Quando ela pisa nas dependências da escola é sucesso absoluto entre os estudantes que ficam cheios de vontade de se aproximarem e brincarem. Tina é novata, ainda está em fase de adaptação, mas aos poucos é introduzida à rotina escolar de seu dono, Gabriel Borsoi dos Santos, 10 anos, matriculado no 4º ano da Escola Municipal José Protázio Soares de Souza, no bairro Jardim Eldorado, em Caxias do Sul.
Portador de deficiência motora, ele desloca-se com a ajuda de uma cadeira de rodas e, há dois anos, conta com a cadela que, além de sua companheira de todas as horas, foi especialmente adestrada para atuar como cão-assistente.
A parceria entre os dois se fortalece a cada dia, ainda mais agora que Tina está sendo treinada para acompanhá-lo nas aulas de educação física e em outras atividades que Gabi tenha dificuldades e não consiga realizar sozinho. A família do jovem conta que conheceu o serviço do Centro de Adestramento Vale da Neblina, em Farroupilha, que treina cachorros para dar assistência a pessoas com deficiência (PcDs) e desde 2017 vem treinando Tina para responder a diversos comandos do dono.
— O Gabi queria muito ter um cachorrinho. Conhecemos o serviço do centro durante uma sessão de fisioterapia. Foi ali que percebemos que, além de fazer companhia, o animal poderia ajudá-lo. Logo fomos atrás de encontrar um cão para iniciar os treinamentos — diz a mãe do estudante, Camila Borsoi de Nalle.
Atualmente, Tina junta e entrega na mão do menino qualquer objeto que caia no chão, abre e fecha portas e está aprendendo a ligar e desligar os interruptores de luz. Segundo Camila, a presença canina estimula a evolução motora de Gabriel, o que poderá proporcionar mais autonomia para ele futuramente.
— Eu quero que ele possa ir sozinho ao banheiro quando tiver vontade e não que alguém precise carregá-lo até lá — relata a mãe, que, aos poucos, adapta também a casa conforme as necessidades do filho.
Adaptação na escola
A quatro-patas usa um colete amarelo, um indicativo de que, quando está com o acessório, deve ter toda sua atenção voltada para Gabriel, como explica a adestradora Janaína Ganzer:
— O colete indica, para ela, que ela está trabalhando. Então é importante que as pessoas que os vejam, não fiquem brincando ou distraindo a Tina nesses momentos.
Assim foram previamente orientados os colegas de Gabriel. Ele é um dos 1,2 mil estudantes da rede municipal de ensino de Caxias que possui algum tipo de deficiência, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação.
Somente na escola onde o menino estuda, que tem matriculados 997 alunos, são atendidas 35 crianças com algum tipo de necessidade especial. Elas são acompanhadas por monitores e a introdução canina, realizada recentemente através do estudante, parece sinalizar bons resultados:
— Só o fato dela estar com ele já faz toda a diferença, fortalece o vínculo dele com as outras crianças, elas interagem mais com ele — afirma Letícia Comerlato, diretora da escola que Gabriel frequenta desde o 1º ano do Ensino Fundamental.
— Desenvolvemos um trabalho diferenciado aqui, temos um grupo de professores envolvidos com isso e acho a ideia do cão-assistente fantástica, por isso abrimos as portas. Estamos ainda em teste, mas se não abrirmos, não temos como saber se dá certo ou não.
O treinamento
O processo de adestramento de um cão assistente, como Tina, começa cedo, de acordo com a adestradora Janaína. Ela explica que aos 49 dias de vida, os filhotes são retirados de uma ninhada para que testes sejam realizados com o intuito de ver quais estão aptos para a função, já que nem todos os animais têm perfil para acompanhar deficientes. O treinamento, então, se inicia aos 60 dias:
— No caso de um cão assistente, o treinamento é intenso: ele não pode ter medo de nada, então colocamos o cachorro em contato com diversas situações que possam ocorrer quando ele estiver com seu dono. Leva cerca de um ano e meio para o treinamento ser finalizado, mas pode ser que no meio do processo a gente perceba que ele não está apto para a função.
Ainda de acordo com a adestradora, cada caso é um caso e o treinamento é adaptado para as necessidades do dono. Inicialmente são ensinados comandos básicos e depois, aos poucos, são trabalhadas habilidades mais avançadas. Janaína reforça ainda que a participação dos donos é fundamental para o bom andamento do trabalho.
O valor total de um pacote assim pode custar cerca de R$ 50 mil, incluindo a aquisição do animal, o adestramento e todos os custos de alimentação e veterinária. No caso de Gabriel, Tina foi adquirida pela família e posteriormente contou com adestramento voluntário da profissional, que ainda captou apoio de uma marca para fornecimento de ração.
— Estamos sempre buscando apoiadores porque a ideia é que o trabalho seja voluntário.
Janaína atua em lares de idosos e também auxilia outras crianças com necessidades especiais com terapias desenvolvidas com cães. De acordo com ela, Tina é a única cão-assistente de Caxias do Sul, sendo esta uma ferramenta que, contando com apoiadores, poderá beneficiar muitas pessoas, assim com beneficia o pequeno Gabriel.