É explorando a ganância, a carência afetiva, o desejo sexual, a fragilidade de um momento em família e a vontade de ajudar alguém que golpistas têm tido sucesso em ludibriar suas vítimas e deixar um rastro de prejuízo financeiro e psicológico. Mais do que isso: são os potenciais alvos dos criminosos que deixam as pistas, mesmo que sutis, para favorecer artimanhas antigas ou que surgiram com o apelo da tecnologia.
São situações como um namoro à distância, que aguça o imaginário, leva a troca de fotos íntimas e abre caminho para extorsões. Ou um telefonema desesperado de um familiar, que acaba levando alguém fazer depósitos em banco. Ou a promessa de ganhar dinheiro de maneira fácil, proposta que parece tão real a ponto de fazer a mente da vítima sonhar com a mudança de vida.
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Mas esqueça o senso comum de que as presas mais fáceis são apenas pessoas sem instrução ou com idade avançada. Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental, a psicóloga de Caxias do Sul, Joselaine de Barros, ressalta que a inteligência e a experiência não protegem ninguém. Para ela, ao menos sete fatores levam uma pessoa a ser enganada:
— Primeiro a ganância faz com que a vítima ache que terá vantagem, mas na verdade está sendo enganada. Em segundo, o tempo. O golpista é imediatista, não permite que a vítima racionalize. A obediência a uma figura de autoridade é o terceiro item. Soma-se a isso a distração, o desejo, a caridade e o chamado efeito manada. Este último é típico dos golpes conhecidos como pirâmides. Se todos estão ganhando, vou ganhar também.
O titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), Luciano Pereira, lembra que o roteiro é sempre o mesmo. No momento da abordagem, o teatro dos estelionatários faz com que a vítima desvie do pensamento racional. O velho golpe do bilhete é um exemplo. Apesar de noticiado com frequência, as pessoas continuam sendo fisgadas:
— Ele é roteirizado, sempre há a presença de dois golpistas, a pessoa humilde e a "autoridade" que dá veracidade a história. A vítima acaba acreditando, sendo envolvida e se iludindo e, às vezes, perde a economia de uma vida, porque faz mais de um saque e entrega aos golpistas — detalha Pereira.
A rapidez do estelionatário evita que a vítima tenha tempo de ponderar, aponta a psicóloga:
— Os golpistas entendem o cérebro e o comportamento humano. Ele aposta na ganância humana, na fragilidade e na carência, conforme o tipo de golpe. Quando a vítima percebe, começa a pensar: "como eu fui cair?".
TEATRO DA SEDUÇÃO
O delegado frisa ainda que a vítima, às vezes, relata que foi roubada, mas ao investigar o caso, a polícia descobre que a pessoa foi enganada:
— Ela fica iludida, e acredita que irá ganhar grandes quantias de dinheiro ou obter vantagens. Se a pessoa parar para pensar e se distanciar, verá que não tem lógica. Ninguém troca um bilhete no qual ganharia muito mais dinheiro por um valor menor — ressalta Pereira.
A vontade de ser visto e o desejo de ser amado torna a vítima mais vulnerável aos golpes que vêm ganhando força.
— O golpista se apresenta como o príncipe encantado ou a princesa dos contos de fada e consegue a atenção da vítima. As pessoas são seduzidas e se sentem amadas. Tem o lado da caridade também, de querer ajudar alguém que precisa, alguém com quem nos importamos. Quando essas pessoas, carentes recebem atenção, elas se expõem demais e se tornam alvos fáceis aos golpes.
A psicóloga cita outro traço da personalidade da vítima, que favorece golpistas:
— O ego também se torna uma armadilha. Há a conversa, o flerte com uma moça mais jovem ou uma mulher sedutora e experiente ou ainda com um homem charmoso e a vítima se deixa seduzir, se sente amada. É da condição humana querer se sentir desejado ou desejada — reflete Joselaine.
Inteligência e persuasão
A psicóloga Joselaine de Barros também cita os traços de psicopatia dos golpistas.
— Eles são habilidosos, inteligentes, persuasivos e não sentem culpa, que é uma característica dos psicopatas.
Pode-se usar alguns nomes como estelionatário ou psicopata afetivo, que são comportamentos de quem visa ter poder, dinheiro ou ganho com uma relação.
— Essas pessoas não estão ali pelo amor ou pelo afeto, porque elas não se envolvem, elas são racionais e usam essa inteligência linguística para conseguir o que elas querem. No primeiro momento, são muito atenciosas, românticas, sempre muito disponíveis para o outro, e depois lá pelas tantas vai começar a mudar o discurso. Então estão "namorando" por um tempo com a vítima e com a viagem marcada para se conhecerem pessoalmente. Aí a mãe do golpista vai adoecer, alguém vai morrer ou terá uma cirurgia grande pra fazer. Vai usar esse subterfúgio para comover a vítima falando que aconteceu uma urgência e não terá dinheiro para viajar e conhecer o "namorado" ou "namorada" pessoalmente. Nesse momento, a vítima paga pela viagem do interesse romântico, por exemplo — alerta a psicóloga.
Confira casos recentes de golpes que usaram o aspecto emocional e os desejos das vítimas.
FOTOS ÍNTIMAS
Depois de se conhecer a pessoa em uma rede social e trocar o número de telefone, a vítima troca fotos íntimas. Logo em seguida começam as extorsões. O criminoso que recebe as imagens alega que a suposta mulher é uma adolescente, portanto, menor de idade. Ou ameaça divulgar as fotos para a família das vítimas, ou ainda se identificando como policial civil. Para não divulgar as imagens, pede dinheiro.
Em um dos casos, registrado em outubro, uma vítima cedeu e depositou R$ 2,5 mil para tentar evitar a divulgação da imagens. Nos dias 15 e 16 de outubro, outros dois homens foram vítimas de tentativa de extorsão. Nenhum deles pagou os valores cobrados pelos golpistas. Em agosto, a Polícia Civil de Canela identificou o autor de diversas extorsões contra homens que trocaram fotos íntimas com alguém que se identificava como uma mulher em um aplicativo de conversas. A extorsão era cometida por um homem que está preso em outra região do Rio Grande do Sul. De acordo com a investigação, o criminoso lucrava com elevados valores e os depósitos das vítimas eram diários.
FALSA NAMORADA
Outro golpe que explora o aspecto psicológico das vítimas é o do falso namorado ou namorada. Em 9 de dezembro, um jovem de 22 anos procurou a Polícia Civil para relatar que havia conhecido uma mulher num chat de um jogo na internet e engatou um relacionamento virtual após trocar telefones. A conversar por mensagens durante um ano e meio. Ainda segundo o rapaz, ele considerava a relação como um namoro, mas descobriu que, na verdade, estava conversando com um homem, mas já era tarde. A vítima já havia depositado R$ 5 mil em uma conta e dados presentes à falsa namorada.
FALSO PRESENTE
Em dezembro passado, uma mulher de 52 anos caiu no golpe do falso presente em Caxias do Sul. Ela relatou que conheceu, pela internet, uma pessoa que estaria morando em outro país. Essa pessoa queria mandar um presente para a vítima, mas alegou que o dinheiro estava preso em um depósito, e depois devolveria a quantia. A vítima fez um depósito de R$ 2.695. Só quando o conhecido pediu mais dinheiro é que a mulher percebeu que havia caído em um golpe.
COMO SE PROTEGER
A orientação de Joselaine é sempre se questionar e conversar com outras pessoas diante de propostas ou apelos. Nos golpes afetivos, a dica também é desconfiar.
— O discurso do estelionatário afetivo é maravilhoso, ele ilude e seduz. Ele sabe o que é certo e errado. O golpista não tem respeito à vida dos outros e não tem limites para conseguir o que ele quer. A relação é vampiresca, porque esse golpista suga a vítima e não está preocupado com isso. Não há perfeição num relacionamento, e mesmo envolvida, a pessoa tem que estar atenta aos sinais.
Para o delegado Pereira é preciso estar sempre alerta para não ser enganado:
— Não existe dinheiro fácil, é preciso desconfiar, analisar, conferir as informações, e estar atentos. Muitas ligações e trocas de mensagens são feitas de dentro dos presídios, inclusive, no golpe da troca de fotos íntimas.
A psicóloga concorda e aponta que na população carcerária é encontrado um alto índice de psicopatas:
— Eles são desprovidos de afeto, culpa e remorso. Costumo dizer que esse psicopata afetivo é um grande ator, ele faz uma encenação e convence a pessoa de que aquilo é verdade. Eles não têm empatia, portanto, não se colocam no lugar do outro.
SETE PRINCÍPIOS
O psicólogo da renomada Universidade de Cambrige, na Inglaterra, David Modic, conduziu um teste de personalidade com mil pessoas, algumas vítimas de golpes, e identificou várias características em comum. Inteligência e experiência não blindam ninguém, segundo pesquisa de Modic, autor do Estudo das Vítimas e a Detecção das Fraudes pela Internet.
Ele também mostrou fatores que tornam as fraudes plausíveis e proporcionam maior chance de ganhos para os golpistas, além das formas de prevenção. O colega dele, o pesquisador em assuntos de segurança e privacidade da Universidade de Cambridge, Frank Stajano, também estudou os truques de golpistas. Em seu trabalho, ele contou com a colaboração de Paul Wilson, um mágico que presta consultoria a cassinos.
Os dois abordam ao menos sete princípios que levam alguém a cair em golpes. Confira.
:: 1º Princípio do tempo: o golpista exerce pressão para que as vítimas atendam aos pedidos com rapidez, sem dar tempo para o raciocínio.
:: 2º Obediência à autoridade: as pessoas tendem a obedecer alguém, mesmo que as ordens fujam do bom-senso individual.
:: 3º Mentalidade de manada: termo usado para descrever situações em que pessoas reagem da mesma forma, mesmo sem direção planejada.
:: 4º Distração: os criminosos simulam personagens e situações para que a vítima não perceba que está caindo num golpe.
:: 5º Desejo: eles exploram o que as vítimas querem e usam isso a seu favor.
:: 6º Desonestidade: o golpista identifica alguém disposto a obter vantagem, mesmo que para isso a vítima precise quebrar regras.
:: 7º Caridade: boa parte das pessoas é propensa a ajudar alguém. Isso é explorado pelos golpistas para obter doações, por exemplo.
Saiba mais
:: Somente em Caxias, entre janeiro e dezembro do ano passado, foram 1.606 registros de golpes variados. Não há um levantamento separado sobre cada tipo de caso. O número pode ser ainda maior, já que nem todas as vítimas registram ocorrência por vergonha de terem sido enganadas.
:: A lista de artimanhas colocadas em práticas por golpistas é imensa, e no final das contas, a vantagem acaba sempre sendo deles. Mesmo que os estelionatários sejam presos, a pena é branda, já que a lei considera que o criminoso não usou violência. É um estímulo para o golpista age novamente.
:: A constatação da Polícia Civil é de que os estelionatos viraram o crime do momento pela facilidade de serem praticados _ basta um celular, tempo livre e acesso à internet para procurar vítimas e praticar golpes. No ano passado, o Ministério Público ( MP) e a Polícia Civil lançaram uma cartilha listando os 15 golpes mais comuns na cidade e dicas de como percebê-los e evitá-los.
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