A eleição deste ano do Conselho Tutelar de Caxias do Sul é alvo de denúncias envolvendo boca de urna, transportes ilegal de eleitores, vínculo político-partidário e propaganda irregular. O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica) abriu 10 processos administrativos para apurar diferentes situações. Por enquanto, os casos são apenas suspeitas. Algumas queixas foram protocoladas diretamente no Comdica, outras foram encaminhadas à entidade pelo Ministério Público (MP).
O conselho não divulga o teor das denúncias, mas a reportagem teve acesso a um documento que contém informações trazidas por oito candidatos não eleitos e uma fiscal da eleição. Esse grupo relaciona as supostas irregularidades a uma parte dos eleitos e procurou o MP para pedir providência. Eles querem impugnar candidaturas ou pedir uma nova eleição. O pleito ocorreu no dia 6 de outubro, com a participação de 8.138 votantes, 80 a menos do que a eleição anterior, de 2015. Vinte e sete pessoas disputavam 10 vagas e os vencedores tomam posse no dia 10 de janeiro.
No documento, é citado um suposto transporte de eleitores que votaram no Colégio La Salle Carmo, a boca de urna por parte de uma apoiadora de um candidato nas proximidades da mesma escola e a dificuldade para formalizar as denúncias, entre outras situações que teriam favorecido concorrentes. Havia três pontos de votação em Caxias.
— Os policiais que estavam na escola não quiseram registrar porque foram orientados pelo Comdica a apenas anotar as informações num papel. O Comdica foi questionado e informou que a denúncia deveria ser feita por escrito — diz uma candidata não eleita, que pede para não ser identificada.
O grupo cita o uso da estrutura de partidos e o apoio aberto de políticos, propaganda em redes sociais e a circulação de eleitores com adesivos dos candidatos, o que é vedado.
— Participamos de várias eleições, nos aterrorizaram com as regras, mas muitas não foram cumpridas. Diziam para que você não poderia ser visto fazendo campanha com políticos, mas isso aconteceu — reclama outro candidato.
Outro item questionado é anterior ao dia da eleição e envolve o exame psicológico, que tinha caráter eliminatório. Numa das etapas, realizada no dia 10 de agosto, os candidatos foram orientados a estar no local da avaliação com 30 minutos de antecedência para entrevistas individuais. O horário de chegada deveria ser às 13h e ninguém poderia ingressar posteriormente.
— A medida servia para que nenhum candidato pudesse passar informações sobre a forma como seria feita a entrevista. Duas candidatas chegaram atrasadas e tiveram acesso. No final, a psicóloga que fez a entrevista mencionou que todos seriam aprovados, pois sabia que tinha política por trás do pleito — reforça uma denunciante.
Conclusão será avaliada em assembleia
O Ministério Público confirmou ao Pioneiro ter recebido denúncias e encaminhou as informações para averiguação do Comdica. A promotoria aguardará o resultado da apuração para avaliar se houve problemas na conduta de postulantes ao cargo, o que poderia levar a uma eventual impugnação. A expectativa do MP é receber um relatório até o final do mês.
A presidente do Comdica, Odete Araldi Bortolini, confirma o registro de várias denúncias, mas prefere não entrar no mérito do tema. Segundo ela, os processos estão sendo conduzidos pela Comissão Eleitoral do pleito, formada por 12 voluntários e com caráter paritário, e não há prazo para a conclusão. A conclusão será submetida a uma assembleia do Comdica que, segundo Odete, é soberana para decidir se acata ou não o parecer.
— A comissão está fazendo as oitivas, ouvindo testemunhas, são muitas pessoas envolvidas. Não temos data para encerrar porque depende de ouvir, é trabalhoso. Pode ser que chegamos no dia da posse e tenhamos situações indefinidas. Tudo o que a comissão avaliar, vai estar na ata — explica Odete.
Por outro lado, a presidente do Comdica defende que processo eleitoral teve toda a transparência.
— O MP esteve presente o tempo todo nas eleições, dois promotores viram todo o processo. As pessoas tiveram a oportunidade de conversar com eles. Tudo o que estava ao nosso alcance, foi feito. Cabe à sociedade fazer denúncia — ressalta.
Os denunciantes ouvidos pelo Pioneiro apontam o temor de que integrantes de entidades avaliem denúncias envolvendo candidatos que apoiaram, o que tiraria a imparcialidade da investigação. Odete descarta a possibilidade.
— Sempre que a gente analisa um caso que tenha envolvido o candidato de determinada entidade, o membro da comissão com esse tipo de ligação não participa, não avalia e não faz a oitiva justamente para dar lisura ao processo.
NA REGIÃO
Denúncias de irregularidades nas eleições para o Conselho Tutelar não são exclusividade de Caxias. Em Vacaria, que elegeu cinco candidatos, há informações sobre compra de votos, transporte de eleitores, campanhas em locais proibidos e boca de urna. A investigação ainda não foi concluída. Em Farroupilha, também com cinco eleitos, o Comdica analisa sete denúncias de irregularidades. O MP inclusive pediu a cassação da candidatura de três postulantes ao cargo.
O QUE DIZEM OS CANDIDATOS ELEITOS
Conselho Tutelar Região Sul
— O edital foi lançado em março e foram vários processos e não era apenas a eleição. Respeitei e fiz tudo o que o edital previa. Se tem algo diferente, que a Comissão Eleitoral, o Comdica e o Ministério Público façam a averiguação.
Cassiano Jorge Fontana
— Não tive conhecimento e preciso me inteirar para ter uma posição sobre o assunto.
Daiane da Cruz
— Ouvi boatos no decorrer do processo sobre candidatos que entraram atrasado no exame psicológico, mas o edital não era esclarecedor a respeito disso. Sempre ocorrem denúncias de que se tenha transportado eleitores, de que se tenha usado estrutura política. Só fazem denúncia a partir do momento que termina a eleição, não deixa de ser choro de perdedor, faz parte do processo. Ao que tudo indica, a eleição ocorreu dentro da normalidade. É claro que tem pessoas com ligação partidária, assim como pessoas com ligação com igrejas. Eu me desfilhei do partido justamente para não darem desculpa de que usei estrutura do partido. Essa de transporte de eleitores é estranha. A eleição inclusive teve menos eleitores do que a anterior, e se houve transporte não deveria ter mais eleitores?Michel Sonda
— Não estou a par das denúncias, é novo para mim. Segui todas as instruções normativas do processo (eleitoral).
Josué Orian da Silva
Conselho Tutelar Região Norte
— Acredito que as denúncias fazem parte do processo democrático. Por outro lado, teve participação pequena da comunidade nas eleições. Tenho participação nos movimentos sociais desde a adolescência, sempre participei de conselhos, tenho trajetória em movimentos, é bem compreensível que alguma figura política acabe falando a meu respeito.
Sharon Ramos Vieira
— Não fui comunicada disso. Não tenho conhecimento de denúncias. Vou aguardar a comissão eleitoral entrar em contato.
Marjorie Monique Sasset
— Não tenho conhecimento do tema. Fiz tudo centro daquilo que o edital pedia e que a legislação eleitoral determina.
Evandra Regina Pellin
— Acredito que deve ser apurado com rigor. Minha conduta é muito profissional, sempre tive muito cuidado, o que eu não sabia, consultava o Comdica, me baseava no edital.
Karine Fortes da Gama
A reportagem não conseguiu contato por telefone com os conselheiros eleitos Mauricio da Silva Abel e Rosane Biurrun Martins Curto