Ao olhar para as fotos dos pais afixadas na parede de madeira da casa simples, dona Maribel Edira Klippel da Silva, 58 anos, lembra das dificuldades que o casal contava ter passado para erguer a moradia em 1945. Maria de Souza Klipp e Marçal Francisco Klipp haviam comprado a área de 133 hectares, em Cambará do Sul, de um madeireiro para pagar em prestações. Escolheram um ponto bem pertinho do cânion Itaimbezinho para fixar residência e criar os 11 filhos.
Há anos as histórias da família são contadas aos turistas que vão à casa aberta à visitação como Café do Vô Marçal e Artesanato da Vó Maria. Outra moradora Leoni Klippel Borges, 65 anos, mostra como são feitas as peças com lã de ovelha, do jeitinho que a sogra, matriarca da família, fazia até os últimos anos de vida. Vó Maria morreu em 2009 e o vô Marçal no ano seguinte. À época, o filho do casal, Eraldo Klippel, 60, e a esposa Leoni já moravam no local e tocavam o negócio. Um ano e meio atrás, dona Maria Edira, irmã de Eraldo, voltou a habitar a casa. Ela perdeu o posto de costureira em uma indústria de Caxias do Sul. Desemprega, aceitou o convite da cunhada para ajudar a tocar o Café. O marido de dona Maria Edira, o mecânico aposentado Antonio Selomar Rodrigues da Silva, 65, foi junto. Com isso, os dois casais passaram a viver em uma casa que fica junto do antigo chalé. Esse espaço ficou exclusivamente para a visitação e onde estão preservados os utensílios — incluindo a roca e o tear —, os móveis e objetos do casal Maria e Marçal.
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Na segunda-feira da semana passada, a família recebeu uma notícia que tem tirado o sono de dona Maria Edira todas as noites desde então. A juíza substituta Clarides Rahmeier, da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, determinou prazo de 15 dias a contar da notificação da família, para que os moradores deixem a residência. Agora os Klippel temem que, assim como a neblina encobre a paisagem fazendo sumir o cânion e a cascata, a casa desapareça com todas as histórias que de quem viveu ali.
Tudo começou com a criação do Parque Nacional dos Aparados da Serra, em 1959, portanto, 14 anos depois da aquisição da terra pela família. Iniciou-se um processo de desapropriação. A sentença foi proferida em 1972, mas o volume que a continha foi extraviado e a decisão acabou não sendo executada. Segundo último despacho da juíza, a indenização pelas terras já foi paga e, com isso, restaria a saída dos Klippel da área.
A família contesta. Diz que sabia da sentença, mas que nunca retirou nenhum valor referente ao pagamento pela área, nem antes nem depois da morte do seu Marçal. Por isso, os filhos requerem que, em tendo que deixar o local, o que não é a vontade deles, que isso ocorra mediante indenização.
O advogado da família recorreu da decisão e tentará nova avaliação sobre o caso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
— Nós podemos ser despejados daqui. Se resistirmos, inclusive, com força policial. Para nós é um constrangimento muito grande — disse Eraldo.
Imbróglio na Justiça
Em uma pasta, os Klippel reúnem a documentação que possuem da área: escritura e comprovantes de pagamento dos impostos. O advogado da família, Daniel Bragagnolo, entrou com um embargo da decisão da juíza substituta Clarides Rahmeier, da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, na tentativa de suspender o prazo, e com agravo de instrumento, espécie de recurso, para levar a análise do caso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Na prática, o despacho da juíza serve para dar cumprimento àquela sentença da década de 1970.
— A decisão dá seguimento ao feito e pede que seja efetuada a emissão da posse (em nome do ICMBio), retiradas as pessoas da terra e dado seguimento à regularização do parque — explica o defensor.
Segundo Bragagnolo, não existe comprovante de pagamento da terra à família Klippel. Existem referências a pagamentos para outras famílias que moravam na região e que, diante disso, saíram.
— O interesse público prevalece sobre o particular. Ali é um parque nacional e tem que ser preservado. Só que eu acho que a forma correta é indenizando a família para que essas pessoas possam seguir a vida com dignidade — argumenta o advogado.