A Justiça Federal subseção de Bento Gonçalves proferiu uma decisão polêmica na área da Medicina e que poderá ter grande repercussão no universo das mulheres que querem engravidar, mas têm dificuldade. Em novembro do ano passado, duas irmãs, moradoras da cidade, ingressaram com ação contra o Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers) pedindo que uma pudesse doar óvulos a outra. É que uma resolução do Conselho Federal de Medicina, ao qual os regionais são subordinados, determina que doadores e receptores de gametas e embriões não se conheçam, a chamada regra do anonimato.
No processo, uma das mulheres alegou já ter passado, nos últimos 10 anos, por mais de 10 tentativas de engravidar sem sucesso. Disse, ainda, ter prescrição médica para esse tipo de procedimento técnico. O Cremers contestou, reiterando o preceito da regra do anonimato que é o de evitar futuras disputas pela paternidade ou maternidade da criança que pode vir a ser gerada a partir do procedimento. Não há legislação específica sobre o tema e, via de regra, é essa regulamentação que tem servido para balizar a relação entre doadores e receptores, o que, no caso das irmãs impedia a realização da fertilização. A sentença do juiz tem caráter liminar, ou seja, elas garantiram o direito e poderão fazer o procedimento imediatamente, sem esperar transitar em julgado. O processo tramita em sigilo, portanto os nomes da paciente e da irmã não foram divulgados.
A sentença
A sentença foi proferida em abril, mas a divulgação só ocorreu nesta semana. Nela, o juiz Eduardo Kahler Ribeiro, substituto na 1ª Vara Federal de Bento, considerou que em vários países já houve mudança no entendimento sobre o anonimato, sobretudo, preponderando o direito da criança em conhecer sua identidade biológica. Além disso, neste caso, a irmã doadora fez uma declaração por escrito se comprometendo a não ingressar com ações referentes à maternidade.
– Considerei, especialmente, o direito ao planejamento familiar desse casal que tenta engravidar há tantos anos, o que envolve as técnicas de reprodução assistidas. Dei preponderância a este direito em comparação a regra do anonimato. Minha maior preocupação era uma vedação de ordem médica, mas não há nenhuma contraindicação para doação de uma irmã para outra – ponderou o juiz.
O Cremers enviou nota à equipe da RBS TV Caxias em que "reitera a posição manifestada no processo, que está em linha com Resolução do Conselho Federal de Medicina." O texto diz ainda que "a entidade respeita a decisão da Justiça, a quem cabe a responsabilidade pela avaliação do caso", com isso, não pretende recorrer da sentença.
Os processos envolvendo conselhos representativos são tratados no âmbito da Justiça Federal. Outros dois casos semelhantes foram encontrados em breve pesquisa no país. Em um deles, em São Paulo, a Justiça Federal, assim como em Bento, deferiu o pedido da família. No outro, no Paraná, a solicitação foi negada.