A orientação é ficar em casa. Essa indicação necessária para conter o avanço do contágio pelo coronavírus muda a rotina agitada da maioria das pessoas que trabalha fora. No meio disso tudo, surge a necessidade de repensar e reinventar o estar em casa. A cobrança por produtividade está mais presente que nunca, principalmente no ambiente virtual, com diversas dicas de como se manter ocupado. O fato de estar em casa, traz a falsa ideia de desacelerar quando, na verdade, a maioria das pessoas está a todo momento buscando atividades para se sentir útil e driblar a sensação de estar preso dentro da própria moradia.
Em Caxias do Sul, uma cidade acostumada ao som das fábricas e com produção a todo vapor, a realidade também é essa: diversos trabalhadores em casa buscando alternativas para ocupar o tempo. Este é o caso do soldador Altair Cuchinir, 42 anos. A empresa onde ele trabalha parou as atividades em respeito ao decreto da prefeitura e ele aproveitou o tempo para começar a construir uma garagem:
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- Ficar parado é bem difícil, não tenho o costume de ficar sem fazer nada. Sempre busco me ocupar caso esteja em casa. Tinha me programado para fazer a obra no final do ano, mas com esse tempo parado aproveitei para adiantar o serviço e construir uma rampa e o acesso à garagem - conta.
O casal Cláudio Costa, 31, e Estela Maris Carpeggiani, 29, aproveitaram o período de isolamento social para se dedicar à gastronomia. Ele é torneiro mecânico e ela, consultora técnica. No tempo em casa se dividem entre cuidar do filho Noah, seis meses, e produzir pizzas:
- O isolamento se tornou uma oportunidade de negócio e de fazer algo que realmente gosto que é cozinhar, principalmente, pizzas, que é a minha comida preferida. Como meus amigos gostam das pizzas que faço, aproveitei o tempo livre para fazer as massas, os recheios, assar a pizza e entregar as encomendas. A ideia foi bem aceita, então mesmo com a volta ao trabalho, ao menos uma vez por semana vou me dedicar às pizzas. Estou anunciando nas redes sociais e atendendo aos pedidos para serviço de entrega - conta Cláudio.
Empresário criou tapete para tentar evitar disseminação do vírus nos calçados
Não é apenas em casa que é preciso driblar o isolamento. O empresário caxiense Vilson Detoni tem uma empresa de prestação de serviços e de comércio de produtos de limpeza. Ele aproveitou a redução na demanda, já que muitos clientes precisaram parar as atividades, para inovar no mercado em que atua.
- Com essa pandemia que preocupa a todos, muitas empresas pararam e entraram em isolamento, e muitos outros acabaram ficando de portas abertas, que é o nosso caso, porque temos o aval pelo decreto. Penso que se estamos trabalhando e muitos estão parados, a nossa missão é inovar. Já tínhamos uma linha voltada para limpeza e desinfecção de ambientes e áreas externas, então pensei em criar um tapete que sirva como uma barreira de contenção para evitar o avanço da covid-19. Se avaliarmos que o vírus cai e está no chão, e se mantém ali, dependendo o tipo de material, por algum tempo, as pessoas pisam nele, e se não higienizarem o calçado de maneira correta, pode levar o vírus da rua para dentro de casa.
Detoni explica que a invenção é simples, mas eficaz:
- Na verdade, tive uma ideia com base em algo que já existe e que já vi na Expointer, quando surgiram os casos de febre aftosa. Baseado naquela experiência, criei uma caixa com um tapete de vinil com espessura grossa e a pessoa ao entrar nessa caixa consegue molhar praticamente todo o solado do sapato. O caixote tem cerca 40 centímetros de largura e 60 centímetros de comprimento e cerca de 10 centímetros de altura. O tapete tem em torno de 1 centímetro de altura. Dentro da caixa é colocada uma substância a base de quaternários de amônia e biguanida de quinta geração que são agentes poderosos contra essa bactéria.
Ele complementa:
- A ideia é evitar que a gente leve esse vírus da rua para dentro de nossas casas, porque por mais cuidadosos que tenhamos sido durante o dia, os calçados precisam estar bem higienizados para barrar esse contágio. Em momentos de crises temos que criar, inovar, não dá pra ficar sentado, tem que tomar iniciativas e desenvolver produtos novos. Precisamos, sim, vender, mas nesse caso, a preocupação maior é auxiliar na contenção dessa pandemia, porque todos temos famílias e precisamos cuidar uns dos outros.
Ele já comercializou itens do produto e acredita que a invenção seja ideal para ser colocada na entrada das empresas, mercados e lojas para higienizar os calçados e barrar a disseminação, não só do coronavírus, mas de outras bactérias.
"Há urgência em estar ocupado, mas é o momento de olharmos para o nosso interior e para o outro também", diz especialista
Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental, a psicóloga de Caxias do Sul Joselaine de Barros explica que o ócio está ligado a uma experiência subjetiva, que exigiria escolha da pessoa para não fazer nada ou buscar atividades diferentes, o que é o oposto do que se vive durante o isolamento social:
- Na verdade, esse momento que vivemos é imposto, esse tempo demasiado que temos em casa não é uma escolha, não temos essa liberdade, porque o isolamento é uma necessidade que precisamos cumprir pela saúde de todos. Há muitas pessoas em busca de se ocupar para ter saúde mental e é louvável, mas também essa busca por atividades não deve ser uma imposição a ti mesmo: eu preciso fazer algo, e ai acaba se submetendo a atividades que não gosta, como por exemplo, pintar e bordar. Temos que respeitar nossos limites, o pensar, o sentir e o agir.
Ela ressalta que há essa necessidade desenfreada de estar em movimento:
- Há urgência em estar ocupado, mas é momento de olharmos para o nosso interior e para o outro também. O isolamento é uma oportunidade de autoconhecimento, de estar com a gente mesmo, descobrir o que realmente gostamos, respeitar nossos limites. É a hora de olhar para dentro e parar de correr tanto, de se preocupar apenas com trabalho, com o que está fora. Se as pessoas souberem aproveitar esse momento, pode ter realmente um ócio produtivo, criativo e construtivo, e que não seja apenas seguir receitas forçadas e prontas, mas que não se adequam para cada perfil.
A especialista reforça a necessidade de evolução como ser humano e de cuidar uns dos outros.
- Temos realidades diferentes durante esse isolamento. De um lado, as classes média e alta que se sentem mais entediadas porque já viram todos os filmes, já leram livros e acham chato ficar em casa. De outro lado, temos outra realidade de famílias muito pobres que não têm sequer o que comer.
Ela finaliza:
- Acredito que é um momento de reflexão e de gratidão. Quando pensar em sair de casa porque está entediado, se sentindo preso, é uma chance de olhar em volta e se conscientizar que está no conforto da sua casa podendo escolher o que comer, o que fazer, o que assistir na TV, o que ler. É um momento para nos tornamos um ser humano melhor. Acredito que vamos sair dessa pandemia diferentes: mais humanos, preocupados com o coletivo, em olhar o outro, não apenas o nosso umbigo.