Você já imaginou como é ir ao mercado e escolher uma lata de refrigerante ou de qualquer outra bebida de sua preferência sem saber o que irá tomar? Essa é a realidade diária de cerca de 39 milhões de pessoas cegas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A estimativa é que no próximo ano esse número suba para 75 milhões. Ainda de acordo com levantamento da OMS, mais de 225 milhões são portadores de baixa visão, ou seja, incapazes de desempenhar tarefas que podem parecer simples no dia a dia, devido à deficiência visual.
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O mercado ainda não está preparado para atender à essa parcela da população, que na maioria das vezes têm as necessidades de consumo ignoradas por empresas e estabelecimentos comerciais. Essa percepção inspirou estudantes do 3º ano da Escola Estadual Melvin Jones, de Caxias do Sul, a criar um projeto durante a Mostra Científica para inserir o braile em embalagens de bebidas. Mônica Aparecida Siqueira da Silva, 17 anos e Yngrid Lorena Pereira Mesquita, 17, adaptaram latas de refrigerante com inserção do sistema de escrita tátil para incluir pessoas cegas ou com baixa visão:
— Não queríamos criar um projeto por causa da nota escolar. Decidimos fazer um projeto para ajudar as pessoas. A Yngrid pesquisou e descobrimos que nas latas de bebida tem a orientação de como abrir a embalagem e pensamos: de que adianta saber para que lado abre, mas não saber o que vai beber? Para nós é automático e simples, mas não é a realidade para milhões de pessoas.
Yngrid conta que a proposta surgiu depois de muita conversa e troca de experiências:
— Vi uma postagem nas redes sociais sobre o Japão, onde o braille está na tampa dos refrigerantes. Avançamos para tirar o projeto do papel. Foi muito legal saber que podemos fazer a diferença na vida das pessoas.
Inclusão
As estudantes entraram em contato com a amiga Jeisi Boeira que é deficiente visual, que acompanhou todas as etapas do projeto para que a produção fosse realmente inclusiva.
— Ela consegue ler tudo. É muito bom ver ela participando do projeto e saber que podemos produzir algo para mudar a vida das pessoas e para que elas se sintam incluídas — comemora Mônica.
No projeto, as estudantes argumentam que o braille em embalagens pode proporcionar independência e conforto na hora da compra, principalmente, no setor de bebidas, já que os cegos ou pessoas com baixa visão precisam de ajuda para identificar a bebida.
Além de inclusão, a ideia é uma possibilidade de prestação de serviço e empreendedorismo em parceria com empresas da região.
— Mesmo quem não tem problemas de visão irá ver a latinha como uma novidade e consumir o produto por curiosidade — aposta Mônica.
Do erro ao acerto
As estudantes pesquisaram empresas de Caxias do Sul que produzem material em braile para solicitar uma parceria.
— Primeiro pensamos em usar cola quente mas não era o ideal. Encontramos uma empresa que trabalha com identificação visual e adesivos em relevos tátil e eles nos ajudaram a iniciar a produção. Foi um desafio porque não acertávamos na hora de escrever, tem que ser de trás para frente. Erramos bastante até conseguir escrever de maneira correta conta Yngrid.
A empresa repassou às estudantes uma placa, um martelo e um objeto semelhante a uma agulha, que elas usaram para fazer os furos. Usando o alfabeto braille, de forma simples, as alunas produziram pequenos furos nas latas com o nome da bebida para que a identificação fosse possível.
A ideia pode ser o começo da inclusão:
— Vimos que é possível acrescentar braille nas latas estamos em busca de parcerias. Mesmo que não fosse possível criar a embalagem seja de latas ou garrafas com o sistema tátil, podem ser produzidas etiquetas em braille para colar na embalagem. Tivemos que abrir a lata para furar. As empresas podem fazer isso antes de fechar as embalagens ou usar as etiquetas. Conseguimos dar o primeiro passo.
Teste de olhos vendados
A professora de biologia e química Karen Batista Ambrosi, orientou o trabalho.
— A apresentação foi inusitada: os olhos das pessoas foram vendados para que elas tentassem descobrir que bebida estavam tomando.
Ela afirma que ver o projeto sair da sala de aula e ganhar apoio, prova o quanto é essencial incentivar os alunos a criar e ousar para ajudar o próximo:
— Tento auxiliar os alunos e incentivá-los a elaborar iniciativas para que o aprendizado saia da sala de aula. São inovações assim que fazem a diferença e tornam o processo educacional completo. Estamos ajudado as alunas a buscar patrocinadores para realmente tornar a vida das pessoas melhor, facilitar e incluir a todos.
"Esse olhar é essencial para incluir", diz gerente de projetos sociais da Apadev
— Para nós, que somos um dos centros de referência no atendimento aos deficientes visuais em Caxias todas as ações que buscam a inclusão são necessárias e sempre bem-vindas — ressalta Cátia Raquel Carvalho, gerente de projetos sociais da Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais.
A assistente social acrescenta que a iniciativa das estudantes emociona quem trabalha diariamente para que todos sejam inseridos na vida em sociedade.
— A percepção da sociedade precisa abranger a todos. Só percebemos a dificuldade em atividades simples do dia a dia quando temos um familiar ou alguém próximo com deficiência. Esse olhar das alunas para o deficiente visual é essencial para incluir realmente.
Para César André Avrela de Assumpção, diretor comercial da empresa que auxiliou as estudantes, a proposta inspira a buscar alternativas em busca de inclusão:
— Como trabalhamos com relevo tátil temos produzido materiais para pessoas com baixa visão e para cegos. Quanto mais ações foram criadas nesse sentido maior a inclusão. O mercado terá que se alinhar e mudar a linha de produção pensando em facilitar e incluir essa parcela da população.
Ele conta que o mercado, aos poucos, está se atualizando:
— Estamos trabalhando na produção de um álbum de gestante para uma futura mamãe que é cega. A imagem será descrita em braille abaixo da foto. Os deficientes visuais têm uma sensibilidade diferente no tato, no toque. Imagina essa gestante ao tocar a descrição da fotografia: ela vai lembrar dos sons, do contato da mão dela na barriga e de todos os instantes que antecederam a foto. Pensar nisso emociona — confessa ele.
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