O amor entre a estudante Tainá Borges, 17 anos, surda desde o nascimento, e sua cachorrinha de estimação Bella não poderia ser maior. A conexão é tanta que as duas se comunicam por meio de Libras (Língua Brasileira de Sinais). A pug, que completa quatro anos em julho, aprendeu os sinais com Tainá e com o irmão dela, Andrei, 23, também surdo, e a namorada dele, Paula Cristina Baú, 23.
Bella foi um presente de aniversário. A vontade de ter um animal dessa raça motivou a menina a trocar a festa de 15 anos pela cadelinha. Ela chegou na casa da família em Caxias onde os irmãos vivem com os pais Cláudio Souza Borges, 50, e Aline Cardoso da Silva, 45, em agosto de 2015.
Apesar de querer interagir mais com a amiga, Tainá não acreditava que Bella pudesse entender o que ela queria dizer. A relação mudou a partir do momento em que a cunhada da estudante, também surda, ensinou a cadelinha a sentar usando o comando em Libras:
— Minha cunhada pegou um biscoito para cachorro e eu fiz o sinal de sentar e a Bella sentou. Achei que ela tinha sentado apenas porque estava cansada. Pensei: não, ela não deve ter entendido o sinal, mas vamos tentar outra vez — relembra Tainá.
Bella começou o treinamento ainda filhote, mas só compreendeu alguns sinais depois da insistência de Tainá.
_ A Bella me olha sinalizar em Libras, ela presta atenção e agora aprende rápido. Leva de dois a três dias para ela obedecer a um comando novo. Dou um biscoito sempre que ela obedece ao sinal, para entender que fez certinho.
Aline afirma que a cachorrinha, além de companheira, também cuida bem dos filhos dela e essa interação ajuda a família:
— Quando a campainha de casa toca, acende a luz para que meus filhos percebam que tem alguém lá fora, mas se estão sozinhos em casa ou nos quartos, onde não tem a luz, ela corre chamá-los. A Bella veio para somar — descreve Aline.
Hoje, Bella já atende aos sinais de sentar, o que pode ou não pode comer, cumprimento com as duas patinhas, o lugar certo para o xixi e o dois preferidos: passear e brincar.
Assim que Tainá faz o sinal de passear, a cachorrinha corre para onde fica a guia e demonstra a empolgação para ir à rua. Emocionada, a estudante afirma que a mascote sabe que ela e o irmão são surdos e isso faz dela a melhor cachorrinha do mundo:
— Não tenho muitas palavras para explicar como me sinto por ela ter aprendido. Ela está sempre atenta aos sinais que fazemos porque simplesmente sabe que nós não escutamos. A Bella nos entende e eu a amo muito porque ela sabe que somos surdos — orgulha-se Tainá.
Luta pela inclusão
Tainá e o irmão Andrei mantêm o canal Visurdo, no YouTube, desde 2016. Em janeiro, eles publicaram um vídeo com dicas de como como ensinar Libras a cachorros. A postagem já coleciona mais de 93 mil visualizações. Sorridente, a jovem afirma que o treinamento de Bella ainda não terminou e agora a família tem um novo desafio: ensinar a irmã de Bella, Babi, a entender Libras. Tainá ressalta que a ideia de criar o canal foi do irmão dela para que a sociedade entenda como os surdos se sentem em relação a diversos temas. Foi pensando na acessibilidade que os irmãos decidiram legendar os vídeos em português para os ouvintes que acompanham o canal.
— A sociedade precisa nos incluir, nós somos como todas as pessoas, e os ouvintes podem aprender um pouco como é a nossa vida. A Bella aprendeu Libras, seria maravilhoso se todos pudessem aprender também. É uma maneira de lutar pela inclusão — diz Tainá.
Andrei afirma que a intenção do canal é divulgar a cultura surda e buscar o reconhecimento da Libras em todo Brasil para combater o preconceito e incentivar as pessoas a aprender a língua dos sinais:
— A inclusão não é em sala de aula porque sabemos que aqui no Brasil falta muito para isso acontecer já que não têm profissionais preparados para isso e a sociedade também não está pronta. A inclusão pela qual lutamos é para que os surdos sejam atendidos em qualquer lugar, e que as pessoas saibam um pouco de Libras para que essa inclusão realmente aconteça.
Ele aponta ainda que há legislação em Caxias para que os filmes dublados ou nacionais coloquem legendas descritivas nos cinemas. A aprovação da lei, proposta pelo vereador Rafael Bueno (PDT), permitiu que cerca de duas mil pessoas com deficiência auditiva na cidade compartilhem alegrias com familiares e amigos nas salas de cinema do município. A inspiração veio da campanha nacional Legenda para quem não ouve, mas se emociona.
— A luta não é apenas por acessibilidade, mas para viver experiências que fazem parte de todas as famílias, como ver filmes, espetáculos de teatro e apresentações artísticas. Não basta existir a lei, a legislação tem que ser cumprida nos cinemas e teatros. Nosso canal ajuda a disseminar essa cultura dos surdos e buscar respeito — reforça Andrei.
"Quando ele fechou a porta na minha cara soube que ali era o mundo dele", conta mãe
Foram Andrei e Tainá que levaram os pais a ter empatia com quem é surdo. O nascimento do primogênito foi um desafio ainda maior para Aline. A gravidez foi de alto risco, e quando o menino tinha seis meses, ela passou a notar que ele não reagia normalmente quando pediam, por exemplo, onde está o pezinho. A confirmação da surdez veio quando Andrei tinha pouco mais de um ano, após Aline insistir para que o filho fizesse o exame, realizado em Porto Alegre. Sem rumo, ela se deu conta que precisava aprender Libras para ensinar Andrei, e hoje é intérprete da língua.
— Não conheci nada dessa cultura dos surdos. Mostramos o exame para o médico e ele disse: "querem que eu diga o quê? Ele é surdo: Helen Keller ou aparelho". Pensamos em vender o carro porque o aparelho era caro, mas ele não reagiu aos sons durante os testes.
O casal decidiu conhecer o Helen Keller:
— Nunca vou me esquecer. Eu não sabia o que fazer, acreditava que era tudo com letras. Fiquei no corredor no primeiro dia e, no segundo dia, ele fechou a porta na minha cara. Soube que ali era o mundo dele — conta Aline.
Ela e o marido aprenderam a língua dos sinais para compreender melhor o filho. A cada duas palavras assimiladas pelo casal, o menino, com apenas dois anos, aprendia 10. Apesar de não ser intérprete, Cláudio conhece Libras e já narrou, por meios de sinais, os jogos do Internacional para o filho quando a partida não passava na televisão.
A mãe conta que o filho pedia uma irmã ou irmão que fosse surdo. Apesar dela acreditar que isso não fosse acontecer, Aline nasceu com surdez profunda, embora em grau menor do que o irmão:
— Ele rezava pedindo um irmão ou irmã e veio a Tainá, e foi muito mais tranquilo, um mundo bem melhor, porque nós sabíamos Libras e o Andrei era um dos melhores professores. Eles vieram para a nossa família por um motivo e foram os melhores presentes que Deus poderia nos dar. São nosso exemplo de vida pela luta diária deles em busca de inclusão.
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