Ao explicitar por meio da pesquisa como as nuances do ciúme e de uma relação abusiva podem levar a um feminicídio e outros crimes contra as mulheres, uma estudante de 17 anos de Caxias do Sul foi selecionada para participar de um dos mais importantes movimentos de estímulo ao jovem cientista no país. Autora do projeto "Romantização do ciúme nos relacionamentos entre jovens: do ciúme às relações abusivas", Raylyne Ribeiro representará a Escola Estadual de Ensino Médio Irmão Guerini, do bairro Ana Rech, na 18º Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), que ocorre de 17 a 19 de março de 2020, em São Paulo. O tema foi escolhido por meio de premiação conquistada na Mostra IFTec de 2019.
A estudante diz buscar na teoria embasamento para compreender e reverter situações vivenciadas por ela e por tantas outras mulheres.
— O Brasil é, desde 2016, o quinto país que mais mata mulheres no mundo por feminicídio. No meu trabalho usei a hipótese de que o relacionamento abusivo é causador do feminicídio íntimo e direto, tendo como fio condutor o ciúme. Pensando nisso, criei alternativas para diminuir ou controlar esse sentimento — explica a jovem.
A pesquisa foi desenvolvida por Raylyne ao longo do 2º ano do Ensino Médio, em um projeto de estímulo à pesquisa científica promovido há mais de 10 anos pela Escola Irmão Guerini. A estudante contou com orientação das professoras Angélica Ferrari Rodrigues, de Biologia, e da professora Bianca Santos Trindade, da disciplina de Química. A primeira versão do trabalho foi apresentada em uma mostra da escola e a segunda, na Mostra IFTec, onde a estudante ficou em primeiro lugar na categoria (Linguística, Letras e Artes) e ainda levou o segundo lugar entre todos os trabalhos apresentados.
Na Febrace, em São Paulo, a pesquisa de Raylyne foi selecionada como finalista na categoria de Ciências Humanas. Ela integra o grupo de 30 finalistas gaúchos entre os mais de 300 de todo o Brasil. A oportunidade, para ela, é uma conquista cheia de significados.
— A gente cresce aprendendo que não pode fazer certas coisas de jeito nenhum. Minha avó, por exemplo, não pôde estudar por ser mulher. Ela é semianalfabeta e fica orgulhosa quando me vê estudando. Eu sempre acreditei muito no poder das mulheres e agora estou aprendendo muito com as autoras que venho buscando para embasar a pesquisa — orgulha-se a estudante.
O combate à romantização do ciúme
O estudo desenvolvido pela estudante caxiense conclui que as taxas de feminicídio, ou mesmo de outros crimes contra a mulher que resultam de relacionamentos abusivos, só tendem a diminuir quando o tema for trabalhado a nível social. O relatório que será apresentado na feira de São Paulo aponta alternativas pensadas por Raylyne com a finalidade de controlar o ciúme, além de combater a romantização do sentimento. Confira:
DESAPEGO LÚDICO
Conforme constatado pela jovem pesquisadora, estudos comprovam que o ciúme se desenvolve em todas as pessoas ainda antes dos seis anos de idade. Um jogo para crianças desta faixa etária foi o caminho encontrado pela estudante para "conversar" com esse público ainda na infância.
— O sentimento de ciúme se desenvolve pelo apego aos objetos, principalmente brinquedos. Quando tu ensina uma criança, de forma lúdica, que ela pode dividir, ela entende e acaba levando isso pra vida adulta, evitando sentimento de controle nos relacionamentos futuros, por exemplo — resume.
O jogo, que ainda está sendo aperfeiçoado pela estudante, é desenvolvido para duas ou quatro pessoas, podendo ser jogado com os pais ou professores. A atividade propõe que os jogadores pesquem cartas nos montes, respondendo a situações — na temática do ciúmes — que podem colaborar para a montagem de um quebra-cabeças individual. Quem completar o quebra-cabeças primeiro, ganha.
SENSIBILIZAÇÃO POR MEIO DA ARTE
Ilustrações feitas pela própria pesquisadora também integram o projeto como uma maneira de sensibilizar as pessoas acerca do assunto. Com caneta, maquiagem, grafite e cobertura de cola branca, a estudante representou a temática por meio da arte.
— Seria uma forma de divulgar para jovens e adultos como o abuso não é legal. A ideia é que olhem para a imagem e percebam, de uma forma poética, o que é relação abusiva e romantização do ciúme — explica a autora, que pretende ser professora de artes.
Espiral da Relação Abusiva
Inspirada nas fases descritas por outras pesquisas já realizadas, Raylyne criou a Espiral da Relação Abusiva como forma de representar visualmente o ciclo que pode resultar em mortes por feminicídio. Na espiral, ela ilustra as três fases do relacionamento e ainda demonstra como a pessoa pode escapar do ciclo ao ter consciência dele.
— A sociedade costuma julgar a vítima de violência e não entende que se trata de uma construção; aquela pessoa precisa de ajuda e não de julgamento. A relação abusiva nunca vai começar com um soco, ela começa com o carinho, o afeto...
Este seria o primeiro ponto da espiral, no momento na conquista. Em um segundo ponto, ela representa a fase da tensão, onde pode surgir o ciúme, situações de ameaça, o medo por parte da vítima e a falta de comunicação entre o casal.
— Quando tu e ensinado que isso não é legal, seja na infância, ou pelas mídias, é este o momento em que consegue sair, antes que ocorra a terceira fase, onde é registrada a agressão em si, com empurrão, tapa, arremesso de objetos e até espancamento.
De acordo com a demonstração da espiral, o ciclo recomeça e o ponto inicial aparece como "pedido de desculpas" após as agressões, originando novamente as fases subsequentes. As fases do relacionamento abusivo vão se intensificando podendo culminar em um feminicídio.
AJUDE A ESTUDANTE
Recusar o convite para apresentar o projeto selecionado na Febrace 2020 não passou pela cabeça das professoras orientadoras e da estudante, porém, tanto a família de Raylyne quanto a escola não têm condições de arcar com as despesas envolvidas nesta participação — viagem, estadia e alimentação. Para contribuir, basta acessar a vaquinha virtual.
PROJETOS DA REGIÃO NA 18º FEBRACE
Raylyne não é a única estudante da região a participar da 18º Febrace. Confira os demais jovens que estarão na feira em São Paulo:
CARLOS BARBOSA
:: Estudo da Construção da Autoestima no Ambiente Escolar
Participantes: Aline Vieira, Kailany Almeida Acosta, Leticia Marchioro Bertotto, Sirlene Maria Lazzarini (orientadora) e Samuel Pedro Sattler (coorientador)
Escola Estadual de Ensino Médio São Roque
CAXIAS DO SUL
:: Avaliação in Vitro da Atividade Fotoprotetora do Extrato dos Rejeitos do Chimarrão
Participantes: Eduarda Golin Panisson, Cecilia Battisti Tolotti, Dáfiner Pergher (orientadora) e Ísis Cristina Pires de Lima (coorientadora)
Centro Tecnológico Universidade de Caxias do Sul
:: CNC TO LIFE
Participantes: Vinícius Geovane Scapin, Brian Neukamp (orientador) , Andreza Barcaro (coorientadora)
O grupo de Caxias do Sul participa da Febrace por meio da QI Escolas e Faculdades de Porto Alegre.