O adiamento da Movelsul Brasil 2020 e da Envase Brasil, eventos de grande porte em Bento Gonçalves, mostra o clima de suspense que ronda a economia da Serra em função do coronavírus. Na superfície, os negócios estão sendo mantidos, com trabalho normalizado nas fábricas e no comércio, sem cancelamento de pedidos e com os estoques suficientes para manter a cadeia girando.
O grande dilema envolve os próximos dias. Se o Brasil tiver um crescimento vertiginoso de casos, isso pode levar governo federal, Estados e municípios a adotarem medidas drásticas e generalizadas, como cancelamento de aulas, feiras, grandes eventos e restrição de circulação.
Na prática, é menos gente nas ruas, menos consumo e, consequentemente, crise nos negócios. Ficaria pior se o problema alcançasse um número maior de países importadores e exportadores, o que levaria à redução de pedidos e desabastecimento de matéria-prima.
Na região, uma decisão impactante envolveu a tradicional Movelsul, considerada a maior feira profissional de móveis da América Latina. É uma amostra do que pode ocorrer com um possível agravamento no número de casos. Na semana passada, o evento de negócios havia sido confirmado com a adoção de medidas para a prevenção da doença. Na sexta, a diretoria reviu a programação e atendeu às recomendações da OMS e de um decreto do prefeito de Bento Gonçalves, Guilherme Pasin (PP), adiando a feira para data indefinida. A prefeitura estabeleceu medidas preventivas para evitar a disseminação do vírus, o que inclui a recomendação de suspender eventos na cidade.
A organização da Movelsul, porém, minimiza a decisão de adiar e acredita que o movimento impedirá que a feira apresente números abaixo da expectativa. O público esperado era de 30 mil entre 16 e 19 de março, segundo o Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis), que representa 300 empresas moveleiras de Bento, Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e Santa Tereza.
Com milhares de pessoas, havia temor de expandir a contaminação. Algumas empresas, inclusive, estão com estandes encaminhados para a exposição e havia grande movimentação de operários para montar os espaços. Agora, a organização informa que os pavilhões não ficarão vazios, pois foi permitido aos expositores deixarem seus estandes montados.
– Há 36 horas tínhamos um plano. Com a proliferação do vírus, tudo mudou. Não dá para realizar sem saber de que forma isso vai se alastrar. Mas não estamos cancelando, estamos adiando para garantir a presença de um público mais forte. Corríamos o risco de abrir e não atingir a expectativa de negócios – esclarece o presidente do Sindmóveis, Vinicius Benini.
A entidade reforça que o principal objetivo não são os interesse econômicos, mas “preservar a saúde dos próprios expositores da feira, visitantes, importadores, prestadores de serviço e comunidade”. Benini também coloca na balança a participação de importadores de outros países. A projeção era de que 150 representantes viessem para a feira.
— Tem as barreiras nos outros países: os importadores podem vir, mas talvez não pudessem retornar — lembra Benini.
Até o momento, o setor moveleiro afirma que não tem como balizar o efeito do coronavírus em relação às exportações.
Mudança de cronograma causa efeito cascata em outros setores
O adiamento da Movelsul influencia o setor hoteleiro em Bento. A projeção do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (Segh) Região Uva e Vinho era de ocupação de 70% dos leitos na cidade apenas com o público da feira – cerca de 4 mil vagas.
— Dá impacto, mas a feira poderá acontecer em março ou abril. O movimento nos hotéis será levado para outra data. Temos o problema do que fazer com os quartos vazios, mas não teria como lotar em pouco tempo — pondera o vice-presidente de Hotelaria do Segh, Tarcisio Vasco Michelon.
Por outro lado, o Segh não tem uma avaliação de como o coronavírus pode afetar a rede hoteleira. Conforme Michelon, o segmento em Caxias do Sul vem registrando crescimento. A dúvida é sobre como será o comportamento dos visitantes. Empresas de turismo apontam queda de 70% a 80% na procura por viagens internacionais. Nesse cenário, em que o Brasil não está no mesmo nível da pandemia como na Europa, poderia haver uma migração para viagens no país, o que manteria o setor aquecido.
Em outra decisão, o adiamento da Envase Brasil, feira voltada às novidades no mercado de bebidas e alimentos, suspende temporariamente a possibilidade de movimentar R$ 100 milhões. Conforme a organização, pelo menos 140 expositores e marcas de 12 países estavam confirmados no Parque de Eventos de Bento entre 31 de março e 3 de abril. A feira é vitrine para a nova safra de vinhos e a ideia era contar com mais de 100 vinícolas.
— Como tomamos a decisão hoje (sexta-feira, 13), estamos fazendo esforços para comunicar expositores, participantes de eventos paralelos e parceiros. Semana que vem vamos avaliar o calendário e definir a nova data. Nos dias frios, não tem como fazer porque o calendário tem outros eventos — adianta Osmar Bottega, diretor-executivo da Envase.
Como a feira tem origem no setor vitivinícola, Bottega entende que o segmento fica, no momento, sem essa referência.
— Tínhamos diversas agendas, encontros setoriais e tudo fica para um segundo momento. Até o final do mês, esperamos ter uma nova data.
Enquanto a região começa a repensar o futuro do calendário de eventos de negócios, países como a Alemanha já tomaram decisões mais contundentes. A ProWein, na Alemanha, maior do setor de vinhos no mundo, também foi adiada. O quadro atual é encarado com cautela, uma vez que feiras nacionais ou internacionais ajudam a alavancar vendas de vinícolas.
— Tivemos feiras canceladas e com datas remarcadas que, ao meu ver, não vão comprometer a agenda — avalia Pablo Perini, diretor de marketing da Casa Perini, de Farroupilha.