e terça-feira (26), sem a presença de público, e serão transmitidas pelas redes sociais.
Um decreto da prefeitura de Farroupilha oficializou, nesta seexta, que o acesso à localidade de Caravaggio ficará restrito entre sábado e terça-feira. O município definiu que, além dos moradores, apenas funcionários e colaboradores do Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio poderão acessar o distrito.
Horários das missas:
Sábado (23), às 8h, 10h30min e 17h.
Às 14h, haverá a récita do terço e, às 15h, a Oração de Maria.
Domingo (24), às 8h, 11h e 17h.
Às 14h, haverá récita do terço e, às 15h, a Oração de Maria.
Terça-feira (26), às 8h, 10h30min e 17h.
Às 14h, haverá récita do terço e, às 15h, Oração de Maria.
Como acompanhar
Instagram
@santuario.caravaggio
Youtube
santuario.caravaggio
Facebook
santuario.caravaggio
Pioneiro.com
A missa a ser celebrada na terça-feira, dia 26, às 10h30min, será transmitida também pelo pioneiro.com
Tríduo
Sábado (23), às 17h, domingo (24), às 11h, e segunda-feira (25), às 17h, as celebrações serão transmitidas também pela TV Canção Nova. Na terça-feira (26), às 10h30min, a Canção Nova irá transmitir para o Brasil (por cabo) e em alguns países da Europa, como Itália e Portugal, entre outros, e para parte dos países da América Latina e América do Norte (por satélite).
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