Para 34 municípios da região, a habilitação do Hospital São Carlos de Farroupilha em traumato-ortopedia de alta complexidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é esperança de, pelo menos, voltar a dar fluidez às longas e antigas filas de espera por cirurgias eletivas (aquelas agendadas) na área. Além disso, a instituição de saúde será referência para casos de urgência e emergência dessas cidades e para consultas de avaliação cirúrgica, ou seja, aquelas que determinam a necessidade do procedimento. A notícia da habilitação foi comemorada, mas, mesmo assim, diante da situação atual, os secretários de saúde seguem preocupados em função do baixo número de procedimentos que caberá a cada um e, com isso, do tempo estimado que levarão para zerar a lista de pacientes.
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A 5ª Coordenadoria Regional de Saúde (5ª CRS) abrange 49 cidades divididas em quatro microrregiões: Caxias e Hortênsias (seis), Campos de Cima da Serra (nove), Vinhedos e Basalto (22) e Uva e Vales (12). O hospital referência para urgências e emergências na área é o Pompéia, em Caxias do Sul. Mas, há anos, os casos de cirurgias dos municípios das duas últimas microrregiões não são atendidos na instituição, o que fez com que a demanda ficasse represada.
O Pioneiro falou com os quatro municípios mais populosos da 5ª CRS, um de cada microrregião. Em Flores da Cunha, por exemplo, da microrregião Uva e Vales, 120 pacientes aguardam por cirurgia eletiva. São situações de hérnia de disco e próteses de quadril, joelho e ombro, por exemplo. Segundo o secretário de Saúde do município, Vanderlei Stuani, há mais de três anos, a cidade não consegue encaminhar uma pessoa sequer para Caxias. Ele ainda comenta que a cada ano se somam cerca de 20 novos pacientes à fila. Apenas casos de urgência e emergência enviados pela cidade são atendidos no Pompéia.
– Mesmo com esse novo acordo em Farroupilha, terei 11 cirurgias em um ano. Partindo do princípio que tenho 120 para fazer, quantos anos vou levar para cumprir toda a demanda contando que não entre mais nenhum caso? Vai ajudar, mas muito pouco – comentou Stuani.
Em uma projeção rápida, seriam necessários quase 11 anos para zerar a fila existente hoje em Flores da Cunha. Existem pacientes que aguardam há seis, sete anos. Na sexta-feira, a dona Elga Schmidt Eberle, 72 anos, vai completar nove anos na fila. Ela conta que teve desgaste ósseo e precisa colocar próteses nos dois joelhos. A moradora da localidade de Santa Bárbara, no interior de Flores da Cunha, também amarga uma dor constante na coluna e já não consegue desempenhar as atividades da lida na colônia.
– Não faço mais nada. Vendi até as vacas porque não podia ir mais atrás (dos animais). Quando vou passar pano na casa, passo um pouco e já tenho que me sentar, porque não aguento segurar as pernas. Tenho esperança, né, mas não sei. Sempre dizem que tem muita gente na frente – lamenta a idosa.
Em Bento, é difícil encaminhar até urgências
Em Bento Gonçalves, na microrregião Vinhedos e Basalto, 1,2 mil pacientes esperam por algum tipo de procedimento de alta complexidade na área de traumato-ortopedia. Algumas dessas pessoas, há quatro ou cinco anos. Conforme o secretário de Saúde do município, Diogo Siqueira, todos deverão passar por avaliação já que é possível que muitos não se encaixem no protocolo para cirurgias. O município é o que terá maior cota entre os 34 que serão atendidos pelo Hospital São Carlos de Farroupilha, com 42 cirurgias por ano.
Para o gestor, o fator mais importante com a habilitação do Hospital São Carlos será ter para onde encaminhar os pacientes de urgência e emergência.
– Hoje é uma grande dificuldade encaminhar esses pacientes. As vezes, o paciente espera, as vezes a gente tem que entrar na Justiça. É uma situação bem mais complicada de resolver – pondera o secretário.
Além disso, ele refere os casos de pacientes que aguardam há muito tempo por uma cirurgia, acabam entrando na Justiça para garantir o procedimento e, agora, poderão ser encaminhados ao hospital em Farroupilha.
– Por fim, vamos conseguir realizar, gradualmente, as cirurgias eletivas em alta complexidade. É lógico que, pelo volume que acabou se acumulando nos últimos quatro ou cinco anos quando não conseguimos realizar nenhuma cirurgia em toda a nossa região, isso, obviamente, vai demorar. Mas, o importante é que vamos retomar essas cirurgias – comentou Siqueira.
Irineu Rech, 54 anos, é um dos casos de judicialização mencionados pelo secretário. Ele sofreu um acidente de trabalho em 19 de março deste ano, que resultou em uma fratura no fêmur. Desde então, aguardava por uma cirurgia. A família entrou com o pedido na Defensoria Pública no dia 29 de agosto.
– Entramos com uma ação contra a prefeitura de Bento, alegando negligência e pedindo que cobrisse os custos de um hospital particular para a realização da cirurgia – comentou Ivânia Maria Deal Rech, 53, esposa de Irineu.
O resultado da ação veio na última quarta-feira: ele terá consulta em um hospital de Porto Alegre no dia 6 de novembro para avaliação e para acertar os detalhes do procedimento.
Há demanda reprimida mesmo entre as cidades que seguem sendo atendidas pelo Pompéia
Vacaria, na microrregião Campos de Cima da Serra, também possui uma demanda reprimida considerável para os casos de alta complexidade. Atualmente, estão sendo contatados pacientes de janeiro de 2017. Desde então, conforme dados do Departamento de Auditoria, Controle e Avaliação (Daca) da Secretaria Municipal da Saúde, 160 pacientes aguardam consulta para avaliação cirúrgica com profissional de Caxias. Todos eles já tiveram laudo apontando necessidade de cirurgia de ortopedistas da rede municipal de Vacaria. Neste ano, até a última quarta-feira, foram agendados 33 novos pacientes para primeira consulta e cerca de 45 consultas de retorno.
Em Caxias, cidade mais populosa da microrregião Caxias e Hortênsias, a situação mais grave também é quanto a demanda por cirurgias na área. O município necessita de 1.190 por mês, mas a oferta é de 15% desse total, com 183 procedimentos realizados mensalmente. De acordo com a Secretaria de Saúde do município, para atender a necessidade da cidade, seria preciso disponibilizar 720 consultas para avaliação cirúrgica a cada mês, mas são atendidas 400.
São Carlos deve começar a receber pacientes até o final do ano
A habilitação do Hospital São Carlos pelo Ministério da Saúde para casos de alta complexidade nas áreas de traumatologia e ortopedia pelo SUS ocorreu no dia 20 de setembro, mas a negociação era feita desde 2015. A instituição atenderá pacientes dos 34 municípios das microrregiões Vinhedos e Basalto (22) e Uva e Vales (12). O hospital também vai absorver os atendimentos de urgência e emergência nessa área, que atualmente estão a cargo do Hospital Pompéia, em Caxias do Sul. A diretoria do Pompéia afirma que o hospital não tem condições técnicas de atender toda a demanda e considera que o valor pago pelo SUS não é suficiente para cobrir os custos.
A expectativa é que os primeiros pacientes comecem a ser atendidos no São Carlos até o final do ano.
– Ficamos muito contentes com essa habilitação. As filas vão começar a andar, porque temos uma demanda represada muito grande desde 2015 quando estamos nessas tratativas, mas sabemos que este não é um problema que irá se resolver em dois ou três meses – declarou a coordenadora.
A titular da 5ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) do Estado, Tatiane Misturini Fiorio, informou que, após a habilitação, União e Estado estão providenciando o redirecionamento das verbas até então destinadas para Caxias e que passarão para Farroupilha. Esses trâmites seguem simultaneamente nas duas esferas. Já no âmbito municipal, as prefeituras que já tiveram a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano que vem aprovadas pelos legislativos terão que fazer readequações, incluindo a verba que deverá ser destinada para Farroupilha, e obter nova aprovação das Câmaras. O valor é de R$ 0,28 por habitante.
No total, o hospital ofertará 133 tipos de procedimentos na área. Para isso, será repassado mensalmente R$ 140 mil por parte do Ministério da Saúde, R$ 140 mil por parte do Estado, além dos recursos dos municípios.
O Hospital Pompéia continuará respondendo pela alta complexidade para as 15 cidades das microrregiões Caxias e Hortênsias e Campos de Cima da Serra. Os recursos referentes a estes atendimentos seguirão sendo repassados a Caxias, lembrando que são os municípios que formalizam os contratos com os hospitais.
*Colaboraram Diego Mandarino e Roberto Peruzzo.