Vera Regina Almeida de Matos, 60 anos, tenta há mais de dois meses sepultar o corpo do filho em Caxias do Sul. O que impede o funeral é a conclusão de um exame de DNA para confirmar a identidade dele. Anderson Ricardo de Almeida Matos, o Alemão, 38, foi encontrado morto no dia 16 de agosto.
A família está desolada, pois não tem dúvidas de que se trata de Matos. Contudo, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) alega que não pode liberar o enterro sem ter confirmação da identidade. Segundo o IGP, haveria risco de se estar sepultando outra pessoa. Enquanto isso, o corpo permanece no Departamento Médico-Legal (DML) da cidade. A família procurou um advogado nesta quarta-feira (23) para obter, na Justiça, a liberação.
— Não sabemos nem se quando ele for liberado poderemos fazer velório — desabafa a mãe.
O drama começou no início de agosto. Com histórico de alcoolismo, Matos havia pedido ajuda de amigos para ser incluído em algum tratamento. No dia 2 daquele mês, foi levado para a Casa de Apoio Celeiro de Cristo, em Vila Oliva, zona rural de Caxias. Segundo relatos da direção da casa, Matos começou a ficar agitado possivelmente devido a uma crise de abstinência e demonstrava vontade de voltar para o bairro Euzébio Beltrão de Queiróz, onde residia. Na manhã de 4 agosto, um domingo, os voluntários da casa perceberam que ele havia sumido.
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Amigos e familiares realizaram diversas buscas na região de Vila Oliva, mas o corpo só foi achado quase duas semanas depois em estado de decomposição. Matos teria caído em um barranco nas proximidades da Casa de Apoio Celeiro de Cristo. O caso ainda está sob investigação da Polícia Civil, mas a hipótese é de que a morte foi em decorrência da queda logo após ter saído da comunidade terapêutica _ ninguém viu ele deixando a casa.
Conforme o delegado Rodrigo Kegler Duarte, a conclusão da investigação depende dos laudos periciais da necropsia e do local onde o corpo estava. Além de fazer biscates, Matos ajudava nas atividades do Centro Cultural Adão Borges da Rosa e foi homenageado dias atrás com um minuto de silêncio.
— Isso é triste. O Alemão era muito querido na comunidade — diz o rapper e educador Jankiel Francisco Cláudio, o Chiquinho Divilas.
A família procurou um advogado ontem para tentar obter, na Justiça, a liberação o quanto antes do corpo.
"Por que não liberam de uma vez?"
Os peritos têm dificuldade para atestar a identificação. Uma irmã de Matos reconheceu uma tatuagem no corpo e uma peça de roupa, dados considerados insuficientes. Na sequência, o IGP coletou sangue de outra irmã de Matos para estabelecer os traços de DNA. O resultado deu inconcluso devido à deterioração do material. Há cerca de duas semanas, a mãe dele cedeu sangue e saliva para um novo exame de DNA.
— Não consigo entender porque não deixaram a família ver o corpo no dia que acharam — reclama o motorista de aplicativo Guilherme Camello, 27, amigo de Matos e quem auxiliando Vera na questão.
O caso ganha contorno dramático porque Matos deixou um casal de filhos, que residem com a mãe. A menina pediu a familiares se ela poderia levar flores para o pai no dia de Finados. Há inclusive um túmulo reservado no Cemitério Público Municipal para o corpo. Nesta semana, a família esteve na delegacia para pegar informações sobre o caso. O policial que os atendeu ficou surpreso pelo fato de o corpo ainda não ter sido sepultado.
— Outro dia sonhei com meu filho. Estamos há dois meses assim, sem contar os dias que ele ficou sumido. Por que não liberam o corpo de meu filho de uma vez? — questiona Vera.
A mulher também enfrenta dificuldades em relação a uma filha cadeirante, que perdeu parcialmente os motivos do corpo após ser atingida por uma bala perdida.
— Estamos inclusive pedindo ajuda para conseguir uma cadeira de rodas para a filha de Vera — complementa Guilherme.
O QUE DIZ O IGP
O material biológico (sangue) da vítima, usado para exame do DNA, estava degradado. Foi necessário fazer uma segunda coleta, de matriz biológica diferente, tendo sido escolhido o material da arcada dentária, para compará-la com o material fornecido pela suposta mãe, o que costuma ter melhores resultados. A estimativa de tempo depende da qualidade do material coletado, porém raramente ultrapassa 90 dias, nos casos mais difíceis. A previsão é de que esta etapa seja concluída em cerca de 15 dias. Cabe ressaltar o compromisso do Instituto-Geral de Perícias com a correta identificação dos corpos, que só são liberados quando há certeza do resultado. A liberação precoce para enterro, sem a identificação, pode acarretar em posterior exumação e em uma série de outras consequências negativas e indesejadas para a instituição, os familiares e outros porventura envolvidos.
OUTROS EXEMPLOS
Casos como o de Anderson Ricardo de Almeida Matos, o Alemão, não são incomuns no Estado. Confira:
:: O corpo de Nelson Fabiano do Amaral Janner, 39, permaneceu 48 dias no DML da Capital. Ele havia desaparecido no dia 26 de junho deste ano e, no dia seguinte, o corpo que seria dele foi encontrado carbonizado em Triunfo, às margens do Rio Jacuí. A família dele peregrinou diversas vezes para conseguir a liberação e fazer o enterro, que só foi possível após a identificação da arcada dentária, no dia 10 de outubro.
:: A família de Lisyane Lopes, 16 anos, enfrentou três meses de esperar para conseguir fazer o sepultamento da jovem. A adolescente foi assassinada no dia 22 de julho de 2017 na Capital e teve o corpo queimado. Em 15 de agosto daquele ano, laudo pericial confirmou que era da adolescente o corpo encontrado incendiado no porta-malas de um HB20, no bairro Cascata, na Zona Sul. Os familiares também precisaram buscar autorização judicial para a liberação. O enterro só ocorreu em novembro de 2017.