É pela voz e gestos que os versos dos poemas deixam as páginas dos livros para emocionar as pessoas na interpretação dos declamadores. Cada entonação, cada expressão facial, cada movimento das mãos atrai e prende o público ao poema. No Rio Grande do Sul, os poemas ganham temática local e a tradição milenar de recitar se torna declamação.
– O poema é muito antigo, recitar é tão antigo quanto. O que temos aqui (no Rio Grande do Sul) é um poema típico local. Surgem poetas que começam a fazer poemas com a temática local, cantando essa terra. E os rodeios incorporam essa manifestação cultural – explana o historiador Manoelito Carlos Savaris.
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Os versos tratam de sentimentos, de tradição, mas também das nuances das relações humanas. É por isso, que a tarefa do declamador requer além da técnica. Exige apaixonar-se. Foi assim com Romila Hoffmann do Amaral e Ariel Vareiro Pereira, ambos de 30 anos. Para eles, arte de declamar se mostrou logo cedo. Romila tinha 8 anos quando teve contato com as manifestações culturais do tradicionalismo pela primeira vez, ainda na escola. Começou pela dança, mas logo tomou gosto pelos poemas.
– Eu declamava para as pessoas quando iam em casa ou no CTG (Centro de Tradições Gaúchas). Depois, comecei a participar de concursos. Quando comecei a declamar, já me encontrei. Acredito que seja um dom. Algo que desperta (em nós). A gente entra na história, vive aquilo e o poema acaba nos modificando. Acho que é algo que quando estamos lendo tem que tocar o coração – pondera Romila.
Mais do que a si, para os declamadores, as mensagens dos poemas podem despertar um processo de transformação.
– Acredito que a poesia pode mudar o mundo, pode mudar as pessoas. O poeta escreve e, nós declamadores, levamos esta mensagem para as pessoas. Muitas vezes, já vieram me dizer que estavam passando por um problema e tiveram um 'norte' (ao ouvir a declamação) ou que já tinham passado aquilo com os pais... Isso é gratificante, melhor do que ganhar um prêmio, ter esse carinho das pessoas que de alguma forma conseguimos ajudar – disse Romila.
Ariel nasceu e cresceu em Alegrete, ou como ele diz, "na campanha". Começou a frequentar um CTG da cidade na adolescência também atraído pela dança. Aprendeu sobre declamação e passou a participar de eventos.
– É o poema que escolhe a gente – afirma o declamador.
Para os concursos, ambos aperfeiçoaram técnicas de empostação (projeção) e inflexão (mudança de tom) da voz, dicção e gestualidade, além das expressões faciais. Um dos professores dos dois foi Vilson Araújo, considerado ícone da declamação no Estado.
– Muitos acham que é só subir no palco e falar a letra, mas tem muita preparação por trás disso, muita técnica misturada com a naturalidade – refere Ariel.
– A pontuação é tudo na poesia. Muitas vezes as pessoas acabam passando pela pontuação e atropelando a mensagem, aquilo que o poeta quis dizer – disse Romila.
Depois de muitos anos de participações e premiações em concursos diversos, o esforço dos dois foi coroado no ano passado, com o 3º lugar no Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart), para Romila e 1ª colocação para Ariel. Os dois representando o CTG Herdeiros da Tradição de Caxias. O Enart é o mais importante evento dedicado às manifestações culturais do tradicionalismo.
Romila volta ao Enart neste ano, para etapa classificatória que ocorre em um sábado anterior ao domingo da final do festival.
– Na declamação existe um sentimento muito verdadeiro, muito puro. É uma facilidade que algumas pessoas com dom especial têm de conseguir se comunicar com as outras pessoas por meio dos versos. A poesia é realmente muito forte. Conseguir tocar as pessoas com a poesia é maravilhoso. Não abandonamos isso porque ela (poesia) está encravada na nossa raiz. A gente quer que, cada vez mais, isso passe de pai para filho, perpetuando por meio dos nossos jovens. É algo que amo muito. A poesia nos toca tanto que nos apaixonamos por ela – declarou Ariel.
Trecho do poema 'Meu pai e eu', de Antonio Augusto Ferreira:
"Hoje a vida passou, vou cerro
abaixo,
o corpo vai sofrendo seus estragos,
mas me alegra saber que o coração
é pedra doce _ fácil de amoldar,
mas que sofre sozinho nos seus medos
e jamais reparte seus fracassos,
pois não lhe permitiram nunca
o direito de chorar.
É nessas horas
que meu velho volta e me levanta
na palavra:
Assim é a vida, só se vence quem lutar.
Aperta o coração, afirma o braço,
ergue a cabeça e segue em frente.
Lá é teu lugar."
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