As correntes migratórias de estrangeiros nos últimos 10 anos foram acompanhadas pelo surgimento de uma rede de amparo baseada muito mais na atuação de voluntários, igrejas e ONGs em Caxias do Sul. Apesar dos discursos, o poder público continua se isentando da incumbência de estabelecer políticas locais para proporcionar acolhimento e conduzir de maneira uniforme a trajetória de famílias que tentam fugir da pobreza e da perseguição política em seus países de origem. É um cenário comum a tantas outras regiões pelo Brasil.
Essas brechas serão debatidas por representantes de instituições respeitadas no Brasil e no Exterior durante o simpósio Migração e refúgio à luz dos Direitos Humanos, que ocorre na segunda-feira no Bloco J da Universidade de Caxias do Sul (UCS). O objetivo é sensibilizar autoridades, mostrar que os migrantes não são apenas aqueles que dependem do comércio ambulante na Avenida Júlio de Castilhos e discutir questões universais como o racismo, o acesso ao trabalho, a burocracia estatal, além de estender o olhar para o novo marco legal da migração e o papel dos órgãos públicos. A atividade é promovida pela UCS, pelo Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Subseção Caxias do Sul.
É um movimento importante para Caxias. Desde o final dos anos 2000, a cidade passou a atrair centenas de haitianos e senegaleses, recebeu levas menores de outras nacionalidades e agora vem assentando venezuelanos por meio da Operação Acolhida, que recebe e promove a interiorização dos refugiados do país vizinho. Contudo, não há sequer uma estatística de quantos estrangeiros moram na cidade, onde estão e como vivem.
Adriano Pistorelo, advogado de migrações do CAM, ressalta que o objetivo de quem acolhe e orienta os estrangeiros nunca foi pedir a preferência de ninguém, mas chamar a atenção para o contexto. No caso, o simpósio servirá para sensibilizar a comunidade, abrir diálogo e debater as questões sobre direitos e deveres dos migrantes e refugiados.
— Como inserir uma criança autista que não fala o português? Uma criança recém chegada do Senegal vai ser colocada de imediato numa escola? E se os pais não colocarem, vão ser responsabilizados? São questões complexas. Temos que trazer vários enfoques para contextualizar a imigração. Há uma ideia de que os municípios não precisam fazer nada e as pessoas vão embora. Mas não vão. A onda migratória teve auge em 2012 e nada mudou em questão governamental — pondera Pistorelo.
"O governo vangloria a lei e tenta miná-la"
A presença de venezuelanos será um dos temas principais, pois o Rio Grande do Sul foi o segundo Estado que mais recebeu famílias refugiadas desde setembro de 2018 por meio da Operação Acolhida. Até momento, segundo o Ministério da Defesa, 1.759 venezuelanos vivem no RS, sendo 35 deles em Caxias do Sul. O coronel Urubatã Muterle Gama, do comando da operação, será um dos palestrantes.
Durante o simpósio, haverá uma reunião de trabalho entre os palestrantes, mediadores, representantes de ONGs e do poder público para estabelecer parcerias e projetos na região, uma vez que muitas ações acabam sendo restritas ao centro do país. A Camila Asano, integrante da Conectas, ONG de Direitos Humanos, abordará a legislação.
— Quero trazer uma discussão feita em Brasília sobre legislação de refúgio e migração. O nosso país é considerado avançado no mundo por ter leis modernas. Só que o governo federal vem tentando alterar tanto a lei de migração quanto a de refúgio. Quero mostrar as incoerências do governo que vangloria a própria lei e ao mesmo tempo tenta miná-la — critica Camila.
Ana Luiza Zago de Moraes, defensora pública da União e integrante do Grupo de Trabalho Migrações, Apatridia e Refúgio da DPU, lembra que o debate não é sobre a situação de todos os imigrantes, mas dos que estão em situação de vulnerabilidade e o papel da rede. Para ela, cada cidade precisa estabelecer sua prioridade.
— A sociedade civil é mais forte porque pode estabelecer suas pautas, o governo, no caso, precisa ver as prioridades. O que não pode é ter xenofobia. Não pode ter centro para morador de rua e o migrante não poder acessar. O migrante precisa então ter acesso às políticas públicas. O passo além é analisar a rede local, diagnosticar se há discriminação, mapear o que tem de política pública, ver qual é a necessidade do migrante, quais são os entraves e propor as soluções. O migrante precisa aprender português, então a prefeitura pode indicar onde há um EJA, por exemplo, com aulas de português — resume Ana Luiza.
— São Paulo teve durante muito tempo uma rede baseada na sociedade civil até que houve a leva dos haitianos. O governo viu que havia necessidade de se mexer e se estruturou. Tanto que na acolhida aos venezuelanos, a cidade estava bem mais preparada — complementa Camila.
SERVIÇO
:: O quê - Simpósio Migração e refúgio à luz dos Direitos Humanos
:: Quando - segunda-feira, dia 11, das 8h30min às 22h
:: Onde - Bloco J da UCS
:: Quanto - gratuito
PROGRAMAÇÃO
:: 9h às 11h30min - Painel 1 - Direitos Humanos, migração e refúgio no contexto brasileiro, com Adriano Pistorelo (CAM), Camila Asano (Conectas) e Ana Luiza Zago (DPU). Mediadora: Vânia Heredia, professora da UCS.
:: 14h às 15h - Reunião de trabalho
:: 17h às 19h - Painel 2 - Migração, refúgio e políticas públicas, com Giuliana Redin, professora da UFSM, e Fabiano de Moraes, procurador da República. Mediadora: Juliana Camelo (CAM).
:: 20h às 22h - Painel 3 - Operação Acolhida e a interiorização de imigrantes, com coronel Urubatã Muterle Gama, da Operação Acolhida, Wilian Laureano, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e Carla Lorenzi, da Organização Internacional para as Migrações (OIM) da ONU. Mediador: Reginaldo Leonel Ferreira, coordenador da comissão de Direitos Humanos da OAB Subseção de Caxias do Sul).