Savana só quer viver um dia mais para rever o mar, pisar na água gelada e sorrir. Parece um desejo bobo, mas se vivêssemos na pele de Savana, sonharíamos dia e noite com o mar. Tem uma canção que melhor traduz o sentimento de Savana. Ela nunca ouviu Beira mar, de Gilberto Gil e Caetano Veloso, mas é possível ouvi-la cantar: "Na terra em que o mar não bate / Não bate o meu coração". A distância da Serra ao litoral não é nada, mas é muito longe para quem sobrevive todos os dias driblando a morte.
Savana da Silva Marcos, tem 19 anos, mas parece que viveu duas ou três vezes mais. Antes de revelar a sua história, é preciso dizer, que Savana já passou do tempo de vida a que os médicos lhe atribuíram.
– Ela era uma menina tranquila, nasceu normal, sem nenhum problema – recorda-se a mãe, Rejane Salete da Silva, 45.
O enredo que segue não é o da última novela das nove, mas talvez um dia seja. Segundo Rejane, ela estava na loja na qual trabalhava quando o ex-marido entrou porta adentro, tomou a menina Savana nos braços, que estava ali com a mãe a brincar. Rejane conta ainda que o homem (identidade preservada), antes de dar mais atenção à filha, colocou-a em cima do balcão da loja e passou a discutir com Rejane.
Para resumir, segundo Rejane, o homem a agrediu verbal e fisicamente, enquanto Savana, na época com três anos, assistia a tudo. A polícia e os paramédicos do Samu chegaram e encontraram a menina imóvel, com um olhar cristalizado e meio perdido. O mesmo olhar que nos recebeu na tarde da última segunda-feira, dia 17, para a entrevista.– O pessoal da Samu primeiro foi atender a Savana, e só de encostar nela, desmaiou e entrou em coma – lembra Rejane.
No hospital, Savana foi reanimada, mas permaneceu um mês em observação. Pouco se movia e os sinais vitais eram como um sussurro.
– Me disseram nessa época, que ela entrou em depressão profunda. E daí começou a estourar meningite. Depois pesquisando melhor, encontraram uma coisinha na cabeça dela. Ela só piorava.
O diagnóstico? Interessava aos médicos. A mãe, aflita, só queria ganhar mais tempo ao lado de Savana para amá-la.
O dia em que o chão se abriu
Rejane nunca conseguiu planejar o aniversário de quatro anos da Savana. Uma travessia dessas, tende a ser sempre doce e cheia de alegria, mas no caso de Savana, foi dura e triste. Entre idas e vindas de casa ao hospital, e dias antes de comemorar quatro anos, Rejane levou Savana ao médico Ildo Sonda, que só de observar a menina, foi taxativo — e bastante franco:
— O doutor, só de ver e sem tocar nela, me disse: "Se for o que eu estou pensando, só cirurgia, e tem de ser urgente" — recorda Rejane.
Depois da bateria de exames, nova conversa, dessa vez ainda mais franca e reveladora:
— Ele em disse: "Mãezinha, senta". Mas eu estava tão nervosa que eu disse "fala logo, doutor". "Se não fizermos a cirurgia hoje, em dois ou três dias tua menina morre". Eu só chorava, eu não sabia o que fazer... — conta, emocionada.
Savana estava com um tumor maligno no cérebro, que crescia dia após dia. A cirurgia foi feita e ela voltou a enxergar.
Da cegueira à transfusão de medula
Em cerca de uma semana, como um transviado presente de aniversário por conta dos quatro aninhos, Savana passou por duas cirurgias.
— Logo em seguida, ela ficou cega. Era só o que faltava — desabafa Rejane.
Nessa altura, a vida de Savana dividia-se entre os dias de internação no hospital Pompéia e a radioterapia no Hospital Geral.
— Aí veio a bomba, o médico disse que eu tinha de ficar grávida para que meu filho fosse compatível com a Savana e pudesse doar a medula para ela. No meio de tudo isso, ainda tinha de ter mais um filho _ recorda Rejane.
Savana, era a quarta filha, além de dois outros que foram adotados por Rejane, por compadecer-se da vida deles, pois precisavam de amor e cuidado. Realmente, o coração de mãe sempre cabe mais um, e então veio o Eric.
— Ele só nasceu e logo foi levado para fazer a transfusão para ajudar a Savana — relembra.
No meio do caminho, uma gravidez
Viver é caminhar sobre uma linha tênue. E há quem diga que Savana vive na esperança de um milagre. Mas Savana prova que estar viva é o seu milagre. Depois da transfusão viveu dos quatro aos 10 anos em bonança e alegria, brincou, estudou e molhou os pés no mar. Mas logo depois, o tumor voltou a importunar a menina Savana. Aos 16, enquanto fazia quimioterapia, numa situação de difícil entendimento, um namoro estranho resultou na gravidez do pequeno Pietro.
— O pai? Sumiu, depois que viu que íamos denunciar ele, porque a Savana era de menor e ela não sabe nem explicar o que aconteceu. Vocês viram hoje aqui, ela tem problema até para reconhecer as pessoas e na escola tinha muita dificuldade de aprendizado — explica Rejane.
Acolher é mais do que doar
Savana não participou da entrevista, porque estava mal disposta, tinha saído do hospital dois dias antes. Inquieta, reservada e de olhar lânguido, agarrou-se à voluntária da Liga Feminina de Combate ao Câncer, Vera Caregnato Orsso, e só desprendeu-se dela quando preferiu voltar para a cama.
— Eu não sei o que eu faria sem essas mulheres da Liga. Agradeço a Deus por ter elas na minha vida. Sempre que elas vem trazem além de remédios e comida, muito carinho para nós — diz, sem conseguir segurar as lágrimas.
Savana, assim como todos nós, não sabe quanto tempo tem de vida. Mas Savana escolheu viver mais um dia para ter a esperança de rever o mar. O abraço apertado em Vera Orsso é uma das melhores imagens que guardarei no meu baú de memórias. Despeço-me, sem entender ainda com como Rejane lida com o inevitável.
— Preparada nunca estamos, mas eu sei o que pode acontecer com a Savana...
Savana vive à espera de rever o mar, enquanto que Rejane nem pensa aonde isso vai dar. A mãe só quer ver mais um dia a filha acordar, para dizer "eu te amo".