Em uma área verde do Memorial Crematório São José, em Caxias do Sul, Jussara Bordin Mezzomo, 59 anos, deu adeus ao marido, Etelvino Mezzomo, 64, na tarde desta quarta-feira, sem poder ver ou tocar o corpo dele, antes da cerimônia de cremação. O aposentado, morador de Serafina Corrêa, mas natural de Casca, é a primeira vítima fatal da covid-19 na Serra e a 19ª do Rio Grande do Sul. Ele estava internado no Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, há 33 dias.
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O idoso procurou atendimento médico no dia 13 de março, quando foi internado. Apresentou uma piora no quadro cinco dias depois e foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde permaneceu em estado grave até esta manhã. Segundo a esposa, a morte foi causada por insuficiência respiratória. Ela conta que ele tinha enfisema pulmonar. O problema o tornaria mais frágil à ação da covid-19. Jussara relatou ainda que, quando o marido foi internado, ele já estava com pneumonia.
– Após a internação, ele pediu que eu fosse para casa cuidar do filho, não queria que ficasse com ele, porque tinha plano de saúde e estava bem assistido. Na terça (17 de março), vi e falei com ele por vídeo e percebi que ele estava com falta de ar. Ele me dizia: "não, Jussara, estou bem, fica tranquila, vai dar tudo certo. Estou aqui com os médicos, não te preocupa" – relatou a esposa.
A última vez que Jussara ouviu uma palavra do marido foi no dia 18, quando ele estava prestes a entrar na UTI:
– Ele falou comigo e eu disse: "Pai tu não estás nada bem". Ele disse: "Realmente, não estou bem". Uma hora depois, o hospital me chamou para ir urgente a Bento, porque ele ia ser internado na UTI. Entrei com ele, até a porta. Ele olhou para mim e disse: "Eu não tenho esse vírus". Ele continuava afirmando porque tinha muito medo disso, pelo problema pulmonar dele, sabia que o pulmão não ia resistir. Só que ele lutou esses 30 dias.
Na tarde daquele mesmo dia 18, o hospital divulgou o resultado do exame que apontou positivo para infecção pelo novo coronavírus. Os dias que se seguiram foram de muita agonia, expectativa, tristeza e sofrimento, segundo Jussara. Com a ajuda de uma enfermeira, ela falava com o marido por meio de um celular. E acredita que, mesmo sedado, ele a ouvia.
– Os médicos dizem que não, mas acredito que ele me ouvia. Falei muitas vezes com ele por telefone. Inclusive no dia do aniversário dele, cantamos parabéns – conta Jussara, referindo-se ao dia 8 deste mês, quando seu Etelvino completou 64 anos.
Em função das restrições devido à pandemia, a cerimônia que antecedeu a cremação do aposentado, que já tinha sido agricultor e motorista de um supermercado, ocorreu com caixão fechado e com número restrito de familiares. Estavam presentes, além de Jussara, um primo e um irmão. O único filho do casal, Thiago Bordin Mezzomo, 30 anos, é cadeirante e não participou.
Os familiares não tiveram sintomas e testaram negativo para o novo vírus. A esposa diz que diferente do que foi suscitado por autoridades de saúde, o marido não teria contraído o vírus durante viagem que fez ao Paraguai. Ela afirma que ele já tinha febre e outros sintomas quando deixou a cidade em direção ao país vizinho e só piorou durante a viagem. Um homem que viajou com ele também teve a doença, mas se curou.
Serafina Corrêa está assustada, diz prefeito
Serafina Corrêa, com cerca de 17 mil habitantes, foi a primeira cidade da Serra a registrar óbito decorrente de covid-19. Desde que o caso de seu Etelvino Mezzomo veio à tona, em meados de março, a rotina da cidade mudou. Entrou em quarentena sete dias antes do que os demais da região, de acordo com o prefeito em exercício, Valdir Bianchet.
– Estamos muito preocupados porque sem morte já é bastante pânico, e com uma morte fica bem pior. A situação do município parecia que estava voltando à vida normal, mas agora com esse fato volta todo aquele pânico Claro, que o município está fazendo a sua parte com a organização do setor da saúde. Mas, infelizmente, é uma morte que traz muita preocupação para os munícipes – descreveu o prefeito, lamentando a morte do morador.
A cidade teve cinco casos confirmados, entre eles, o do seu Etelvino. Dos outros quatro, dois já se curaram e dois estão internados em um hospital de Passo Fundo e passam bem – um deles é o ex-prefeito. Outras 12 pessoas fizeram teste, mas não receberam resultado ainda e cerca de 80 estariam em quarentena por serem familiares de casos confirmados e suspeitos.
– Vamos vivendo com esse drama, torcendo que Deus nos ilumine. Ser administrador num momento desses é muito difícil. Temos pressão de todos os lados. Comércio fechado. Ninguém mais tem paciência – desabafou Bianchet.
O prefeito esperava o novo decreto do governo estadual divulgado na tarde desta quarta para decidir sobre alguma alteração na cidade. Mas, com a prorrogação das medidas estaduais, a prefeitura deve manter o comércio lojista fechado, abertos os serviços essenciais e indústrias funcionando com restrições.